domingo, 26 de dezembro de 2010

Tratamento igual na equipe. Um novo título, por que não? Voltar a ser o que era. Ganhar um campeonato e virar deus. Menos erros, mais sorte. Um novo sopro do destino. Deixar de ser promessa, voltar aos bons tempos. Ganhar mais que elogios, provar que merece estar onde está. Honrar o país, mostrar que ainda dá. Sair do lugar, acabar com as desconfianças, justificar a confiança, virar mito, ser como aquele outro, crescer para virar adulto logo, fazer jus ao nome do passado, ser fiel às tradições perdidas, ter alguma coisa para dirigir, não ser motivo de chacota, dar um salto de qualidade, entrar pela porta da frente.

As pessoas me encontram e perguntam: a unificação foi justa? Nos últimos anos, debatemos o assunto no Loucos por Futebol, no Bate Bola e Linha de Passe. Minha opinião foi repetida algumas vezes. Daí, no meio da discussão das últimas duas semanas, eu ter corrido o risco de debater o tema sem detalhar por que razão minha opinião foi contrária à unificação. Me parecia redundante repetir o que já disse. O risco foi não explicar corretamente o caso.
Se você acha que isso aconteceu, tento corrigir o problema abaixo.
Se já se encheu desse assunto, desculpe. Você tem todo o direito de parar sua leitura aqui.

1. Havia quatro possibilidades de lidar com a unificação: a) unificar tudo, Taça Brasil e Robertão, desde 1959; b) não unificar nada e manter o Brasileiro com início em 1971; c) unificar só o Robertão, a partir de 1967, e equiparar a Taça Brasil à Copa do Brasil; d) unificar desde 1959, mas estudar os anos de 1967 e 1968 à parte, para evitar a confusão dos dois campeões no mesmo ano, agora estabelecida. Em 1967 e 1968, era como se o Robertão fosse equivalente ao Brasileiro e a Taça Brasil à Copa do Brasil.
Todas essas possibilidades eram legítimas. Para estabelecer consenso sobre qual das quatro alternativas escolher, seria preciso estabelecer um debate com historiadores do futebol brasileiro, como Celso Unzelte, Roberto Assaf e Odir Cunha, entre outros.

2. As semelhanças e diferenças da Taça Brasil: A Taça Brasil foi o primeiro torneio nacional de clubes com continuidade. É possível dizer que o Torneio dos Campeões, promovido pela Federação Brasileira de Futebol e vencido pelo Atlético Mineiro em 1937 (há referência no hino do Galo à taça, com o verso "Nós somos campeões dos campeões") foi o primeiro torneio nacional, ainda que só tenha envolvido quatro estados. Mas o Torneio dos Campeões não teve sequência.
Apesar disso, a Taça Brasil tinha formato de Copa, com as primeiras fases disputadas regionalmente. Isso dá legitimidade a quem entende que o torneio deveria ser equiparado ao Brasileiro, como também dá argumento a quem defende a equiparação com a Copa do Brasil. Lembre-se que, como a Taça Brasil, a Copa do Brasil dá vaga na Libertadores desde sua primeira edição, em 1989. Diferente da Taça Brasil, a Copa do Brasil nunca foi o torneio nacional mais importante de sua época. Mas mesmo em 1959, para grande parte dos torcedores, era mais importante ser campeão paulista ou carioca do que vencer o torneio nacional.

