Nenhum outro objeto é tão capaz de reduzir distâncias geográficas, culturais e sociais quanto a bola. Em Marrakech, a bola só rola pelo Mundial de Clubes na quarta-feira. Mas o dia do futebol é domingo. No estádio ou no terrão.
Tivemos a oportunidade de acompanhar no Stade El Harti, o segundo estádio da cidade, o jogo entre o KACM (Kawkab Athlétique Club de Marrakech) e o Renaissance de Berkane. A partida valia pelo Botola, o campeonato nacional, que classificou o Raja Casablanca para a competição da Fifa como último campeão.
Apesar das rivalidades, as torcidas marroquinas estão unidas pelo Raja no Mundial. Os 'Crazy Boys', componentes da principal torcida organizada do KACM, mandaram representantes a Agadir nos dois jogos do time de Casablanca até aqui. A agitação dos torcedores foi a principal atração de um jogo morno.
Nos camarotes, autoridades se dão conta da nossa presença. Querem nos dar os cumprimentos e as boas-vindas. O dono do clube quer saber insistentemente se temos como levá-lo até Ronaldinho. Autoriza filmagens no campo. Mas alguns policiais com a síndrome do pequeno poder vetam.
No intervalo, alguns se recolhem para orações. Tiram os sapatos, estendem um tapete e ajoelham-se.
Torcedores querem conversar. Falar do amor pelo clube, do amor pelo futebol. Mostram suas faixas e bandeiras. O KACM acaba de voltar da segunda divisão e faz boa campanha. É o quinto colocado, com 20 pontos em 12 jogos.
Mas a maior emoção de domingo estava próxima aos muros da medina. O campo que mistura terra e pedras é palco de um jogo de garotos. Ali perto, outras crianças brincavam em quadras de cimento.
Os meninos levam o jogo a sério. O time de branco e verde domina, cria chances, acerta a trave. Mas quem vence é o time de vermelho, com um gol de pênalti. Capitaneado pelo camisa 4, posicionado como um líbero à moda antiga e capaz de dar chutões de esquerda como só um beque de fazenda é capaz. Atrás do gol, um garotinho narra os lances como se estivesse no rádio.
Somente a escuridão que chega com o pôr-do-sol acaba com a alegria.
Muitas das crianças brincam com camisas do Barcelona e do Real Madrid. Quando perguntados sobre os times, querem desfilar conhecimento. Citam nomes de jogadores. Neymar! Cristiano Ronaldo! Iniesta! Gareth Bale! De cenários assim saíram grandes craques, e o sonho deles é fazer o mesmo.
O brilho nos olhos é evidente. Nos deles e nos nossos.
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Só o pôr-do-sol acabou com a alegria dos garotos
