quarta-feira, 19 de junho de 2013

Bom apenas até os 25 minutos do primeiro tempo. Depois, a palavra evolução não vale



Bons vinte e cinco minutos.
Mas desta vez não é possível dizer que a seleção brasileira manteve seu processo de evolução. Fatores positivos houve. Até os 25 minutos, muita rapidez na troca de passes e inversões de posição constantes e naturais de Oscar e Neymar levaram ao 1 x 0. Pouco depois, Daniel Alves roubou bola no campo de ataque. Pressão funciona como o Brasil treina.
Mas houve problemas novos, principalmente as bolas enfiadas às costas dos laterais. Marcelo jogou mal, errou muito, e Daniel Alves também levou lançamentos no seu setor, principalmente durante a pane do final do primeiro tempo.
A saída da defesa para o ataque melhorou. Era de se esperar, porque o Brasil poucas vezes foi marcado por pressão. Aos 17 minutos do primeiro tempo, raro momento em que os mexicanos avançaram a marcação, Thiago Silva saiu com passe curto para Daniel Alves e deste para Paulinho. Pelo chão, a bola chegou à frente.
A lógica da evolução jogo a jogo não vale para a partida contra o México. Valeu por vencer, por não sofrer gol e porque Neymar mostrou que pode driblar em espaços curtos, como fez na jogada genial do segundo gol.

Os três Brasis que vi em Fortaleza a caminho do Castelão



Saímos do hotel a caminho do estádio às 10h15. Sabíamos que encontraríamos manifestações no caminho e o plano não era entrar no estádio tão cedo. Às 10h45, aproximadamente, encontramos os protestos. Já havia em torno de 3 mil manifestantes, expectativa de 35 mil. Descemos do carro.
Denis Gavazzi, Cícero Mello, Aline Saraiva, Pedro Link de Oliveira, Flávio Ortega e eu. Os que você conhece e os que você não conhece do vídeo.
Estava bonito.
Gente de todos os tipos, pobres ricos, letrados, analfabetos, gente que tatuou no corpo a expressão + Educassão, assim com dois esses propositais, justamente para expressar a falta de cultura.
A multidão se aproximou do cordão de isolamento montado pela Polícia Militar a 1,5 km do estádio. Por três vezes, tentou invadir. Nas três vezes, a polícia reagiu com bombas de gás e tiros de borracha. Ficou tenso.
A polícia não informava o trajeto a ser percorrido pelos ônibus de Brasil e México para chegar ao estádio. Era justo. Não fosse assim, haveria chance de não ter jogo.
Depois da tensão, começamos a tentar seguir por outro caminho ao estádio. Naquele bloqueio dos protestos, nem os credenciados passavam. Seguimos e decidimos parar para comer. Restaurante bom e barato. Cheio de gente com camisas da seleão, prontos para ir ao estádio. Felizes. Estes comiam, não protestavam.
Não os culpe. Há séculos fala-se que há dois Brasis.
Mas vi o terceiro.
Saindo do restaurante, a caminho do Castelão, o bloqueio da polícia parou o carro credenciado e informou que a manifestação havia se deslocado. Estava do lado oposto do estádio. O único jeito era descer e caminhar por cerca de quatro quilômetros.
Caminhar é tranqüilo. O sol é que castiga.
Andei trinta minutos e já perto do estádio vi a cena de ricos e pobres separados por duas calçadas. De um lado, os pobres vendiam cerveja a R$ 3. Do outro a R$ 4. Dentro do estádio, a R$ 9.
O quarto Brasil de arrepiar, foi a hora do hino. A banda parou na primeira metade da primeira parte. O estádio continuou. Chorei!