3. As semelhanças e diferenças do Robertão: O Robertão ganhou esse apelido por uma razão objetiva. Torneio Roberto Gomes Pedrosa era o nome oficial do Torneio Rio-São Paulo. Quando o Cruzeiro ganhou a Taça Brasil de 1966 e evidenciou que o futebol brasileiro não era mais dominado apenas pelo eixo Rio-Sã Paulo, decidiu-se ampliar o Rio-São Paulo. No primeiro ano, 1967, entraram clubes de MG, RS e PR. Pernambuco e Bahia ingressaram na segunda edição, em 1968. O Rio-São Paulo ampliado, ou o Roberto Gomes Pedrosa grande, virou o Robertão.
O torneio teve representatividade de Campeonato Brasileiro. Mas há uma diferença, ainda que sutil, na transformação do Robertão em Campeonato Nacional, a partir de 1971.
Ao anunciar a CRIAÇÃO do Campeonato Nacional, em fevereiro de 1971 (veja, a criação foi anunciada em fevereiro pelo presidente João Havelange e o Nacional começou em agosto), a CBD estabeleceu três divisões, com acesso e descenso. É fato que o acesso e o descenso jamais se cumpriram, por causa do uso político do futebol, representado pela frase "Onde a Arena vai mal, um clube no Nacional." Mas com oito estados representados na Primeira Divisão (o Ceará entrou) e todos os demais estados onde se praticava futebol profissional representados nas divisões de acesso, o Campeonato Nacional era, a partir de 1971, Nacional mesmo. Um clube da Paraíba poderia ser campeão de 1973, em teoria.
O Robertão era um torneio inter-estadual, com apenas sete estados representados.
A Taça Brasil era um torneio nacional, sem dúvida. Disputado em formato de Copa.

4. Manter o critério do Brasileiro com início em 1971: Essa possibilidade também era legítima e era a minha. Sem negar a importância das edições de Taça Brasil e Robertão, não seria preciso mudar a nomenclatura para valorizá-los. Não é preciso chamar Dom Pedro I de Presidente da República para entender que o Imperador era o homem mais importante do Império. Não era preciso chamar o campeão da Taça Brasil e do Robertão de Campeão Brasileiro, para entender que ganhou o título nacional mais relevante de sua época.
O título nacional mais importante. Ressalte-se mais uma vez: para muitos torcedores, os estaduais tinham mais importância do que o Nacional, naquela época.
A história do futebol brasileiro não começou em 1971.
A história do futebol brasileiro também não começou em 1959.
A história do futebol brasileiro começa em 1894 e estabelece campeonatos importantes a partir de 1902, com os Estaduais. Mais tarde, a partir de 1923, com o Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais.
Essa história não está esquecida. Nem precisa ser equiparada aos títulos nacionais de clubes do presente.

5. A obrigatoriedade do debate: A discussão para a unificação se deu com base no dossiê elaborado pelo jornalista Odir Cunha, remunerado pelos clubes interessados na unificação. Durante muito tempo, usou-se a palavra "reconhecimento". Estava errado. Os títulos de Taça Brasil e Robertão sempre foram reconhecidos. Sempre se disse que o Santos foi cinco vezes campeão da Taça Brasil, uma vez do Robertão e duas do Campeonato Brasileiro.
Mas nunca se debateu as quatro hipóteses formatadas no primeiro tópico: unificar tudo, não unificar nada, unificar só o Robertão ou unificar desde 1959 discutindo à parte os anos de 1967 e 1968.
Desse ponto de vista, é que a discussão sempre me pareceu clubística.
O anúncio da unificação, na quarta-feira, não fez as pessoas conhecerem uma história perdida. Fez apenas com que torcidas se orgulhassem de um número maior do que possuíam até a véspera. O santista comemora oito títulos brasileiros, mas poucos sabem detalhar a história desses títulos. O palmeirense, idem. Na prática, a unificação representa apenas a mudança do número de títulos brasileiros, sem nenhuma consequência na cultura do torcedor de futebol sobre a história de seu país.

Sem contar a absoluta falta de consenso sobre a decisão.
Se a CBF criasse uma comissão para estabelecer, em três meses digamos, qual o critério a ser usado para a unificação e estudar as quatro hipóteses apresentadas acima, se essa comissão tivesse legitimidade, certamente o anúncio teria melhor repercussão. O Brasil sairia com uma solução de consenso e espalharia a história de seu futebol para as gerações mais jovens.

