sexta-feira, 29 de julho de 2011

Entenda o jogo político que move a virada de mesa no futebol argentino

Presidente da Associação de Futebol (AFA) desde 1979, Julio Grondona é um desses cartolas que deveriam desaparecer do futebol. Não por acaso hinchas argentinos tocam o movimento @chaugrondona no twitter. É evidente que o dirigente é o principal personagem da virada de mesa em curso no futebol argentino.

O sanguinário general Jorge Rafael Videla, que deu golpe de Estado em 1976, e Grondona
O sanguinário general Jorge Rafael Videla, que deu golpe de Estado em 1976, e Grondona

Grondona sinalizou que a mudança era certa, mas agora já diz que a alteração no sistema do campeonato não é algo garantido. Alega, ainda, que o descenso do River Plate não é a razão principal desse absurdo. E aí faz sentido. Grondona vem defendendo a chamada “federalização” do futebol, com mais times do interior na elite.

O site Futebol Portenho reproduz trechos de uma entrevista na qual o cartola diz: “Desde que cheguei à AFA, uma das minhas prioridades é a federalização. Há muitas coisas que precisam mudar, e é preciso ajudar os clubes. O River não tem nada a ver com isso. Faz tempo que pensamos em um novo torneio”.

Tamanha desfaçatez não surpreende. Soa patética tal frase se lembrarmos que Grondona comanda a AFA há 32 anos, chegou ao comando da entidade uma década antes de Ricardo Teixeira assumir a CBF. O artifício pretende incluir a B Nacional (segunda divisão) no projeto Futbol para Todos, que pode ser traduzido como "dinheiro público gasto com direitos de televisão".

Se a virada de mesa se concretizar, os times da segundona também passarão a ter suas partidas exibidas pela TV pública, ou seja, canal aberto bancado pelo governo, como já acontece com a divisão principal. E isso é de grande interesse da presidenta Cristina Kirchner, que usa e abusa do futebol como plafaforma política.

Até lances de arquibancadas de pequenos estádios são erguidos com apoio presidencial. Quando estava na presidência, seu marido, Nestor, que morreu em outubro de 2010 e torcia pelo Racing, jamais se inibiu diante das possibilidades de projeção que o esporte propociona aos políticos.

Já a Copa América foi espalhada pelo país não apenas para levar as seleções participantes a outras cidades argentinas, mas também para agradar eleitores e dar sequência à estratégia presidencial. Agora Grondona deve ajudá-la a conduzir os principais times do país pelo interior, algo que o River Plate já vai fazer de qualquer forma por ter caído.

O dirigente afirma que os clubes não serão sobrecarregados, que jogarão os mesmos 38 jogos por temporada e que clássicos seguirão acontecendo. Pode ser, mas é evidente que para isso o campeonato argentino terá muitas partidas sem atrativos, mesclando equipes mais fortes com outras que não teriam condições de disputar a primeira divisão sem virada de mesa.

E isso ajuda a entender que a manobra é muito mais ambiciosa, ampla e asquerosa do que um simples movimento para recolocar um time importante na elite, tanto que o River jogará a segundona. O presidente da AFA diz que tudo depende do ok da assembléia, em outubro, mas não passa de conversa fiada, especialidade de políticos e cartolas aqui e lá.

Torcedores programam uma manifestação para quarta-feira, dia 2. A indignação popular e a péssima repercussão que tal medida gerou provocaram o recuo. Kirchner não seria tola de seguir à frente disso nesse momento. Melhor esperar as coisas se acalmarem. E seus eleitores distantes de Buenos Aires curtirem a ideia. Até por ser ano eleitoral na Argentina.

A mesa do futebol argentino já foi virada.

Grondona com a presidenta Cristina Kirchner: sempre ao lado do poder
Grondona com a presidenta Cristina Kirchner: sempre ao lado do poder