domingo, 13 de julho de 2014

Três surpresas da Copa

O Brasil ganhou fama de bom anfitrião, mas descobriu que não é dono do futebol bonito e já não sabe torcer nas arquibancadas
Foi o Mundial das surpresas este que chega ao fim hoje. Na organização, a Copa 2014 fez até o Comitê Olímpico Internacional mudar de tom nas críticas ao projeto dos Jogos 2016, no Rio. Elogios de delegações e visitantes estrangeiros atestaram o talento dos brasileiros como anfitriões — mais pela hospitalidade do povo do que pela infraestrutura impecável, é verdade. Foi um golaço. Mas duas bolas fora vão assombrar o país por um bom tempo. O Brasil foi massacrado entro do campo, pela Alemanha, e nas arquibancadas, pela Argentina. O torneio em casa desmascarou a pouca intimidade da seleção pentacampeã com o futebol bonito e da torcida canarinho com os estádios. Teve Copa. Faltaram bola e canto.
O lampejo veio naquele 8 de dezembro de 2013, durante o espetáculo de violência protagonizado por torcedores de Vasco da Gama e Atlético Paranaense, na Arena Joinville (SC). Socos e pontapés invadiram a sala, em plena tarde de domingo. Jogadores em campo foram às lágrimas, temendo o pior. A partida foi suspensa por 70 minutos, mas recomeçou. Menos no televisor de casa.
Não fora a primeira evidência do ocaso do futebol brasileiro. Antes dela, houve incontáveis sinais: dos jovens talentos exportados à escassez de títulos nas divisões de base e aos endereços distantes dos amistosos da seleção nacional; da qualidade sofrível dos times às finanças em frangalhos dos clubes. Quadrilhas organizadas tomaram das famílias os estádios. A violência explodiu junto com o preço dos ingressos. Nada foi feito.
Os motivos enfileirados levaram à decisão tão rápida quanto definitiva. “Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho, e eu fico onde estou”, escreveu José Saramago em abril de 2003 sobre o rompimento com o governo de Fidel Castro, após o fuzilamento de três homens que sequestraram um barco para sair da ilha. O manifesto veio à memória para formalizar o destrato com o futebol no Brasil. Ali, começava a ruptura com o esporte nacional, até ele se reinventar.
Foi ato de consumo consciente, adaptado da economia. Se o torcedor parar de assistir pela TV, ir ao estádio, comprar produtos oficiais, clubes, patrocinadores, poder público hão de reorganizar o futebol. A lógica é simples: sem consumidor, não há dinheiro; sem renda não há negócio.
Anos de apagão na organização do futebol deixaram para trás o jogo bonito. Limaram o encanto, como ficou claro naquele 7 a 1 da última terça. Em 2014, os seis times brasileiros foram eliminados da Libertadores da América, até as quartas de final. Foi a primeira vez, desde 1991, que o Brasil ficou fora das semifinais da competição regional. O país anda parando para assistir aos jogos da Liga dos Campeões da Europa.
A torcida já não sabe cantar, porque abandonou os estádios. A família brasileira assiste aos jogos do sofá. É fato que os ingressos para a Copa, caríssimos, inviabilizaram a presença de pobres e remediados nas arenas. Mas a classe média presente repetiria gritos e cantos, se vibrantes campeonatos locais os tivessem inventado.