quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Exclusivo: Para Zagallo, Ronaldinho não consegue fazer 'dupla função' no meio

Aos 79 anos, Mário Jorge Lobo Zagallo é sinônimo de seleção brasileira. O “Velho Lobo”, como é conhecido no mundo do futebol, já não tem o mesmo vigor de outros tempos, mas faz questão de demonstrar que continua acompanhando a equipe canarinho e o futebol, em geral. Com fala mansa, pausada, ele concedeu uma entrevista exclusiva ao ESPN.com.br, por telefone, na última quarta-feira, e analisou o atual momento do time comandado pelo técnico Mano Menezes.

Detentor de quatro títulos mundiais pelo Brasil (1958 e 1962, como jogador; 1970, como treinador; e 1994, como auxiliar técnico), além de ter comandado a seleção nos Mundiais de 1974, na Alemanha (4º colocado) e 1998, na França (vice-campeão), e ter sido novamente assistente de Carlos Alberto Parreira na Copa de 2006, Zagallo elogiou o início de trabalho de Mano na CBF, falou sobre o jovem atacante Neymar, do Santos, e o experiente Ronaldinho Gaúcho, hoje no Milan. E até deu seus pitacos sobre a disputa pelo título do Campeonato Brasileiro.
Zagallo, quatro vezes campeão do mundo: para ele, Ronaldinho não faz 'dupla função' na seleção
Zagallo, quatro vezes campeão do mundo: para ele, Ronaldinho não faz 'dupla função' na seleção
Crédito da imagem: Gazeta Press
Na entrevista, o ex-técnico da seleção brasileira afirma que, ao contrário de Mano, não teria deixado Neymar de fora da lista dos amistosos contra Irã e Ucrânia após os problemas do jogador com o ex-treinador do Santos, Dorival Júnior. “Penso diferente. Eu teria convocado e chamaria sua atenção internamente. Mas o Mano entendeu assim e eu respeito”, diz Zagallo. O Velho Lobo também diz ver com estranheza a recusa do técnico Muricy Ramalho, do Fluminense, ao convite da CBF, e avalia que Ronaldinho Gaúcho não tem condições de fazer “dupla função” no meio de campo da seleção. “Estou sendo muito duro, mas realista. É um ponto de vista tático meu.”

Nesta sexta-feira, Mano Menezes vai anunciar a lista de convocados do Brasil para o amistoso contra a Argentina, programado para o dia 17 de novembro, no Catar.

Leia a íntegra da entrevista de Zagallo ao ESPN.com.br:

ESPN.com.br – Como você avalia o início de trabalho do técnico Mano Menezes na seleção brasileira?

Zagallo – Acho que ele está começando muito bem. Ele não titubeou, aceitou o convite, e eu falo por mim. Eu também aceitaria de pronto, e foi assim que eu fiz quando fui chamado para ser técnico da primeira vez. Tinha confiança no meu trabalho. Eu tinha 39 anos quando assumi. O Mano fez muito sucesso no Grêmio e também teve uma boa passagem pelo Corinthians. E começou bem, com bons resultados nesses primeiros jogos (três vitórias até aqui: 2 a 0 nos Estados Unidos, 3 a 0 contra o Irã e 2 a 0 sobre a Ucrânia).

ESPN.com.br – Você diz que Mano “não titubeou” ao aceitar o convite da CBF. Como viu o episódio envolvendo o convite a Muricy Ramalho?

Zagallo – O Muricy deve ter tido algum problema de contrato (o treinador tinha contrato em vigência com o Fluminense e não foi liberado pelo clube carioca; decidiu, então, não romper o vínculo e recusou o convite da CBF). Ele era o nome indicado, pelo currículo dele. Ninguém pode perder uma grande oportunidade como essa. Mas deve ter acontecido alguma coisa que ainda não foi totalmente explicada. Ele é um grande treinador e deve ter tido suas razões.

