Jerome Valcke já disse que a Copa do Mundo de 2022, no Catar, deverá ser disputada nos últimos meses do ano, para fugir do forte calor no país em junho e julho. A Fifa colocou panos quentes em seguida, como faz costumeiramente quando Valcke ou Blatter resolvem sair do protocolar e falar o que realmente pensam, mas o fato é que a medida está preparada e deve causar muita insatisfação.
A escolha do Catar já foi recheada de controvérsia, pois os votantes ignoraram temas como o clima e o histórico do país em violação de direitos humanos.
Sobraram acusações de que outros interesses foram colocados à frente. Blatter falou em influência de governos europeus, sobretudo na França de Michel Platini, seu adversário político. Matéria da France Football publicou informações sobre um suposto esquema de compra de votos que envolveria membros do comitê executivo, entre eles Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Nicolás Leoz, ex-presidente da Conmebol, também foi acusado.
Em resumo, a opção pelo país do Oriente Médio tem ares de aberração desde o início. Os escândalos já apontados poderiam ser suficientes para uma revisão do processo de escolha, mas a Fifa prefere dar seu jeitinho, deixando em segundo plano os problemas que provocará com a alteração de data.
1) Candidaturas eram para Copa no meio do ano
Quando abriu o processo de candidaturas para as Copas de 2018 e 2022, o 'Bidding Agreement' (Acordo de Candidatura) assinado pela Fifa e pelas federações interessadas em receber o torneio falava especificamente nas datas de junho e julho. O site insideworldfootball.com teve acesso aos documentos e revelou os termos:
"1.2 THE COMPETITIONS
The following FIFA competitions will be the subject of the Bidding Process governed by this Bid Registration:
1.2.1 FIFA WORLD CUP
The final competitions of the FIFA World Cup which are scheduled to take place as follows:
• The 21st edition in June and/or July of 2018 and
• The 22nd edition in June and/or July of 2022"
Portanto, todas as candidaturas foram elaboradas considerando uma competição no meio do ano. Ignorar o que havia sido combinado é injusto com Austrália, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos, que concorriam com o Catar.
Seria motivo suficiente para questionar judicialmente a Fifa e anular a eleição ou no mínimo requerer uma compensação da entidade pelo tempo, dinheiro e trabalho investidos na montagem das candidaturas.
2) Bagunça o calendário das outras competições
As principais competições da Europa, onde atua a maior parte dos jogadores que disputam o Mundial, ficariam seriamente afetadas pela mudança. Ligas nacionais e continentais com contratos de televisão e patrocínio elaborados para o período comum, de agosto a maio.
Supondo uma pausa de seis semanas para a disputa do torneio de seleções, imagina-se que o calendário afetado não seria apenas o da temporada 2022/23, mas também o da anterior e o da seguinte, para acomodar os ajustes necessários para férias e pré-temporada.
Além disso, a mudança causaria problemas a torneios da própria Fifa. A Copa das Confederações também seria no fim do ano? Neste caso, já seria uma temporada a mais com dificuldades. E o Mundial de Clubes, normalmente realizado em dezembro? Como ficaria?
3) Cria problemas para quem pagou pelos direitos
Em um mercado que movimenta bilhões, as televisões que já compraram direitos de transmissão para a Copa de 2022 o fizeram pensando nas datas habituais. Nos Estados Unidos, por exemplo, os meses de novembro e dezembro correspondem à reta final da temporada regular do futebol americano.
Teoricamente, este é o problema mais fácil de ser resolvido, desde que a Fifa esteja disposta a revisar os contratos de quem se sentir prejudicado.