Campeonato Argentino

Vélez Sarsfield 0 x 0 All Boys

Copa das Confederações



16h00 Brasil 2x0 México
19h00 Itália 4x3 Japão

Musas do esportes



Tico-tico no fubá

Andrés Montes foi narrador de NBA e mais tarde de futebol espanhol pela Cadena Cope, da Espanha. Morto em 2009, Montes deixou como legado a expressão tiki-taka, popularizada pelo técnico Luis Aragonés, pouco depois de assumir a seleção espanhola em 2004.
Aragonés era um homem velho e sábio. Foi campeão espanhol dirigindo o Atlético de Madri de Leivinha e Luís Pereira em 1977.
Quase 20 anos depois, sua escolha pela federação pareceu para muita gente um equívoco enorme. A cabeça sempre abaixada no banco de reservas e os cabelos brancos contrastavam com a crise da seleção espanhola, eliminada na primeira fase da Eurocopa-2004.
A Espanha não tinha estilo nem esperança. Tinha o Barcelona, vice-campeão espanhol atrás do Valencia, dono de um estilo que apenas começava a encantar.
Foi quando Luis Aragonés se apossou da expressão criada por Andrés Montes e anunciou que sua seleção jogaria tiki-taka.
A história leva à Arena Pernambuco e à atuação impecável contra o Uruguai.
Leva também à fama justa de melhor seleção do mundo, construída em 54 jogos com Aragonés e 73 sob o comando de Vicente del Bosque --em 127 partidas, foram dez derrotas, um aproveitamento de 86% dos pontos em nove anos.
Aragonés não estava superado, como hoje se sabe, mas até a véspera da semifinal da Eurocopa de 2008, contra a Rússia, brincava-se com suas manias e superstições. A Espanha teria de jogar com o uniforme reserva contra os russos. Aragonés chamava a camisa amarela de mostarda.
Nada grave como sua decisão de 2006, de devolver a titularidade a Raúl na partida decisiva contra a França. A vaca sagrada do Real Madrid contrastava com o tiki- taka. A Espanha foi eliminada nas oitavas de final.
Raúl nunca mais foi chamado, Aragonés levou o tiki-taka ao título europeu e entregou a herança a Vicente del Bosque.
A chance de a Espanha ganhar a Europa era Aragonés ser Aragonés.
Andrés Montes criou a expressão tiki-taka, mas Aragonés não inventou o estilo. Copiou o jeito Barcelona, troca de passes + marcação por pressão.
A posse de bola é característica de outras equipes da história. Os times de Parreira, por exemplo. Fluminense campeão brasileiro de 1984, o Corinthians campeão da Copa do Brasil de 2002, o Brasil campeão de 1994.
Na época, dizia-se que o Brasil era europeizado. Era brasileiro. Trocava passes como os sul-americanos e não marcava por pressão, como os europeus.


A maior lição dos espanhóis para o Brasil não é o estilo de jogo. É a certeza de que só com paciência se faz uma boa seleção.

Revolução da Indignação



José Maria Marin: "Seria preferível que toda a atenção estivesse voltada exclusivamente para o futebol e acho que essa é a preocupação de grande parte do povo brasileiro".
Marco Polo Del Nero: "O povo brasileiro é tranquilo. E vai entender que a Copa é um evento mundial. Tem que falar para o povo coisas positivas do Brasil. Fazer a torcida gritar: Brasil, Brasil, Brasil".
Joseph Blatter: "Vocês vão ver que hoje, que é o terceiro dia de competição, isso vai se acalmar. Vai ser uma competição maravilhosa".
Jerôme Valcke: "Espero que não tenhamos críticas ao final da Copa. Tenho certeza de que não haverá críticas se o Brasil vencer a final. É impressionante como lembram da final de 1950. E como querem apagar aquela final".
Essas são as pessoas que cuidam da Copa das Confederações e cuidarão da Copa do Mundo.
As competições da Fifa não foram o estopim dos protestos, mas colaboraram e servem de vitrine.
São vitrines da indignação do povo brasileiro. Indignação que no estádio se transformou em vaias e se materializa em elefantes brancos.
Os vinte centavos são emblemáticos e devem servir de bandeira. Os problemas são maiores e todos conhecemos. Violência em alta, corrupção interminável, transporte público ruim, educação fraca, acesso pífio a saúde... Estádio não é prioridade.
Foi um dia histórico, é um momento histórico para o país. Todos que saíram nas ruas, tantos outros que mostraram sua insatisfação pelas redes sociais e milhões que sorriram ao verem as imagens pela televisão estão de parabéns. A maior parte pacífica. Nós formamos o povo brasileiro.
Toda imprensa que noticia, desde o início, os abusos da entidade que controla o futebol mundial está de parabéns. Ajudou a abrir os olhos de muitos.
Os políticos têm culpa. A Fifa tem culpa.
O esporte faz parte de tudo isso. Copa do Mundo é uma festa dos povos. O futebol faz parte da alma do brasileiro, que se viu roubado com o "Padrão Fifa". Padrão da politicagem.
Os protestos seguirão até que algo aconteça. A diminuição das passagens de ônibus, a redução do lucro da Fifa, a reprovação da PEC 37, a punição aos corruptos. Algo vai acontecer, e será apenas o começo. Tem que ser.
É uma revolução, e só não percebe quem não quer. A Revolução da Indignação.

