Estou entrando meio atrasado no assunto, mas não posso evitar. É que me sinto tomado pela desconfiança (para não dizer certeza) de que vai para quase trinta anos que o país fez as pazes com a democracia e ainda há gente que não se deu conta. Dois exemplos atuais estão em coisas muito sérias, como a política, e não tão sérias, como o futebol. Na política, é só atentar para a propaganda eleitoral gratuita com que as televisões invadem nossas casas. 

Será democrático que um candidato tenha mais tempo que outro para nos ferir os ouvidos – e a inteligência – com suas promessas? Por que há candidatos com, digamos, quinze minutos para se exibir, e outros, com apenas um dois? Será o desempenho em eleições passadas o bastante para justificar a desigualdade? Em outras palavras, será este um esquema democrático?

No futebol, se a coisa é menos séria, é também mais absurda. Pois não é que deram para censurar... os torcedores. Isso mesmo, censurar os que vão ao estádio para apoiar seus times e ao mesmo tempo protestar contra o que acham errado. E por que não? Se o protesto é pacífico e até silencioso, qual a razão de se impedir que o torcedor o faça? Apoio, com entusiasmo, todas as medidas que venham a ser tomadas para evitar que as chamadas “organizadas” valham-se de atos de violência, de selvageria, de destruição, para transformar os estádios em praças de guerra. Mas usar faixas para protestar contra o que realmente está errado no futebol não tem nada a ver com violência. É, antes, um direito.

Ano passado, foi um presidente de federação que proibiu faixas de repúdio ao então cartola-mor da CBF. Certamente ainda estava afinado com os tempos em que não era proibido proibir. Pelo contrário, proibia-se tudo que, neste país, soava como democrático, libertário, legal, justo. Agora, é um árbitro de futebol que não aceita iniciar um jogo sem que antes se retira das arquibancada uma faixa com os dizeres: “Não irão nos derrubar no apito”. Quer dizer, o homem vestiu a carapuça, posou de defensor da classe e fez e valer sua autoridade. A qual não vai além das quatro linhas do campo.

O curioso é que foi um protesto pacífico, silencioso e impessoal. Em nenhum momento Sua Senhoria foi atingida em sua condição de árbitro, cidadão ou lá o que seja. Mais que tudo, um protesto perfeitamente de acordo com o que se espera de uma sociedade democrática. Imaginem se a moda pega e, qualquer dia desses, um árbitro como o da faixa se sinta no direito de proibir também as vaias, os assovios, os xingamentos a ele ou a mãe dele. Não duvidemos. Não descartemos nenhum dos absurdos que podem ocorrer no país da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.