segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ídolo de Santos, Corinthians e do Brasil, Gylmar dos Santos Neves morre aos 83 anos

Gazeta Press
Gylmar é carregado pelos torcedores na pista do aeroporto durante desembarque em São Paulo, após o título de 1958
Gylmar é carregado pelos torcedores na pista do aeroporto durante desembarque em São Paulo, após o título de 1958
O goleiro mais vencedor da história do futebol brasileiro morreu neste domingo, 25 de agosto de 2013.

Gylmar dos Santos Neves, de 83 anos, não resistiu às complicações de um infarto, sofrido há uma semana. Há sete dias ele estava internado no Hospital Sírio Libanês, na capital paulista.

Há 13 anos, o goleiro campeão mundial em 1958 e 1962 pela seleção e em 1962 e 1963, pelo Santos, sofria com as sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC). Desde estão, Gylmar não falava, tinha dificuldades de mobilidade e usava uma cadeira de rodas.
Relembre a carreira de Gylmar dos Santos Neves, o goleiro brasileiro mais vencedor da história

Ídolo de Corinthians, Santos e da seleção brasileira, Gylmar sempre teve uma resposta fácil para uma das perguntas que mais ouviu na vida. "Sou alvinegro", dizia, todas as vezes que lhe questionavam qual o time de seu coração. A resposta contava muito da vida de Gylmar dos Santos Neves, mas nunca pareceu suficiente.
Afinal, durante a carreira de duas décadas, Gylmar fez o que nenhum outro jogador conseguiu: foi um dos dez maiores ídolos da história de Santos e Corinthians, dois dos maiores e mais gloriosos clubes paulistas. Mais do que isso, os protagonistas da maior rivalidade do estado entre os anos 1950 e 60, justamente o período em que o goleiro vestiu as duas camisas.

Dizer que era apenas alvinegro não bastava para diferenciar qual das paixões mais mexeu com o arqueiro longilíneo, que saía do gol como nenhum outro de sua época e se posicionava de forma a tornar várias defesas impossíveis uma mera formalidade.

Mas a resposta padrão - "sou alvinegro" - não era a única diante da pergunta que atormenta grande parte dos jogadores profissionais de futebol. Vez ou outra, Gylmar dizia que seu grande amor no futebol era o Jabaquara, clube santista em que teve sua primeira chance como profissional.

O time de infância, contudo, era ainda outro. Na adolescência, quando despertava seus sentidos para o futebol, Gylmar tinha uma paixão oculta. Gostava do Vasco da Gama, conhecido como Expresso da Vitória, que fez história a partir do início dos anos 1940. E que, ainda naquela década, daria ao Brasil um grande goleiro, Barbosa.

Santos, Corinthians, Jabaquara e Vasco. As respostas de Gylmar jamais colocaram um ponto final na pergunta sobre o clube de coração. Mas cada uma delas ajuda a explicar um pouco da história do goleiro que mudou a forma como o Brasil e o mundo viam a mais ingrata dentre todas as posições do futebol.
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Gylmar é considerado um dos maiores goleiros da história do Santos
Gylmar é considerado um dos maiores goleiros brasileiros
O contrapeso - Gylmar dos Santos Neves nasceu em Santos, no dia 22 de agosto de 1930. Na infância, dividia seu tempo entre o sonho de ser médico e a vontade de brilhar como jogador de futebol. Filho de pais humildes, mas muito preocupados com sua educação, foi aluno esforçado e exemplar.

Mas não era o boletim do jovem Gylmar que chamava a atenção de todos. Com um tipo físico que parecia perfeito para a posição, o adolescente mostrava nas peladas que levava jeito para ser goleiro de futebol.

O destino de Gylmar, então com 15 anos, poderia ter sido o Santos. Ele foi tentar a sorte no clube da Vila Belmiro, mas deu com a cara na porta. Chateado, foi buscar outro clube e passou a jogar no Portuários, equipe amadora com algum destaque na várzea em Santos.

Não demorou muito para que o goleiro ganhasse destaque e chegasse, enfim, a uma equipe mais expressiva. A chance foi dada pelo Jabaquara, e Gylmar tratou de agarrá-la com firmeza, como faria dali em diante na carreira.

Foi como goleiro titular do ‘Jabuca' que Gylmar assistiu, em 1950, à derrota do Brasil para o Uruguai, na final da Copa do Mundo, diante de um Maracanã lotado. Aos 19 anos, quando ainda estava distante de chegar à seleção brasileira, ele viu o goleiro Barbosa ser declarado culpado pela perda do título. No início daquela década, ser goleiro no Brasil estava ainda mais difícil do que de costume.

