José Maria Marin bateu na mesa com força. Os olhos estavam marejados e, diante dele, os presidentes de federações estaduais, seus eleitores, entreolhavam-se atônitos. “Só vou sair daqui morto”, disse.

A imprensa não teve acesso à reunião em que as contas da CBF foram aprovadas por unanimidade, mas os bastidores vazaram. Uma hora eles sempre vazam, não adianta. Não existe segredo bem guardado que envolva mais do que uma pessoa.

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Nova sede da CBF, na Barra da Tijuca: superfaturada em R$ 31 milhões
Nova sede da CBF: superfaturada em R$ 31 milhões
Naquele dia, a Folha de S.Paulo publicou reportagem revelando um superfaturamentode R$ 31 milhões na sede da CBF. Não mudou o comportamento subserviente dos presidentes das federações estaduais. Muitos até se mostraram indignados lendo a reportagem; nenhum levantou a voz para se contrapor aos desmandos financeiros de Marin.

Mas o presidente da CBF e do Comitê Organizador Local (COL) da Copa de 2014 estava acuado, sim, quando bateu na mesa e disse que “só sairá morto” da presidência das duas entidades. Ninguém bate em uma mesa – que não seja de bar – se não estiver ameaçado, acuado, amedrontado.

Marin está com medo. E está com medo porque está cercado, encurralado. A sede superfaturada foi apenas o capítulo que fez o ex-deputado estadual chorar e bater na mesa. Não foi o primeiro. Não será o último. Não, mesmo.

Nos últimos meses, o nome de Marin foi levado ao plenário da Câmara dos Deputados por Romário. O motivo: um discurso do ex-deputado na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 1975. Marin, em um aparte ao também deputado Wadih Helu, pediu providências sobre o que vinha acontecendo na TV Cultura. Menos de um mês depois, o jornalista Vladimir Herzog, diretor da emissora, foi convocado a depor no Doi-Codi – ‘Vlado’ morreu um dia depois.
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Marin sorri: as contas foram aprovadas sem problemas
Marin sorri: as contas foram aprovadas sem problemas

Associar Marin à ditadura por conta apenas do discurso sobre Herzog seria raso, até simplório. Mas o atual presidente da CBF foi muito além. Um ano após a morte do jornalista, ele fez outro discurso, com um tratamento benevolente ao delegado Sérgio Fleury, da linha dura-duríssima da ditadura. Não foi só isso: lendo todos os discursos de Marin, a coisa fica pior - mais elogios e lava-pés a gente como Antonio Erasmo Dias, general que, entre outras coisas, ordenou que estudantes da PUC fossem perseguidos e espancados. (Leia AQUI os discursos de Marin)

Mas apenas as palavras de Marin ainda poderiam colocá-lo em situação de se defender sob alegação de que, pertencendo à Arena, o partido artífice da ditadura, não haveria muito a fazer. É claro que haveria. E, segundo outra reportagem reveladora, esta do portal UOL, Marin foi enquadrado como parte da ala radical do regime, de acordo com registros do SNI.

O passado de Marin já seria suficiente para tirá-lo, no mínimo, do comando do COL. Mas o presente não diz coisas muito melhores do dirigente. Em vídeos anônimos postados no Youtube - os quais Marin diz se tratarem de montagens - o presidente aparece achacando interlocutores, dizendo que "tem que dar comida para esses caras [presidentes de federações] para não te agredirem", entre outras passagens assustadoras. (Assista aos vídeos AQUI)

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Dilma e Marin em dezembro: a presidenta evita o presidente
Dilma e Marin em dezembro: a presidenta evita o presidente
A presidenta Dilma, que foi presa na ditadura e teve o pai de sua filha torturado, não recebe Marin. Eles não se encontram, nem mesmo em situações protocolares, há quase 5 meses. Na última vez que tiveram a obrigação de dividir o mesmo ambiente, Dilma cutucou Marin. Disse que o país da Copa seria "um Brasil democrático, sem cultura de preconceito ou exclusão e um país que preza pelos direitos humanos".

Falar de democracia na presença de um ex-governador-biônico, de alguém que bajulou os presidentes militares eleitos sem voto direto, de um presidente de COL e CBF eleito pelos votos de um colégio eleitoral restrito e uma estrutura viciada, é uma punhalada.

Marin está encurralado. Poderia sair com alguma dignidade, entregando os cargos e se colocando à disposição para esclarecimentos no Congresso. Isso ele não fará.

Marin é do tipo que bate na mesa. Porque é assim que ele assusta seus interlocutores. O choro de Marin e suas palavras eloqüentes e cacofônicas, seus "veja bem" ou "cê tá me entendendo" a cada duas ou três frases, podem até convencer seus pares.

Mas já não convencem o governo e uma parte da imprensa, aquela que Ricardo Teixeira chamou de "traço". Os mesmos traços que ajudaram a derrubar Teixeira.