É pela matéria assinada pelo amigo Claudio Nogueira que ficamos sabendo que vai mesmo acontecer aquilo que tanto temíamos: o toque final na elitização do futebol brasileiro. Quer dizer, depois de elitizarem nossos estádios, transformando-os em arenas europeizadas, vão fazer o mesmo com o torcedor. A partir de agora, também a eles se aplicará o "padrão Fifa". No caso, de comportamento.
Significa dizer que quem puder pagar por uma cadeira numerada (atrás do gol, se não for rico nem convidado VIP) tem de cumprir cada exigência de certo Termo de Ajuste de Conduta, documento que o consórcio dono do Maracanã está preparando, não ouvindo gente do esporte, mas entregando-se nas mãos de profissionais de seu setor jurídico. Dura lex, sed lex.
Pois já se sabe de alguns pontos à espera do novo torcedor brasileiro: nada de bandeiras, nada de batucada, nada de nome feio, nada de tirar a camisa, nada da pobreza dos arquibaldos e geraldinos de antigamente. Enfim, o novo torcedor brasileiro deve mirar-se no exemplo do elegante, bem comportado e privilegiado cidadão inglês que vai a Wimbledon torcer, quase em silêncio, pelas estrelas do tênis.
Quem cita o modelo britânico é ninguém menos do que João Borba, presidente do consórcio que, por confessada incapacidade do governo do estado, tornou-se dono do Maracanã. Borba conta que, com os próprios olhos (olhos embasbacados de caipira em seu primeiro contato com a cidade grande), viu o quanto os ingleses se vestem de acordo.
- ... no convite estava escrito que não é recomendável ir com determinada roupa - diz Borba com pose de quem foi convidado. - Quando um inglês lê "não recomendável", entende que não deve usar aquele tipo de roupa.
Um primor. Na realidade, toda a fala de Borba é desastradamente primorosa. Qual será a roupa que o consórcio vai recomendar à torcida organizada de seu novo cliente, o Flamengo? Ou não haverá torcida organizada? Vigiados por câmeras desde a entrada do estádio, ou então por "seguranças privados", o que mais o torcedor será impedido de fazer, além, é claro, do quebra-quebra de cadeiras e outros atos de violência,os únicos comportamentos condenáveis. Se não pode cantar, nem batucar, nem xingar, nem se embandeirar, nem se vestir como bem entender, como será o novo torcedor brasileiro?
O presidente do consórcio antevê o Maracanã como uma "área de convivência", como os clubes de futebol do Rio já foram em outros tempos. A ideia de pais e filhos irem ao Maracanãzinho para um espetáculo de música (qual?), depois almoçarem no restaurante do estádio (qual?), visitarem o museu (qual?), comprarem em lojas temáticas (quais?) e depois assistirem ao futebol, tem tanto de otimista quanto de ingênua. É preciso não conhecer o Rio, o futebol, o torcedor e as famílias de hoje - e não de quando, por exemplo, o clube que acaba de se tornar o primeiro cliente do consórcio promovia com sucesso a perfumada "Noite do Leite de Rosas" e realizava seus jogos diante do ambiente florido das sociais do então maior estádio do Brasil. E dizer que é para essa utópica área de convivência que demolirão um estádio de atletismo, um parque aquático e uma escola.
Ainda não dá para saber até onde vai a ingenuidade de Borba. Ou se há desinformação por trás dela. Ou - o que é bem possível - se se trata, mesmo, de um empresário de black tie, daqueles que acham que o futebol, como tudo na vida, é de exclusividade dos eleitos. A estes, tudo, e aos outros, que se contentem em torcer pela TV, a sua, a do vizinho ou a do botequim da esquina.
Enquanto não sabemos ao certo qual é a do presidente do consórcio, façamos dele sério concorrente de Regis Fichter (o secretário que confessou a incapacidade do estado para administrar um Maracanã que lhe custou mais de bilhão) na disputa para ser o "cocoroca do ano", título que o saudoso Stanislaw Ponte Preta costumava atribuir aos destaques do seu festival de besteira que assolava - e ainda assola - o país.