Inacreditável F.C.



Nos últimos 15 dias, pelo menos 25 bebês morreram na Santa Casa do Pará. A superlotação faz com que as crianças fiquem amontoadas e vulneráveis a doenças. Esse é apenas um exemplo de como a Copa do Mundo, quase toda ela feita com recursos públicos, impõe uma troca perversa no País.
A experiência de participar de uma Copa do Mundo, seja jogando, fazendo a cobertura jornalística ou simplesmente se divertindo é única. Desde 30 de outubro de 2007, quando o Brasil foi definido oficialmente como a sede de 2014, o nosso país ficou dividido entre os rabugentos, que reconheciam no evento as incongruências de um gasto absurdo, e aqueles que viam nessa dinheirama os tijolinhos do legado.
Falta menos de um ano e todos sabem que o tal legado simplesmente não existe. O Mundial está aí, vamos curti-lo, mas não podemos tampar os ouvidos para a voz da revolta. No dia 17 de junho de 2013, parte do Brasil saiu às ruas para protestar. A maioria se comportou como deve ser feito, na paz, porque só ela dá razão a quem reclama.
A sensação de quem sempre colocou o dedo na ferida não é de vitória, é de derrota. Mas sempre fica uma esperança.

Diário das Confederações - Não existe padrão Fifa para lutar por um país melhor



Eram muitos Lucas, Oscares, Felipes, Thiagos, quem sabe alguns Neymares. Eram Severinos, Joões, Josés; Marias, Fernandas, Carolinas, Lucianas. Eram jovens, velhos, jovens velhos, velhos jovens. Em tempos de Copa das Confederações, a menos de um ano da Copa, a rua virou, de fato, a maior arquibancada do Brasil.
Tentemos, por um par de instantes, esquecer os vândalos. Pensemos que o ontem o país foi às ruas pulsar.
Pensemos que ontem o país talvez tenha criado a maior chance de vencer a grande Copa de sua história. "Juntos num só ritmo"... Finalmente fez sentido.
Há dois meses escrevi aqui que o Brasil já havia perdido a Copa do Mundo, e isso nada tinha a ver com o resultado dentro de campo, mas com a falta de resultados foram dele. Os estádios estão aí, mas o país em volta dele ainda precisa de reformas, como disseram nos comentários de um texto sobre a BR 101, um absurdo a poucos quilômetros de uma arena de R$ 600 milhões.
Gian Oddi/ESPN.com.br
Faixas de manifestantes na Av. Paulista reclamam dos gastos com a Copa do Mundo de 2014
Faixas de manifestantes na Av. Paulista reclamam dos gastos com a Copa do Mundo de 2014  
As reformas ainda não começaram. Talvez nem comecem agora. Ainda assim, os protestos são apenas o início. Que eles continuem, que tenham meio e fim.
Pessoalmente, fico orgulhoso ao ver que muita gente já entendeu que o Brasil não precisa de uma Copa, não precisa de uma Olimpíada, não precisa ouvir de um par de franco-suíços que "tal coisa está fora do padrão Fifa".
Não existe padrão Fifa de protesto, senhor Joseph Blatter.
Os grandes eventos esportivos viraram os olhos do mundo para o Brasil e, durante anos, isso significou investir bilhões de dinheiro público em arenas para "não passar vergonha", ou para "fazer bonito". Como se o maior índice social de um país fosse a imagem que ele tem para consumo externo. Como se a grande preocupação fosse não deixar com que os gringos vissem o Brasil de verdade, aquele em que seríamos obrigados a viver quando eles fossem embora.
Esqueceram de combinar com o povo.
O mesmo povo que não foi consultado sobre a necessidade de o país se candidatar a receber Copa e Olimpíada, o mesmo povo que não foi consultado sobre os investimentos em estádios, o povo que pega o ônibus de má qualidade, que anda em estradas esburacadas, que faz filas em hospitais e não tem vagas em escolas.
O povo que agora mostra ao mundo que, vejam só, o Brasil não é uma roda de samba infinita que gira em torno de dribles de futebol e mulatas seminuas.
O Brasil padrão Fifa não existe. A nossa Copa é outra, monsieur Valcke.
Nossa Copa é ter um transporte público mais barato e de qualidade, nossa Copa é ter saneamento básico, é ter calçadas nas ruas, médicos nos hospitais, é poder sorrir depois que o jogo acaba, seja qual for o resultado, porque no futebol perder ou ganhar é só uma parte do espetáculo. É ter um país que seja feliz fora dos vídeos promocionais que rodam o mundo nas edições de vídeo da entidade que diz viver por "Amor ao jogo". Desde que o jogo seja feito no padrão ditado por ela.
Os protestos são contra muita coisa. Cada um tem suas reivindicações, cada um tem seus anseios. Cada brasileiro tem uma Copa para vencer.
Não existe padrão Fifa para a indignação. Nem para sonhar e lutar por um país melhor.

