quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Na mesa com Cabral e o dinheiro do BNDES para Eike

Cabral está na cabeceira. Ao longo da mesa, cartolas de todos os clubes cariocas. O olhar corre a foto. Vai, volta. Algo causa imenso desconforto e incomoda. Mais um segundo de atenção e nem é tão difícil assim de entender o que tanto traz embrulho. Faltam homens de estatura naquela mesa. Faltam estadistas à altura das imensas massas que representam os tais cartolas. Num tempo onde proliferam os consultores, gestores, coachings e toda sorte de empulhadores, cada qual vendo uma modernidade importada de modelos que nada tem a ver com o nosso e portanto irreproduzíveis, repetem-se tanto esses chavões de gestão mas não conseguem preencher esse vácuo. Esse vácuo de homens. Homens com estatura para representar suas instituições. Pois então como explicar que nenhum daqueles deu um soco naquela mesa, virou o móvel na direção de Cabral e disse com todas as letras que não seriam cúmplices de tamanha sordidez? Que nenhum deu um soco na mesa e disse que a instituição que representa não pode compactuar com a ação entre amigos que entregou o Maracanã para os compadres do governador?
Que não iriam admitir e compactuar com um governador que entrega um monumento como o Maracanã, a casa das instituições que estavam ali representando como signatários de Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo? Entrega o Maracanã para o maior doador entre as pessoas físicas do governador Cabral e para a empreiteira que foi doadora da campanha do PMDB do governador-voador em 2010? Como explicar que não tenha tido um homem para unir os quatro em torno da mais simples das ideias: não compactuariam com isso e portanto seus times estavam fora, inviabilizando o presente. Falta estatura moral entre os homens daquela foto, como de fato falta entre toda a cartolagem nacional. Como faltava aos que eventualmente estavam no poder antes deles nos clubes, quando o presente se desenhou e ninguém bateu na mesa.
Ninguém questionou que não poderiam ser reféns, com seus milhares de torcedores, de uma empreiteira e de alguém que vê sua fortuna, construída em cima das benesses do estado, derretendo feito gelo? Aquele que emprestava o Gulfstream prefixo "PR OGX" para Cabral circular e depois cobrou seu preço com uma fatia do Maracanã?
Impressiona também ver gente bem informada dizendo que o pior cenário seria a saída do consórcio e a volta do estado. Ora, antes de qualquer coisa e de uma vez por todas, sem precisar repetir, é preciso dizer que ninguém quer a Suderj e seu prontuário de homúnculos de volta como sempre foi. Mas dizer isso sem ter a certeza de que o que veio depois faz aquela escumalha da Suderj parecer uma turma de normalistas perto dos beneficiários do presente de Cabral para alguns de seus doadores de campanha. E que o primeiro momento era obviamente reinstaurar o mínimo de moralidade, botando pra correr com altivez os beneficiários do presente de Cabral. Falar da inominável Suderj e achar melhor o consórcio é bem típico daqueles que se acostumaram a apontar o dedo para o guarda que recebe o suborno e preferem ignorar a outra parte.
Não existia ninguém naquela mesa para pensar um pouco além do umbigo, da matemática medíocre que prefere calar diante do descalabro e contar seus lugares no circo de horrores. Ou reinvindicar uma migalha na venda do cachorro-quente, achando que isso é gestão. Não tinha ninguém para dizer que a obra foi feita ao arrepio da lei. Para dizer que não se dobravam a uma ação entre amigos. Da obra de mais de um bilhão. Dos quais R$ 400 milhões saíram do BNDES e o resto do governo do estado. Que falta fazem estadistas entre os nossos cartolas.
Para aqueles que se arvoraram a achar que a tragédia era tomar dessa turma o presente do governador e se reinstaurar o mínimo de legalidade, seguem alguns números do dinheiro conseguido por Eike Batista, um dos concessionários, junto ao BNDES. Em documento obtido junto ao BNDES, o tamanho da bolada. Pela primeira vez, todos os centavos do BNDES para Eike relacionados e descritos. R$ 10,5 bilhões. Fora benefícios indiretos, como os R$ 400 milhões do banco para a obra no Maracanã, que depois viria a ser do empresário, antes de ver sua fortuna derreter. (em recente entrevista ao Globo, o banco afirmou que do valor dos R$ 10,5 bilhões de empréstimos aos grupos de Eike, "os efetivamente contratados ficaram em torno de R$ 6 bilhões". E ninguém naquela mesa acabou com isso. Faltavam homens com estatura para isso.
Além da tabela, seguem duas breves questões para o economista Mansueto Almeida, do IPEA, sobre os empréstimos.
1- O que pensa dessa relação e da quantidade de empréstimos do BNDES para empresas de Eike Batista?
O que o BNDES fez com o grupo EBX é mais ou menos a mesma coisa que fez com outras grandes empresas: apostou que o grupo se tornaria uma grande multinacional brasileira e que o dinheiro investido estava sendo bem aplicado. Aqui temos que separar duas coisas. Primeiro, os bancos privados e investidores também fizeram essa aposta que parceria ser de baixo risco, dado que o Brasil tem uma grande reserva de petróleo. O que se precisa discutir é como uma empresa privada conseguiu "enganar" o mercado com dados de extração de petróleo que hoje se sabe que eram irrealistas.
Segundo, ao que parece, o grupo EBX não teve dificuldades para conseguir financiadores privados e, assim, os empréstimos do BNDES poderiam ter sido menores. Isso vale independentemente do problema atual. Ou seja, não havia porque o BNDES ter emprestados tanto para um grupo que atuava em um setor que o Brasil tem clara vantagens comparativas mesmo que os empreendimentos tivessem
2- Sobre as garantias: muitos desses empréstimos tem como boa parte das garantias as chamadas "garantias corporativas" de empresas do próprio grupo em questão. No entanto, foram tomadas quando o valor estimado dessas empresas era absolutamente distinto do que valem efetivamente hoje. É exatamente isso? E o que significa para o BNDES?
Não sei exatamente qual é a perda potencial do BNDES com essas garantias corporativas. Mas esse parece ter sido um erro comum não apenas do BNDES mas também de bancos privados. O problema de um banco público, no entanto, é que a justificativa para aplicar recursos públicos em empreendimentos privados deve se pautar pela existência de benefícios sociais superiores ao benefício individual para a empresa ou grupo empresarial.
O nosso BNDES parece atuar muito mais como mero fornecedor de crédito subsidiado baseado no retorno individual de projetos. Mas essa é justamente a lógica de bancos privados e de investidores de riscos.
No caso em questão, o que preocupa é a possibilidade de o banco ter uma grande perda com essas garantias corporativas sem absolutamente nenhum aprendizado, pois se trata de um investimento em uma atividade (extração de petróleo, siderurgia, portos, etc.) que já conhecemos a estrutura de custo. Em resumo, o que me incomoda é o tamanho da perda em conjunto como fato que o BNDES não precisava ter investido tanto dinheiro em um grupo que atuava em atividades que havia interesse de bancos e investidores privados.