A prova de como a profissão estava desvalorizada viria logo no ano seguinte. Em negociação com o Corinthians, o Jabaquara mandou para o Parque São Jorge o meio-campista Ciciá. Gylmar foi para São Paulo como contrapeso na negociação. Era o início de uma história de sucesso no futebol brasileiro.
Ídolo injustiçado - Em 1961, Gylmar já era considerado o melhor goleiro do Brasil e um dos melhores do mundo. Três vezes campeão paulista e com dois títulos do Rio-São Paulo pelo Corinthians, era também o titular absoluto da seleção, tendo no currículo a conquista da Copa do Mundo de 1958, na Suécia.

Aos 30 anos, com uma década de serviços prestados ao clube do Parque São Jorge, era de se esperar que Gylmar fosse um ídolo inatacável. Mas não foi isso que aconteceu. Depois de anos jogando no sacrifício, com infiltrações, o goleiro decidiu operar o cotovelo. Foi a senha para o presidente do clube, Wadih Helu, dizer que se tratava de "corpo mole" do jogador diante de um período sem títulos.

Uma década antes, logo que chegara ao clube, o arqueiro já havia sido alvo de um boato cruel de que teria se vendido para a Portuguesa em uma derrota por 7 a 3. Os anos mostraram que toda a celeuma era apenas uma farsa arquitetada por desafetos do goleiro. Mas, campeão do mundo e consagrado, ele não estava disposto a enfrentar mais uma vez aquele tipo de intriga.

Gylmar já estava decidido: não queria mais jogar no Corinthians. E o Corinthians queria muito dinheiro para liberar o goleiro para outro clube, estipulando o valor do passe em 10 milhões de cruzeiros, um valor absurdo para a época.

Foi durante um programa de debate esportivo na TV que a sorte do goleiro mudou. José Ermírio de Moraes Filho, que assistia de casa à execração pública do titular da seleção brasileira, resolveu agir. Fazendo as vezes de empresário do jogador, ele negociou a transferência de Gylmar para o Santos.

Curiosamente, uma espécie de maldição se abateu sobre o Corinthians depois da saída de Gylmar. Com a camisa santista, ele enfrentou o Santos 11 vezes, com dez vitórias e uma derrota. E, quando o goleiro encerrou a carreira, em 1969, a fila corintiana já durava 15 anos. O jejum de títulos só terminaria em 1977.
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Gylmar dos Santos Neves fez história com a camisa do Santos
Gylmar fez história com a camisa do Santos
A peça que faltava - Em 1961, o Santos teve um dos anos mais especiais de sua história. A equipe construiu goleadas históricas sobre rivais nacionais e internacionais e deu início a uma série de nove títulos consecutivos, que só terminaria dois anos depois. Foi nesta equipe mágica que Gylmar chegou, aos 30 anos, já consagrado.

"O Santos, naquela época, procurava contratar os maiores jogadores do Brasil, para ficar ainda mais forte. E o Gylmar era o melhor goleiro do Brasil e teve uma passagem fantástica com a gente", relembra Pepe, o segundo jogador que mais vezes vestiu a camisa santista.

Na virada dos anos 1950 para a década seguinte, o Santos notabilizou-se pela força de sua linha ofensiva, formada por jogadores como Pelé, Pepe, Dorval, Pagão e Coutinho. Mas era nos rivais São Paulo, Corinthians e Palmeiras que estavam os grandes goleiros do futebol paulista daqueles tempos: o tricolor tinha o argentino José Poy, o Palmeiras era o time de Valdir de Morais e Oberdan Cattani, e o Corinthians tinha ninguém menos que Gylmar.

Com a chegada do goleiro da seleção ao Santos, o clube da Vila Belmiro - antes defendido pelos competentes Laércio e Lalá - passou a ser superior aos rivais também na comparação entre os arqueiros. Era a peça que faltava para que o Santos conquistasse a América e o mundo.
Calando a Bombonera - Entre 1961 e 1969, Gylmar disputou 330 partidas com a camisa do Santos. Pelo clube da Vila Belmiro, foram 19 títulos, todos com participação decisiva. Entre tantas conquistas, entretanto, não é difícil escolher aquela em que o goleiro mais brilhou.

Foi no dia 11 de setembro de 1963, no Estádio La Bombonera, em Buenos Aires, que Gylmar fez o maior jogo de sua vida. Era a segunda partida da decisão da Libertadores, diante do Boca Juniors. No primeiro jogo, no Maracanã, os brasileiros venceram por 3 a 2.
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Gylmar conquistou o bicampeonato do Mundial de Clubes nos anos de 1962 e 1963
Gylmar conquistou o bicampeonato do Mundial de Clubes nos anos de 1962 e 1963
Um empate daria o bicampeonato da América ao time da Vila Belmiro. Mas seria pedir demais que aquela equipe jogasse pensando em empatar. O Santos jogou como costumava jogar, indo ao ataque. E Gylmar precisou fazer milagres para que o primeiro tempo terminasse em 0 a 0.