VÍDEO: Tenho orgulho do povo que sai às ruas também para dizer não à Copa e a tudo de errado que ela traz

Há mais de três anos escrevi um post — clique aqui e leia — neste espaço explicando os motivos pelos quais sou contra aventuras como a Copa do Mundo no Brasil. Bato mais forte nesta tecla desde 2007, quando a Fifa confirmou nosso país como sede do evento de 2014. Não é fácil nadar contra essa corrente da conveniência, da conivência, da covardia. A corrente dos que, mesmo cientes do que a Copa por aqui representaria, sempre a apoiaram nos moldes exigidos, impostos.
Copa do Mundo no Brasil. Sim, ela poderia acontecer se os estádios fossem construídos ou reformados dentro da nossa realidade. Com investimentos privados, em sedes nas quais existe futebol e após o certame fosse possível tratar a praça esportiva como local de eventos diversos. Casos específicos das novas casas de Grêmio e Palmeiras, esta ainda em construção. Particulares, resultado de acordos entre clubes e empresas que investiram e esperam lucrar.
Getty Images
Manifestantes em São Paulo questionam Copa do Mundo no Brasil
Manifestantes em São Paulo questionam Copa do Mundo no Brasil: o nosso país não precisa disso, jamais precisou
E o dinheiro público, os "zilhões" oriundos dos impostos que foram parar em "arenas" com selo Fifa? Seria destinado à educação, saúde, transporte, segurança e tudo aquilo que o cidadão precisa para viver dignamente. Que bom ver pessoas que não dependem do ônibus, do trem, do metrô, pelas avenidas pedindo pelos que não podem se locomover sem eles. Bom demais notar quem tem o melhor plano de saúde clamar por hospitais dignos que atendam quem deles depende.
A Copa do Mundo é a festa do futebol. Nas mãos certas estimularia investimentos que resultariam num verdadeiro legado para a nossa gente. Não tornaria o Brasil um país perfeito, mas um país melhor. Já critiquei tantas vezes a acomodação de boa parte dos brasileiros. E hoje, pelo menos hoje, posso repetir: tenho orgulho do povo que sai às ruas para também dizer não a essa Copa e a tudo de errado que ela traz. E quem ama o futebol não fica feliz ao vê-lo ser usado de tal forma.
Acordamos. Que não caiamos no sono outra vez. Saudações, Brasil!!!!
PS: sobre os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, também sou contra. Clique aqui e confira alguns dos motivos em post de 2009.
Gosta de vídeos de torcidas, de estádios? Vá ao canal no Youtube clicando aqui
Confira no vídeo o comentário feito no programa Linha de Passe, da ESPN Brasil, nesta segunda-feira

Entre os protestos, brilha a Copa do Mundo

Estive ontem na avenida Paulista e vi manifestantes absolutamente pacíficos, mostrando que a força desproporcional utilizada pela polícia dias antes foi desnecessária e irresponsável, embora tenha tratado, paradoxalmente, de dar maiores proporções à manifestação.
Vi que as reivindicações, os anseios e os temas dos cartazes e gritos eram, de fato, ecléticos. Mas entre os temas mais abordados, talvez superando até mesmo a redução das passagens de ônibus, esteve aquele que motivou os cartazes abaixo.

