Eram muitos Lucas, Oscares, Felipes, Thiagos, quem sabe alguns Neymares. Eram Severinos, Joões, Josés; Marias, Fernandas, Carolinas, Lucianas. Eram jovens, velhos, jovens velhos, velhos jovens. Em tempos de Copa das Confederações, a menos de um ano da Copa, a rua virou, de fato, a maior arquibancada do Brasil.
Tentemos, por um par de instantes, esquecer os vândalos. Pensemos que o ontem o país foi às ruas pulsar.
Pensemos que ontem o país talvez tenha criado a maior chance de vencer a grande Copa de sua história. "Juntos num só ritmo"... Finalmente fez sentido.
Há dois meses escrevi aqui que o Brasil já havia perdido a Copa do Mundo, e isso nada tinha a ver com o resultado dentro de campo, mas com a falta de resultados foram dele. Os estádios estão aí, mas o país em volta dele ainda precisa de reformas, como disseram nos comentários de um texto sobre a BR 101, um absurdo a poucos quilômetros de uma arena de R$ 600 milhões.
Gian Oddi/ESPN.com.br
Faixas de manifestantes na Av. Paulista reclamam dos gastos com a Copa do Mundo de 2014
Faixas de manifestantes na Av. Paulista reclamam dos gastos com a Copa do Mundo de 2014  
As reformas ainda não começaram. Talvez nem comecem agora. Ainda assim, os protestos são apenas o início. Que eles continuem, que tenham meio e fim.
Pessoalmente, fico orgulhoso ao ver que muita gente já entendeu que o Brasil não precisa de uma Copa, não precisa de uma Olimpíada, não precisa ouvir de um par de franco-suíços que "tal coisa está fora do padrão Fifa".
Não existe padrão Fifa de protesto, senhor Joseph Blatter.
Os grandes eventos esportivos viraram os olhos do mundo para o Brasil e, durante anos, isso significou investir bilhões de dinheiro público em arenas para "não passar vergonha", ou para "fazer bonito". Como se o maior índice social de um país fosse a imagem que ele tem para consumo externo. Como se a grande preocupação fosse não deixar com que os gringos vissem o Brasil de verdade, aquele em que seríamos obrigados a viver quando eles fossem embora.
Esqueceram de combinar com o povo.
O mesmo povo que não foi consultado sobre a necessidade de o país se candidatar a receber Copa e Olimpíada, o mesmo povo que não foi consultado sobre os investimentos em estádios, o povo que pega o ônibus de má qualidade, que anda em estradas esburacadas, que faz filas em hospitais e não tem vagas em escolas.
O povo que agora mostra ao mundo que, vejam só, o Brasil não é uma roda de samba infinita que gira em torno de dribles de futebol e mulatas seminuas.
O Brasil padrão Fifa não existe. A nossa Copa é outra, monsieur Valcke.
Nossa Copa é ter um transporte público mais barato e de qualidade, nossa Copa é ter saneamento básico, é ter calçadas nas ruas, médicos nos hospitais, é poder sorrir depois que o jogo acaba, seja qual for o resultado, porque no futebol perder ou ganhar é só uma parte do espetáculo. É ter um país que seja feliz fora dos vídeos promocionais que rodam o mundo nas edições de vídeo da entidade que diz viver por "Amor ao jogo". Desde que o jogo seja feito no padrão ditado por ela.
Os protestos são contra muita coisa. Cada um tem suas reivindicações, cada um tem seus anseios. Cada brasileiro tem uma Copa para vencer.
Não existe padrão Fifa para a indignação. Nem para sonhar e lutar por um país melhor.