terça-feira, 19 de agosto de 2014

Crimeia gera preocupação para dirigentes russos e Copa do Mundo de 2018 estaria sob risco

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Estádio do Sevastopol, na Crimeia
Estádio do Sevastopol, na Crimeia
No início da última semana, um áudio envolvendo uma suposta reunião de altos dirigentes do futebol russo sacudiu o país. Nesta reunião, presidentes dos maiores e mais ricos clubes da Rússia reclamam da forma como a Federação de Futebol Russa está lidando com a questão "Crimeia", e colocam sob risco a Copa do Mundo de 2018.
Evgeni Giner, presidente do CSKA Moscou, Alexander Dyukov, presidente do Zenit São Petersburgo, e Sergei Galitskiy, presidente do Krasnodfar, são donos de algumas das vozes ouvidas. São três dos homens mais ricos do país.
O problema envolve três times oriundos da Crimeia, região anexada pela Rússia em março deste ano, reivindicada ainda pela Ucrânia e sem reconhecimento internacional como território russo. Na prática, hoje, é uma região ao sul do território ucraniano sob administração do governo russo.
TSK Simferopol (antes Tavriya Simferopol), SKChF Sevastopol (antes FC Sevastopol) e Zhemchuzhina Yalta estrearam na Copa da Rússia na última terça-feira. Todos foram aceitos pela Federação Russa, inscritos como clubes russo e em breve jogarão também a terceira divisão nacional.
O Zhemchuzhyna Yalta foi eliminado pelo Sochi ao perder por 2 a 0, mesmo placar obtido pelo SKChF Sevastopol contra o Simferopol. As duas equipes vencedoras já se enfrentaram novamente e o representante da Crimeia avançou após empate em 0 a 0 e triunfo nos pênaltis por 6 a 5. Agora, o SKChF Sevastopol encara o Taganrog já na terceira rodada da Copa da Rússia, para insegurança de muitos.
O maior temor dos dirigentes é de que os clubes russos sejam proibidos de disputar as competições europeias. Ao admitir os times da Crimeia, a Federação Russa descumpre o regulamento de Uefa e Fifa. Em momento algum a Federação Ucraniana de Futebol autorizou a "troca" de país dos referidos clubes. Além disso, como já foi citado, não há reconhecimento internacional da anexação - por mais que a maior parte da população da Crimeia, de origem russa, aprove.
A questão, porém, é mais política do que esportiva. Uefa e Fifa não pretendem entrar em rota de colisão com Vladimir Putin, primeiro-Ministro russo. A política externa da Rússia resultou em várias sanções impostas por Estados Unidos e União Europeia, mesmo assim não há qualquer recuou ou no mínimo sinalização de recuo. Pelo contrário, para superar as sanções econômicas o governo de Putin já fechou novas parcerias com outros mercados, como Turquia e Brasil, que aumentou consideravelmente a exportação de carnes para o parceiro comercial europeu.
Abaixo, matéria de maio deste ano do canal alemão Deustche Welle, em espanhol, sobre a posição política de Vladimir Putin em relação a Crimeia. Na sequência, visita de Putin no início de agosto na região, em matéria da Al Jazeera, em inglês.
Enquanto isso, no futebol, o presidente da Federação Ucraniana de Futebol, Anatoly Konkov, clama por punições.
"Com todo respeito, nos reportamos a vocês (Fifa e Uefa) sobre os eventos que tumultuam não apenas a sociedade do futebol ucraniano, mas também toda comunidade do futebol. Nós testemunhamos o comitê executivo da Federação Russa ilegalmente e arbitrariamente inscrever os clubes ucranianos da península da Crimeia. Até onde sabemos, a Federação Russa informou tanto Uefa como Fifa sobre essa decisão. Eu considero necessário informar que três clubes ucranianos jogaram na Copa da Rússia. Entendemos que essa atividade está em conflito com as regras de Fifa, Uefa, Federação Ucraniana e Federação Russa".
Konkov não está errado. Pressionada pelo Kremlin, a Federação Russa se antecipou a qualquer reconhecimento internacional, mas tem em Vitaliy Mutko um nome que lhe dá confiança para tal ação.
Desde 2008 Mutko é Ministro dos Esportes, Turismo e Juventude da Rússia. Além disso, o ex-presidente da Federação Russa de Futebol e do Zenit é membro do Comitê Executivo da Fifa desde 2009. Por sua influência, e também para não se envolver em uma crise diplomática, as entidades que administram o futebol preferem evitar problemas, muitas vezes ignorando seus próprios regulamentos.
Na semana passada o New York Times publicou algumas matérias sobre o tema. O jornal norte-americano teve acesso ao áudio vazado, mas não pôde confirmar sua autencidade, apesar das evidências. Em um dos trechos, Nikolai Tolstykh, atual presidente da Federação Russa, é cobrado pelos dirigentes dos clubes sobre a situação das equipes da Crimeia. Tolstykh diz que tudo já foi resolvido pelo Ministro dos Esportes.
Pela visão de Konkov e pelo temor dos dirigentes russos, a Copa do Mundo de 2018 pode não acontecer na Rússia. Evgeni Giner, nessa reunião, teria dito que a Inglaterra já está pronta para receber o torneio.
Há ainda muito tempo até lá, e a situação de instabilidade no leste ucraniano, onde osconflitos entre Governo e movimento separatista aumentam a cada dia, pode se resolver completamente ou até piorar. Hoje, é difícil fazer um prognóstico, já que não há perspectiva de acordo, e ambas parte não falam em recuar, mas é uma situação que afeta diretamente os russos e pode influir no futuro do Mundial.
Neste domingo, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, teve uma reunião com representantes de Ucrânia, Rússia e França e afirmou que a solução para os conflitos ainda está distante. "A situação na Ucrânia continua difícil. As notícias de hoje mostram que estamos longe de um fim para o conflito. Pessoas ainda estão morrendo. Nós não temos nenhum cessar-fogo. Estamos longe de uma solução política".
A temporada 2014-15 do futebol ucraniano já começou, assim como a russa. Na Ucrânia, a primeira divisão conta com 14 times apenas, dois a menos do que antes, por conta de dificuldades financeiras de alguns e da desistência de Tavriya e Sevastopol. Aliás, o agora ex-Tavriya foi o único clube a ser campeão ucraniano depois da dissolução da União Soviética além de Shakhtar Donetskt e Dynamo Kiev.
A debandada de atletas internacionais da Ucrânia já começou, envolvendo inclusive jogadores brasileiros. Os times do Leste não podem atuar em casa e a competição fica seriamente prejudicada. Os investimentos diminuíram consideravelmente e já não se espera boas campanhas internacionais dos times ucranianos. Mas estas não são as únicas preocupações dos dirigentes ucranianos.


Enquanto a atenção da comunidade internacional está voltada exclusivamente para o leste ucraniano, no que se refere à crise na região, o futebol ainda precisa olhar para a Crimeia.