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12 de dezembro de 1993. Domingo em que o São Paulo fechou o ciclo mais vitorioso de sua história superando o Milan por 3 a 2 em Tóquio.
Se não possuía a chancela da FIFA, entidade que à época não tinha competência para organizar um Mundial de Clubes, o torneio intercontinental promovido pela Toyota em jogo único entre os campeões da Libertadores e da Copa dos Campeões da Europa cumpria seu papel de definir o melhor time do planeta.
Há duas décadas, ninguém era melhor que o São Paulo. Bicampeão sul-americano, venceu o Barcelona de Guardiola, Koeman, Laudrup e Stoitchkov comandado por Johan Cruyff no ano anterior e o time rossonero - vice que substituiu o campeão europeu Olympique de Marselle, suspenso por manipulação de resultados na França, mas a base da seleção italiana.
Uma equipe tão forte comandada por Fabio Capello que venceria com sobras o torneio continental no ano seguinte goleando por 4 a 0 o próprio Barcelona, já com Romário.
"Era um time carismático, com muita qualidade e que viveu seu esplendor. As vitórias nos Mundiais e nas excursões na Europa apenas confirmaram que o São Paulo estava acima dos outros não só no Brasil e no continente, mas no mundo também", ressalta Raí.
Meia atacante, camisa dez, capitão e líder que não esteve presente na última grande conquista daquela geração. Fora negociado com o Paris Saint-Germain. Mas vivera toda a Era Telê Santana até então.
Divulgação
O técnico que comandou a seleção brasileira nos Mundiais de 1982 e 1986 chegara ao clube em outubro de 1990. Terminou o ano vice-campeão brasileiro, derrotado pelo rival Corinthians de Neto. No ano seguinte, porém, com o desenvolvimento do trabalho de Telê vieram as conquistas: Paulista e, enfim, o campeonato brasileiro. Título que fez o São Paulo voltar à Libertadores depois de cinco anos.
Campanha marcada pela vitória sobre o bom Criciúma de Levir Culpi nas quartas-de-final e a decisão sofrida só definida no Morumbi lotado pelas cobranças de pênaltis contra o Newell's Old Boys do então jovem técnico Marcelo Bielsa.
Time cheio de sacadas táticas de Telê Santana dentro do princípio da escola brasileira: marcadores liberam os mais talentosos. No tricolor paulista de 1992, o volante Pintado fazia a cobertura de Cafu; Adilson, zagueiro improvisado à frente da defesa, recuava para liberar as descidas de Antonio Carlos.
Também sem o típico centroavante. Se nas conquistas da década de 1980 havia Serginho Chulapa e Careca para comandar o ataque, em 1992 a aposta era na técnica e na mobilidade dos jogadores.
"A movimentação na frente era grande. Qualquer um podia fazer a referência ou o trabalho de pivô: eu, Raí ou Palhinha. O Telê nos dava total liberdade." Palavras de Muller, que ficava mais avançado. Mas não centralizado. Procurava os flancos, principalmente o esquerdo. Abrindo espaços para os meias, a aproximação de Elivélton ou a chegada de trás de Cafu ou mesmo Antonio Carlos.
Olho Tático
Ideia que seria aprimorada no Intercontinental diante do Barcelona. Time catalão que fora humilhado em agosto por 4 a 1 na final do Torneio Teresa Herrera. Nos 2 a 1 em Tóquio, assistência de Muller pela esquerda e gol de peito de Raí, que consolidaria a virada no segundo tempo em bela cobrança de falta.
Taticamente, algo muito próximo de um 4-2-3-1. Zetti no gol, Vítor e Ronaldo Luiz voando pelas laterais, Adilson e Ronaldão na zaga que era protegida por Pintado para que Cerezo armasse de trás e se juntasse ao quarteto ofensivo: Cafu aberto à direita, Raí e Palhinha soltos no centro e Muller como uma espécie de "ponta-pivô" pela esquerda. O camisa 7 dominava de costas para o lateral ou zagueiro adversário, girava rápido ou em um simples toque deixava os companheiros em condições de finalizar.