Gian Oddi
Manifestantes protestam contra a Copa do Mundo na avenida Paulista
Manifestantes protestam contra a Copa do Mundo na avenida Paulista 

Quando se protesta contra o aumento das passagens no transporte público, o objetivo é claro. 
Em relação à Copa do Mundo, agora que a realização do torneio é inevitável, nem tanto. Por enquanto. Mas ainda há, sim, o que cobrar. Como a divulgação pública de todas as contas relacionadas ao evento, por exemplo.
De qualquer forma, causas à parte, o legado do que acontece no Brasil é, no mínimo, a demonstração de força. A prova de que existe um poder de mobilização que parecia esquecido e que pode ser usado quando necessário.
Pense bem. Será que se Renan Calheiros fosse eleito amanhã o presidente do senado brasileiro, por tudo que isso representa, ele teria condições de assumir o cargo? Será?

Explicações? Menosprezaram a história de luta do brasileiro



Juan Arias é um premiado e competente intelectual. Homem de formação sólida, ocupou nos últimos anos ao posto de correspondente do bom jornal espanhol El Pais no Brasil. Sua inquestionável formação não o livrou de um imenso lapso ao reportar e analisar as manifestações que pipocam Brasil afora nos últimos dias. No dia 12 de junho, com os protestos engatinhando e parecendo ainda apenas serem contra um aumento de vinte centavos nas passagens, abriu seu relato com as seguintes palavras: "Brasil, pouco acostumado a protestar na rua, desta vez se levantou nas principais cidades do país contra o aumento das passagens do transporte público."
O jornalista desconhece a essência do que construiu boa parte da história do Brasil: sangue, protestos, manifestações, revoltas. Dezenas, centenas, milhares de revoltas. Nada por aqui foi conquistado sem reivindicação e muita revolta. Justiça seja feita, não está sozinho em sua desinformação. Muita gente boa por aqui acredita nessa história oficial e nesse chavão que pretendeu rotular o povo brasileiro como "bundão". Um rótulo conveniente e disseminado não à toa por quem tem tal interesse.