"Gylmar foi um arqueiro seguríssimo, praticando pelo menos quatro defesas espetaculares, uma delas em chute de Rattín, que estava sempre na frente, tentando o gol", publicou a Folha de S.Paulo do dia seguinte à conquista, atribuindo ao goleiro uma grande parte da conquista.

No segundo tempo, logo a 1 minuto, o Boca abriu o placar. Grillo avançou pela ponta direita e cruzou para o centro da área. Gylmar saiu e afastou de soco. No rebote, José Sanfilippo pegou de primeira, sem chances para o goleiro e para Geraldino, que estava debaixo do travessão.

O Santos reagiu rápido. Aos 4 minutos, após jogada de Pelé e Dorval, Coutinho empatou. O Boca precisava novamente de um gol para conseguir a vitória e levar a disputa para um terceiro confronto. E o goleiro santista teve de trabalhar mais uma vez. Sem levar mais gols, Gylmar ainda viu Pelé marcar o segundo, aos 37 da segunda etapa, fazendo 2 a 1 e garantindo o segundo título da Libertadores para o clube.

A história registra que, naquele 11 de setembro, Coutinho e Pelé deram a vitória e a taça ao Santos. Mas quem estava em La Bombonera não esquece do terceiro herói daquela partida. "Nesse jogo em que ganhamos do Boca, o Gylmar pegou tudo. Foi o grande jogo dele com a camisa do Santos", afirma Pepe.
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Gylmar e Pelé comemoram nos vestiários o título da Copa do Mundo de 1958
Gylmar e Pelé comemoram nos vestiários o título da Copa do Mundo de 1958
Irmão mais velho de Pelé - Para quem viu Gylmar em campo, há imagens que são inesquecíveis. A daquele sujeito magro, todo vestido de preto em um time de uniformes impecavelmente brancos é uma delas. A do goleiro sério, que coordenava a defesa com a classe de um lorde, é outra. E uma terceira poderia ser a do arqueiro sóbrio, que fazia as defesas parecerem fáceis, porque estava sempre bem posicionado.

Para os mais jovens, no entanto, a primeira imagem de Gylmar não é a do goleiro. É a de um ombro amigo. A do ombro que acolhe a cabeça de Pelé, após a conquista do Mundial de 1958, na Suécia. Enquanto o Rei chorava incessantemente, o goleiro dava-lhe o ombro, mirando o olhar sereno no horizonte. Era o olhar de quem vencera uma batalha.

Durante toda a carreira, Gylmar foi um atleta obstinado. Procurava melhorar em suas fraquezas técnicas e fortalecer suas qualidades. Em uma época na qual os jogadores de futebol começavam a ganhar notoriedade e posição social de artistas de cinema, as tentações eram muitas. O goleiro passou ileso por esta fase e tentou ajudar os mais jovens a não se desviarem. Ele sabia que a carreira de jogador seria curta.

Por isso, logo após sua consagração como maior jogador do mundo aos 17 anos, Pelé foi procurar o goleiro. Durante a estada da seleção na Suécia, Gylmar fora como um irmão mais velho para o camisa 10. Depois, com a chegada do goleiro ao Santos, a amizade e o respeito entre ambos cresceram ainda mais.

Mais de meio século depois, as imagens de Pelé e Gylmar juntos no estádio Rassunda ainda correm o mundo.
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Gylmar sofreu apenas 4 gols no Mundial de 1958: dois contra a França, na semi, e dois na final contra a Suécia
Gylmar sofreu apenas 4 gols no Mundial de 1958
Um goleiro para cinco CopasA Copa do Mundo da Suécia, em 1958, foi a primeira das três que Gylmar disputaria com a camisa da seleção brasileira. Mas poderia ter sido a segunda entre cinco. Quem conviveu de perto com o goleiro não tem dúvidas: ele poderia ter ido a cinco Mundiais, feito que seria um recorde entre os jogadores brasileiros.

Em 1953, Gylmar passou a ser convocado com freqüência para a seleção brasileira. O goleiro era considerado nome certo na lista para o Mundial da Suíça, em 1954. Mas uma lesão no cotovelo impediu que ele pudesse ir à sua primeira Copa, aos 23 anos. Castilho e Veludo, do Fluminense, e Cabeção - que já era reserva no Corinthians foram os convocados.

