terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Viva a Liberdade, um filmaço

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O bom das férias é também poder dedicar as tardes para ver um filme.
E o que acabo de ver, que passou praticamente despercebido pelo Brasil, –talvez por ter sido exibido em julho, durante a Copa do Mundo –é o italiano “Viva a Liberdade”, do diretor Roberto Andò e com o excepcional Toni Servillo, que brilhou também em a “Grande Beleza”.
Achava, até vê-lo, que o argentino “Relatos Selvagens” seria o filme do ano.
Agora estou em dúvida.
Recomendo vivamente que você o procure para ver em casa.
Abaixo, uma resenha que subscrevo:
Por Luciana Ramos
A história política recente da Itália, assim como a do Brasil, perpassa por escândalos de corrupção absurdos que resultaram em extrema ineficiência em prover as necessidades da população.
A crise de representatividade que permeia o país (e que pode ser estendida a todo o mundo) é explorada na sagaz comédia de Roberto Andò, “Viva a Liberdade”, tendo como principal instrumento o excepcional talento do ator Toni Servillo (A Grande Beleza).
Enrico Oliveri (Toni Servillo) é o representante do partido de esquerda italiano para as próximas eleições presidenciais.
O povo, porém, não consegue mais acreditar em promessas vazias de uma entidade que não apresenta novas alternativas para tirar a economia da lama, o que culmina no ódio direcionado a figura do Senador.
Com clara incapacidade de liderança e sofrendo de depressão, Enrico decide largar tudo e fugir.
Em conversa com Anna Oliveri (Michela Cescon), mulher do senador, o assessor Andrea Bottini (Valerio Mastandrea) decide chamar o irmão gêmeo do político, o filósofo e professor Giovanni Ernani, para assumir a vida do outro por um tempo.
Este, paciente mental recentemente liberado do manicômio, acaba virando o partido de cabeça para baixo por meio de declarações escandalosas do tipo “os partidos são medíocres porque as pessoas são medíocres; o partido é corrupto porque as pessoas também o são”.
E assim, citando grandes romancistas e filósofos e falando estritamente a verdade, torna-se extremamente popular. Com seu discurso cortante, capaz de desarmar qualquer crítica e aflorar reflexões, torna-se de fato um político democrático por representar a voz do povo, o símbolo da mudança de uma Itália estagnada a até então desesperançosa.
Enquanto isso, Enrico hospeda-se na casa de uma amiga e ex-namorada na França, chamada Danielle (Valeria Bruni Tedeschi).
Ela, agora casada com um diretor de cinema e com uma filha, o leva a um set de um filme, e em pouco tempo Enrico sai do estado de apatia e depressão que se encontrava.
A trama segue até os momentos finais nestas duas frentes e aos poucos desenvolve aos poucos mais sobre o passado dos personagens e suas motivações, ao mesmo tempo que aprofunda a crítica à crise democrática do país.
Não é por acaso, por exemplo, que Enrico escolhe um set de filmagem para se refugiar, já que a premissa dessa arte é criar e vender ilusões. Igualmente proposital é a passagem que Giovanni (agindo como Enrico) firma um acordo com a embaixatriz da Argentina dançando um tango.
Por meio dessas “sacadas” inteligentes, a tese de uma política mais transparente e próxima aos ideais democráticos emerge.
No entanto, o objetivo principal do longa de Roberto Andó não teria sido atingido sem a atuação magistral de Toni Servillo.
Por serem dois personagens de personalidade completamente diferentes, a liberdade de composição foi amplamente aproveitada pelo ator, que soube diferenciá-los em interpretações detalhistas e ricas.
Demonstrações do seu talento permeiam todo o longa em pequenos gestos, trabalho postural e erguidas de sobrancelhas. De fato, é até possível detectar qual personagem está em cena somente pela sua expressão facial.
“Viva a Liberdade” denuncia de maneira inteligente e ácida os jogos de bastidores da política, entregue aos interesses dos seus dirigentes e cada vez mais longe dos anseios do povo.
Expõe, ainda, toda a sensibilidade e talento do ator Toni Servillo em sua caracterização de duas personalidades diametralmente opostas.
Ainda que não atinja a excelência, diverte e provoca a reflexão ao mostrar que talvez o que falte na política seja um pouco mais de transparência e, por que não, insanidade.
Nota adicional do blog: Só discordo da crítica em seu último parágrafo, por achar que o filme atinge sim a excelência e por considerar, sem talvez, que o que falta à política é muito mais transparência e alguma insanidade.
Agradeço a Bob Fernandes pela indicação.