Um olhar sobre a história do Brasil é mergulhar na história de um povo que lutou e luta para driblar o projeto original (ou a ausência dele) que estava previsto desde sempre para ele: ser mão de obra desqualificada, ser escravo, ser trabalhador braçal sem direitos. E se hoje esse projeto está desmoralizado, e o país tem um papel importante no mundo, é porque muito sangue rolou. E esse projeto não foi aceito com conformação.
Desde sempre estava expressa a vontade soberana de um povo em não aceitar dominações vindas de fora. Já vão longe, mais de quatro séculos, a Confederação dos Cariris, a Revolta da Cachaça, do Sal, e tantas outras. Vieram os Mascates, os confederados do Equador, a revolução Pernambucana. As Conjurações. Mineira, Carioca, a Conspiração dos Suassunas, Praieira, Mascates. Diferentes razões, muitas vezes diferentes camadas sociais, mas, na maior parte delas, o sentimento de ser senhor da própria história.
Foram dezenas de revoltas indígenas. Outras tantas escravas e negras. O Maranhão com seus Balaios, a Bahia de tantas e inúmeras revoltas lutas pela independência, da Conjuração, dos Malês, da Sabinada, dos Guanais e da Guerra do Conselheiro, Belém e seus Cabanos, o Rio de João Cândido contra a Chibata e da Vacina e tantas outras que adoro o nome, como "Mata-Galegos", o sul da Farroupilha, do Contestado, as revoltas paulistas. Mesmo as mulheres brasileiras, muito a frente do seu tempo, viveram em Natal sua revolta. Tem tanta coisa, tanta história de revolta em nossas páginas que forçosamente irei cometer o pecado da omissão.
Com uma história dessas, por que diabos esses caras acreditaram quando tentaram nos jogar a pecha de bundões? Se a intenção era alimentar a conformidade, falharam. Basta lembrar mais uma, que já ia sendo omitida: a Revolta do Vintém, no Rio do fim do século XIX, que tanto tem a ver com o que acontece agora. Começou contra o aumento do bonde e virou algo bem maior.
Aqui vale a pequena digressão: a história da polícia militar e sua criação nesse país, a mesma que agora reprime passeatas sem o menor preparo e com inacreditável violência, a mesma que mata e tortura todos os dias na periferia (com as exceções de praxe), está intimamente ligada aos protestos de nossa gente. A primeira polícia nasce no Rio, sempre ao lado da corte. Depois, nos anos 30 do século XIX, vem as demais, com o intuito inicial e preponderante de reprimir as revoltas populares, que gritavam nas ruas contra a legitimidade do monarca que chegava. Nasce com o DNA e a função preponderante de bater em pobre, preto e povo. Com a certeza de que isso não é crime. A certeza dessa impunidade cresce nos anos de chumbo. O que se vê agora é apenas a sequência dessa trajetória. Que enquanto não for refundada, enquanto não se passar a limpo a história do país, dos crimes de estado, sempre será assim.
Voltemos as revoltas que marcam nosso povo. Veio o século XX e mais uma vez o povo tava nas ruas. Sempre. Perdoai, falar que é uma gente "pouco acostumada a protestar nas ruas" é desconhecer o histórico da mudança de uma capital. Pois mudaram uma capital, construíram uma cidade nova no meio do nada com a ilusão de que os governantes estariam livre de pressão. Governar no Rio não era fácil...Panela de pressão. Povo na rua o tempo inteiro...
Por uma dessas ironias, deixaram o projeto para Niemeyer. Humanista de corpo e alma, pensou com sua pena lugares e grandes vãos para protestos, para que o povo ocupasse. Num de seus desenhos, sentenciou que um dia a praça seria do povo e que nesse dia os direitos humanos e as liberdades "seriam conquistas irreversíveis". Mais uma vez o projeto de alijar o povo dava errado. Brasília virou um caldeirão de protestos semanais. Os anos de chumbo, muita gente boa caindo, cem mil nas ruas... A redemocratização, Diretas Já, milhões na rua. Tem pouco tempo, e o povo botou um presidente pra fora. Bundões? Podem querer relativizar, dizer que foi por isso, aquilo, mas sem a gente das ruas gritando, fazendo sua hora, nada teria acontecido...
E eis que estamos na rua novamente...A dificuldade de alguns em entender o que está acontecendo é o desconhecimento de nossa história, de nossa gente, de nossa essência.
O temor de muita gente boa em ver o que é legítimo com alguma desconfiança tem suas razões. O medo de desandar, dos oportunistas, daquela turma que marchou com Deus pela liberdade. (O temor de ter que relembrar a genialidade de Zé Keti: "Marchou com Deus pela democracia/ agora chia/ agora chia"!). Da mesma turma que outro dia pedia que a polícia metralhasse a favela e agora reclama. Quando o clima é de barata voa e a boiada estoura, os oportunistas sempre tentam fincar sua bandeira. Num país que nos últimos anos fez imensos progressos, a brecha para fincar a bandeira do oportunismo andou pequena. Mas nada deve ser temido. Povo na rua nunca deve ser razão de temor. Mesmo as eventuais distorções não podem assustar. A história não tem pressa. Mesmo a eventual despolitização que tentam impor ao movimento não passa.
Chegamos aos dias de hoje. Nesse caldeirão que tanto dificulta a análise dos nossos cientistas sociais, um elemento não pode ser esquecido e é dele que tratamos até aqui: menosprezaram demais um povo que tem em seu DNA os protestos e a revolta. Acreditaram na história do povo bundão. Valendo-se de bons ventos da economia, de inegáveis indicadores que melhoravam, iniciou-se uma farra. Cujo ápice tem a ver com nossa seara de esportes. Em nome da Copa do Mundo, em nome da Fifa, foram entregando tudo, passando por cima da lei. É claro que não digo aqui que esse é o estopim. Seria ridículo. Mas isso é elemento forte desse caldeirão. A farra do boi que some com milhões e constrói obras faraônicas, a volta do estado de exceção, com remoções à margem da lei imperando. Um templo sagrado destruído no Rio igonorando a lei como foi o Maracanã enquanto o mandatário estava em Paris de guardanapo na cabeça. Não foi uma nem duas vezes que escrevi aqui em textos antigos ou falei em nossos programas que isso teria uma resposta da população, que era uma falta de conhecimento de tudo achar que iriam seguir brincando e sumindo com dinheiro e nada aconteceria. Vinha gente de fora e debochava, falando em "dar um chute no traseiro. Elimina-se o povo da festa. Em algum momento vem a conta. Estive nas ruas hoje. Lembrava do Maracanã quando o povo xingava o Cabral...Escrevi tantas vezes que a vingança viria...Tinha motivos para estar especialmente comovido com tudo.
Como foi possível um governador destruir um símbolo por cima da lei e entregar ao amigo que empresta jatinhos? Como foi possível um prefeito ignorar lei ambientais, modificar, para permitir empreendimentos imobiliários, campos de golfe? Mais incrível foi terem achado que iam fazer tudo isso e não prestariam contas nas ruas.