A decepção por ficar fora do torneio não abateu Gylmar. O jejum de títulos que o Corinthians começou a amargar, também não. Em 1958, ele chegou à Suécia como dono da posição. Só que, culpa de uma dessas ironias do destino, não pôde usar a camisa 1 naquele Mundial.

Por uma série de desencontros, a CBD não enviou para a Fifa a lista com a numeração dos jogadores; coube ao dirigente uruguaio Lorenzo Vilizzio dar números aos jogadores. Como só conhecia Castilho entre os goleiros, deu ao jogador do Fluminense a 1; Gylmar acabou com a 3, e ao então desconhecido Pelé sobrou a 10.

Titular desde o primeiro jogo, Gylmar passou as quatro primeiras partidas da Copa sem sofrer um único gol. Só foi vazado aos 9 minutos da semifinal contra a França, quando acabou superado pelo atacante Just Fontaine, artilheiro daquele Mundial com 13 gols.

Os 369 minutos de invencibilidade foram um recorde até então em Copas. Até o fim do torneio, seriam apenas quatro gols sofridos, média de 0,66 por partida. Algo fantástico na época. Lev Yashin, arqueiro da União Soviética naquele Mundial e considerado o maior de todos os tempos na posição, sofreu sete gols em cinco partidas.

Em 1962, Gylmar foi novamente para a Copa como titular. E fez, diante da Espanha, no último jogo da primeira fase, sua grande partida pela seleção brasileira. O Brasil já perdia por 1 a 0, com gol de Abelardo, e os espanhóis levavam perigo. Mas o goleiro fechou a meta brasileira. A seleção ainda contou com a ajuda do árbitro chileno Sérgio Bustamante, que não marcou um pênalti cometido por Nilton Santos. O lateral deu um passo para frente, iludindo o juiz a marcar uma falta.

Consagrado e quatro vezes campeão mundial - duas pela seleção e duas pelo Santos - Gylmar chegou à Copa do Mundo de 1966 novamente como titular do gol brasileiro. Mas os tempos eram outros. Mal gerenciada fora de campo, a equipe foi para a Inglaterra em frangalhos. O goleiro santista atuou nos dois primeiros jogos e foi barrado após a derrota por 3 a 1 para a Hungria. Com Manga em seu lugar, a seleção perderia o terceiro jogo para Portugal, também por 3 a 1, encerrando o torneio na 11ª colocação.
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Gylmar (canto direito alto) posa com os companheiros de seleção antes da final com a Suécia
Gylmar (canto direito alto) posa com os companheiros de seleção antes da final com a Suécia
O ciclo de Gylmar na seleção parecia encerrado e, nos jogos seguintes, o gol parecia um lugar aberto a experiências. Só que, em junho de 1969, o goleiro do bicampeonato voltou a começar uma partida como titular da seleção. Foi na vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, em amistoso no Maracanã. Era o indício de que o treinador João Saldanha ainda pensava no veterano para a Copa de 1970.

Só que Gylmar tinha outros planos. Casado havia nove anos com Rachel, pai de dois filhos pequenos, Rogério e Marcelo, ele anunciou sua aposentadoria do futebol em dezembro de 1969.

O fim da carreira do goleiro abriu uma vaga na seleção, e João Saldanha passou a testar Félix, do Fluminense, Ado, do Corinthians, e Leão, do Palmeiras. Um dos três seria o titular na Copa do México. Mas Saldanha deixou o cargo, e quando Zagallo assumiu, fez questão de falar com o antigo companheiro das conquistas de 1958 e 1962. O antigo ponta-esquerda, agora treinador, queria Gylmar de volta.

"Ele chegou a fazer alguns treinos no Clube Sírio Libanês, com preparador físico. Foi uma coisa que ficou entre ele o Zagallo, mas ele estava se preparando para ser o goleiro da seleção naquela Copa", conta Marcelo Izar Neves, filho mais novo de Gylmar. Mas, ao fim de um breve período de treinos, o goleiro mais vencedor do futebol brasileiro decidiu mesmo parar. O Brasil foi tricampeão com Félix no gol. E Gylmar, que poderia ter disputado até cinco Copas com a seleção, acabou jogando três, das quais foi campeão em duas.
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Gylmar treina antes da decisão da Copa de 1962 contra a Tchecoslováquia
Gylmar treina antes da decisão da Copa de 1962
A grande decepção - Se foi em um domingo que resolveu pendurar as chuteiras, na segunda-feira Gylmar já sabia o que fazer na vida de ex-atleta. Preparado que sempre foi, ele montou um plano para quando encerrasse a carreira no futebol, tornando-se sócio de uma concessionária de automóveis.