"O posicionamento daquele ataque comigo, Palhinha, Muller e Cafu surgiu naturalmente. O Telê Santana fazia muitos coletivos e repetições de jogadas. Como o Muller gostava de jogar pela esquerda, fazendo o pivô para o lateral e também para eu e o Palhinha que chegávamos de trás, essas jogadas começaram a sair naturalmente. Eu ficava centralizado e mais avançado que o Palhinha, mas não era o centroavante. Com tempo e treinamento a gente aprimorou a movimentação e o Telê, digamos, achou uma ‘fórmula' que deu certo", explica Raí.
As tabelas ou triangulações eram rápidas, envolventes. Futebol artístico e eficiente aprimorado nos muitos treinamentos coletivos. "Telê era exigente e treinava muito. Especialmente coletivos, que não vemos mais os treinadores atuais fazendo. Parava, repetia, pegava no pé para todos nos aperfeiçoarmos", lembra Zetti.
Reprodução TV Bandeirantes
A perfeição chegou na primeira decisão da Libertadores de 1993. 5 a 1 sobre a Universidad Católica. Exibição técnica e tática irretocável. Seguindo os mesmos princípios: marcação avançada e pressionante em vários momentos, transição ofensiva muito rápida e o talento brilhando com simplicidade e rotação. No máximo dois toques na bola para desarticular a retaguarda rival.
De novo o quarteto ofensivo formado por Cafu, Raí, Palhinha e Muller. Desta vez liberado por dois volantes marcadores: Dinho e Pintado. Necessários para cobrir Válber e Gilmar, dois novos zagueiros que gostavam de apoiar. Time ousado, mas equilibrado. Imparável.
Fala Raí: "Foi mesmo o nosso esplendor. No final, um jogador do Universidad Católica veio me parabenizar e disse que nosso time era um fenômeno, que nunca tinha visto nada igual." Não mesmo. Foi a maior goleada da história das finais de Libertadores. Que transformou em mera formalidade a derrota por 2 a 0 em Santiago que confirmou o bi incontestável.
Olho Tático
Em Tóquio, time muito mexido. Sem Raí, com Cafu de volta à lateral-direita, Cerezo mais avançado e protegido por Dinho e Doriva. André pela esquerda liberando Leonardo no meio-campo e Palhinha se juntando a Muller na frente. Algo mais próximo do típico 4-2-2-2 dos anos 1990.
Olho Tático
Mas ainda sem centroavante, embora Muller tenha achado o gol decisivo como um típico camisa nove rompedor. E sortudo, na bola que bateu no seu calcanhar e entrou após disputa com Franco Baresi e o goleiro Rossi. A última tentativa de surpreender com lançamentos às costas da defesa o time italiano, que adotava a tática de impedimento. Letal (Veja a íntegra da partida no vídeo abaixo).
Coroação do trabalho de Telê Santana, uma unanimidade entre seus comandados. "Fui um privilegiado por fazer parte daquela geração no São Paulo e por ter sido comandado pelo Telê, que tirava o máximo de cada jogador. Era algo realmente impressionante", ressalta Zetti.
Muller também lembra com saudade: "Minha melhor recordação daqueles tempos não é de nenhuma conquista em especial. É de quando acabava o treino, o Telê sentava conosco para conversar, contar histórias, dar conselhos. Sabia a hora de impor respeito e de dar liberdade.Era um grande pai e um grande profissional. Morava no clube, respirava futebol. Ficou cinco anos no São Paulo e ganhou tudo".
Telê ainda venceria outros torneios até deixar o clube em janeiro de 1996. Em 410 jogos, venceu 197, empatou 122 e sofreu 91 derrotas. Apenas 57% de aproveitamento em uma trajetória irregular.
Mas que viveu o ápice do melhor e maior time da história do clube mais vencedor do Brasil naquele início de tarde fria no Japão e madrugada quente para os tricolores paulistas. Inesquecível.