ESPN.com.br – Você já teve algum contato com o Mano depois que ele assumiu a seleção? Ele já o procurou?
Zagallo - Eu já tive um contato com ele em um evento publicitário em São Paulo, o parabenizei pela seleção e desejei sorte a ele. Na ocasião, não conversamos muito sobre a equipe, não era o momento. O trabalho está sendo bem feito, mas está muito no início. A experiência desses garotos vai dar mais resultados no futuro. E vai trazer alegrias mais para frente.

ESPN.com.br – Na última convocação, para os amistosos contra Irã e Ucrânia, no início do mês, Mano não convocou o atacante Neymar, que se desentendeu com o treinador Dorival Júnior, à época no Santos. O que você achou dessa decisão do treinador da seleção e o que pensa sobre Neymar?

Zagallo – O Neymar é um menino que é diferenciado. É um garoto que tem tudo pela frente. Eu agiria diferente do Mano. Ele deu um “puxão de orelhas” não chamando o Neymar. Penso diferente. Eu teria convocado e chamaria sua atenção internamente. Mas isso é só uma questão de ponto de vista. O Mano entendeu assim e eu respeito.
Mano Menezes deixou Neymar de fora da última convocação, mas Zagallo diz que teria feito diferente
Mano Menezes deixou Neymar de fora da última convocação, mas Zagallo diz que teria feito diferente
Crédito da imagem: Agência Estado
ESPN.com.br – Outro nome que vem sendo muito comentado é o de Ronaldinho Gaúcho, do Milan. Há quem garanta que ele estará na lista para o amistoso contra a Argentina. Você acha que Gaúcho merece voltar à seleção?

Zagallo – Eu tenho um ponto de vista que é um pouco diferente do que a maioria das pessoas e a mídia pensam. Acho que a melhor fase do Ronaldinho foi no Barcelona (entre 2003 e 2008, conquistando o prêmio de melhor jogador do mundo pela Fifa em 2004 e 2005), jogando como ponta esquerda. E essa posição já não existe mais na seleção. Ele não tem condições orgânicas para fazer dupla função no meio de campo. Ele não vai fazer o ‘vai e vem’ nunca. Eu sei o que é isso, porque eu fui meio campista e fiz essa função quando joguei na seleção.

ESPN.com.br – Você acha que Ronaldinho já não tem mais condições físicas para exercer essa função, é isso?
Zagallo - Essa nem é a questão. Isso é nato, é de cada um, e ele não tem isso. Mesmo naquela época (do Barcelona) ele já não tinha isso. Ele tem técnica, tem habilidade, mas fazer dupla função no meio de campo eu não acredito. Estou sendo muito duro, mas realista. É um ponto de vista tático meu.
Ronaldinho, em ação com a camisa do Brasil: expectativa por possível convocação nesta sexta-feira
Ronaldinho, em ação com a camisa do Brasil: expectativa por possível convocação nesta sexta-feira
Crédito da imagem: Reuters
ESPN.com.br – Vamos falar um pouco sobre o Campeonato Brasileiro. A sete rodadas do fim da competição, a briga pelo título parece mesmo ficar entre Fluminense, Corinthians e Cruzeiro. Você arrisca um palpite? Há algum favorito?

Zagallo – Acho que uma frase minha, que tem 13 letras, serve para esses três times nesta reta final: “Vamos que vamos” (risos). Isso serve para os três. Isso se não surgir uma quarta força, que já apareceu em outros momentos do campeonato. Tudo pode acontecer.

ESPN.com.br – Na sua opinião, quem é o melhor jogador do Brasil hoje?

Zagallo – Esse garoto, o Neymar mesmo, que está surgindo. Mas ele ainda não é uma realidade. Isso ele vai conseguir ser com o tempo, depois de conquistar títulos, como aconteceu com o Pelé e outros grandes jogadores. Ele é uma promessa e tem um grande futuro pela frente.