6. O único ponto positivo: A quem gosta de história, vale se debruçar sobre os detalhes da Taça Brasil e Robertão. Isso vale. Mas pouca gente vai fazer isso. Em 2003, encomendei uma pesquisa sobre todas as fichas técnicas de todos os jogos de todas as Taças Brasil e todos os Robertões. Paguei do meu bolso uma pesquisa que levantou 80% das informações.
Em meu arquivo, tenho todas as fichas de todos os jogos do Robertão, entre 1967 e 1970.
E todas as fichas de todos os jogos de Taça Brasil, mas aqui com alguns buracos, nas partidas disputadas por clubes do eixo Norte-Nordeste. As fichas de jogos do Bahia estão bem cobertas. O Ceará, o ABC, a Tuna Luso, não estão. Mas o arquivo possui todas as fichas de todos os jogos de Grêmio, Inter, Atlético Mineiro, Cruzeiro, Palmeiras, Santos (São Paulo e Corinthians não disputaram nenhuma edição da Taça Brasil), Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo e Coritiba. Essa pesquisa é o que permite dizer que Pelé é o nono artilheiro do Brasileirão unificado, com 99 gols, como exposto abaixo, neste mesmo blog.

Com o perdão de parecer prepotente, é absurdo que a CBF anuncie a unificação e, no momento seguinte, admita que não possui tal pesquisa, ainda que incompleta, como é o caso da minha.

Fazer com que mais gente conheça a história do Robertão e da Taça Brasil é o ponto positivo da unificação dos títulos brasileiros. Mas qualquer decisão deveria ter sido tomada com base num debate que levasse em conta o que está aqui exposto.

Pedidos

Tratamento igual na equipe. Um novo título, por que não? Voltar a ser o que era. Ganhar um campeonato e virar deus. Menos erros, mais sorte. Um novo sopro do destino. Deixar de ser promessa, voltar aos bons tempos. Ganhar mais que elogios, provar que merece estar onde está. Honrar o país, mostrar que ainda dá. Sair do lugar, acabar com as desconfianças, justificar a confiança, virar mito, ser como aquele outro, crescer para virar adulto logo, fazer jus ao nome do passado, ser fiel às tradições perdidas, ter alguma coisa para dirigir, não ser motivo de chacota, dar um salto de qualidade, entrar pela porta da frente.

Tem também aqueles que foram esquecidos e se veem desorientados, o sonho de uma vida escorrendo pelas mãos, com pouco, pouquíssimo tempo para tomar decisões e encontrar um rumo, não pedem nada muito palpável, talvez só mesmo um rumo.

Há os que não alimentam grandes ilusões, reduziram suas ambições, pedem apenas que a vida não lhes dê nenhum grande susto, permita que sigam acelerando em seu ritmo, que encontrem aquele prazer íntimo e secreto de apenas participar, fazer número, misturar-se à multidão.

Há os que se contentam em ver de perto, estar lá, escutar os sons e sentir os cheiros, e se der em glebas distantes, aquelas só conhecidas pela TV, mas agora dá, que tal se programar para estar onde nunca antes se sonhou em estar? Sempre foi um sonho, algo quase inatingível, mas, pensando bem, nem é tão longe assim, para quê a gente vive, afinal, se não para realizar sonhos?

Tem também aqueles que fecham os olhos e enxergam a estrada infinita, pedem apenas que ela seja de fato sem fim, não termine nunca, nunca mesmo, sem rumo certo, sem destino definido, apenas exista, para que o asfalto possa ser engolido por toda a eternidade ao som monótono e reconfortante do ronco de um motor, seja ele qual for, o que importa é o caminho, e não exatamente onde se imagina que se quer chegar.

Há os que são gratos por tudo, nada mais querem, está ótimo assim, que as coisas sigam tranqüilas e serenas pela rota escolhida, mesmo se de vez em quando surja aquela sensação de que poderia haver outra, ou outras, mais misteriosas e sedutoras, mas é preciso escolher uma, não?, então que assim seja, vamos em frente, não, não quero nada, está bom assim.

Há os que não se contentam com pouco e querem, quase exigem, vitórias, glórias, fama, fortuna, júbilo, fartura, triunfos, luzes, exuberância, felicidade eterna e sem medidas, mal sabem como pode ser grande o tombo, sorte a eles, que consigam tudo.

E tem aqueles, como eu, que não sabem o que pedir, nem a quem, nem como, até se sentem mal em pedir alguma coisa, e por isso mesmo só querem um carrinho de plástico.