Com o nome do goleiro campeão, o negócio era sucesso garantido, e Gylmar teve uma vida próspera longe dos gramados. Mas a paixão pelo futebol ainda estava lá, escondida em algum canto, à espera de um chamado. E foi em 1982, após um encontro com Giulite Coutinho, então presidente da CBF, que o retorno ao futebol foi selado.

O dirigente precisava de alguém que impusesse respeito e tivesse um nome forte para gerenciar uma reformulação na seleção brasileira. Assim, Gylmar foi nomeado supervisor e, entre outras atribuições, teria de indicar o novo treinador. O perfil desejado era o de alguém jovem, com ideias novas, mas que tivesse experiência. O ex-goleiro não pensou em outro nome: Carlos Alberto Parreira. Estudioso do futebol, integrante da comissão técnica da Copa de 1970, o treinador havia dirigido as seleções de Gana e Kuwait, esta última no Mundial de 1982.

Sob o comando de Parreira e com Gylmar no cargo de supervisor, a seleção fez seis amistosos, com três vitórias e três empates, até a Copa América de 1983. No torneio continental, o vice-campeonato não convenceu. Parreira deixou o cargo após a perda do título para o Uruguai, com menos de um ano no cargo. Gylmar desligou-se da CBF na mesma época.

Além da frustração pela falta de paciência com o trabalho do treinador, o ex-goleiro ficou decepcionado com a atitude dos jogadores. Muitos deles preocupavam-se mais com sua imagem de galãs fora dos campos do que com questões técnicas de seu jogo. O choque de gerações incomodou de tal forma, que Gylmar afastou-se mais uma vez do futebol.
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Gylmar posa com o troféu ao desembarcar no Brasil após o título da Copa de 1958
Gylmar posa com o troféu ao desembarcar no Brasil em 1958

Olhos que brilham -
 Longe novamente do dia a dia do esporte, o mais vitorioso goleiro do Brasil voltou a mergulhar de cabeça nos negócios. Além da concessionária, dava palestras, gravava comerciais de TV e levava uma vida tranqüila para um senhor de quase 70 anos.

Mas um novo convite balançou Gylmar. No começo de 2000, ele foi chamado para trabalhar na Secretária Municipal de Esportes e aceitou o desafio. Com a saída de Celso Pitta, envolvido em um escândalo de corrupção, Régis de Oliveira assumiu a prefeitura e criou um "secretariado com nível de ministério".

Gylmar, nomeado secretário, disse que seu objetivo era "levar um pouco mais do que esporte" às pessoas. Mas havia muito a ser mudado, e o ex-goleiro já não tinha mais forças para remar contra uma maré tão forte, uma estrutura tão viciada.

A convivência diária com toda a politicagem que o cargo implicava derrubou Gylmar. Segundo o filho Marcelo, o estresse com os novos problemas foi o grande responsável pelo acidente vascular cerebral que, em 16 de julho de 2000, levou o pai à UTI. O ex-goleiro conseguiu sobreviver, mas teve o lado direito do corpo paralisado e perdeu a fala.

Apesar das limitações impostas por sua condição física, Gylmar ainda se emocionava nos últimos anos da vida. Os olhos do goleiro quatro vezes campeão do mundo ainda brilhavam quando ele assistia às grandes conquistas do Santos, como a da Copa Libertadores de 2011. Ou quando ele recebeu uma homenagem do Corinthians, por ter sido um dos grandes craques do centenário do clube.

Mesmo sem falar, Gylmar entendia tudo o que se passava à sua volta e conseguia se comunicar e mostrar vontades e opiniões diante de perguntas simples. Bastava que lhe fossem dadas opções. Entre assistir a um jogo de futebol e a qualquer outra coisa, por exemplo, ele ficava sempre com o futebol.

Mas houve uma pergunta que Gylmar nunca se esforçou para responder. E, até nos últimos dias de sua vida, se alguém questionasse ao goleiro se ele era torcedor do Santos ou do Corinthians, a resposta era sempre a mesma: com os dois olhos brilhando, um para cada clube, ele gritava em silêncio. "Sou alvinegro".

Na sexta-feira, 23 de agosto de 2013, um dia depois de completar 83 anos, os olhos de Gylmar brilharam pela última vez. O ídolo do Corinthians, do Santos e do Brasil morreu vítima das complicações de um infarto.
Texto originalmente publicado no livro Os Dez Mais do Santos (Maquinária, 2012), com adaptações.
Em 1998, Gylmar dos Santos Neves analisou título santista no Futebol no Mundo; Relembre