Foi Eduardo Galeano que exemplarmente definiu o que foi o período na mineração no Brasil, dizendo que "o ouro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal e fábricas na Inglaterra". Tantos anos depois, nos vemos diante do mesmo fenômeno. Agora é uma copa de confederações, uma copa do mundo, que vai deixando buracos no Brasil, ouro na Fifa e na conta de alguns.
Dá pra imaginar o que passa na cabeça da presidenta a essa altura. Se arrependimento matasse...Ah, essa copa...Ah, essas Olimpíadas...Dona de bela biografia de luta e resistência, tem mil pecados e responsabilidades nisso tudo, principalmente porque não soube dizer não a uma situação e acordos que herdou. Até ter que engolir o aperto de mão com José Maria Marin. Se omitiu em tantas coisas... E a óbvia maldade risonha de Blatter rindo ao botar fogo na vaia do estádio. Quem muito se abaixa... Quem muito faz concessão. Nessa história toda, está ficando sozinha com o ônus. Lula, que depois de rasgar sua biografia perdeu o pudor em tudo, segue rindo e lucrando com a copa, em suas viagens e palestras para empreiteiras. Fazendo lobby pra Ricardo Teixeira, Marin...Governadores, políticos, todos...Dilma ficou com o ônus. Pediu isso ao se omitir. Deixou Cabral rasgar a constituição e passar por cima dela no Maracanã. A alma dos removidos pesa, os milhões consumidos em elefantes brancos enquanto o povo pena nos hospitais e escolas debilitadas, no transporte. A conta chegou.
Está sendo cobrada por um povo acostumado a fazer isso. Por mais que ainda queiram dizer que não.
Ps- depois de testemunhar tudo que vi, sei que foram muito mais de cem mil. Ainda tenho muitas perguntas para fazer, tentar responder, várias coisas que não entendi ainda.  Os próximos dias vão dizer, ajudar a entender. Mas tenho certeza de uma coisa: o DNA de um povo que forjou sua história com muita rua e luta foi o decisivo. Muitas vezes brutalmente reprimido por um estado que sempre o deixou à margem. Se reinventando nas brechas, até a próxima luta ou revolta. Não menosprezem. Não tentem distorcer a história dele.
Quanto a Fifa, melhor botar as barbas de molho. Acharam que vinham para um passeio. Teriam um estado de exceção, removeriam casas, debochariam, dariam pé na bunda. Sempre com a cumplicidade colonizada e desonesta de alguns serviçais que vão levando suas generosas partes. Destruiriam nossos templos e nos deixariam de fora da festa. O povo no seu lugar de hábito mandou avisar que vai participar da festa. Do seu jeito. Como ele decidir. Soberano.