sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

ESPECIAL: Há 20 anos, o mundo era do São Paulo sem centroavante de Telê Santana

Arquivo Histórico/saopaulofc.net
Jogadores do São Paulo comemoram a conquista da Copa Intercontinental de 1993
Jogadores do São Paulo comemoram a conquista do Intercontinental de 1993
12 de dezembro de 1993. Domingo em que o São Paulo fechou o ciclo mais vitorioso de sua história superando o Milan por 3 a 2 em Tóquio.
Se não possuía a chancela da FIFA, entidade que à época não tinha competência para organizar um Mundial de Clubes, o torneio intercontinental promovido pela Toyota em jogo único entre os campeões da Libertadores e da Copa dos Campeões da Europa cumpria seu papel de definir o melhor time do planeta.
Há duas décadas, ninguém era melhor que o São Paulo. Bicampeão sul-americano, venceu o Barcelona de Guardiola, Koeman, Laudrup e Stoitchkov comandado por Johan Cruyff no ano anterior e o time rossonero - vice que substituiu o campeão europeu Olympique de Marselle, suspenso por manipulação de resultados na França, mas a base da seleção italiana.
Uma equipe tão forte comandada por Fabio Capello que venceria com sobras o torneio continental no ano seguinte goleando por 4 a 0 o próprio Barcelona, já com Romário.
"Era um time carismático, com muita qualidade e que viveu seu esplendor. As vitórias nos Mundiais e nas excursões na Europa apenas confirmaram que o São Paulo estava acima dos outros não só no Brasil e no continente, mas no mundo também", ressalta Raí.
Meia atacante, camisa dez, capitão e líder que não esteve presente na última grande conquista daquela geração. Fora negociado com o Paris Saint-Germain. Mas vivera toda a Era Telê Santana até então.
Divulgação
Telê Santana
Telê Santana comandou o São Paulo na fase mais vitoriosa do clube.
O técnico que comandou a seleção brasileira nos Mundiais de 1982 e 1986 chegara ao clube em outubro de 1990. Terminou o ano vice-campeão brasileiro, derrotado pelo rival Corinthians de Neto. No ano seguinte, porém, com o desenvolvimento do trabalho de Telê vieram as conquistas: Paulista e, enfim, o campeonato brasileiro. Título que fez o São Paulo voltar à Libertadores depois de cinco anos.
Campanha marcada pela vitória sobre o bom Criciúma de Levir Culpi nas quartas-de-final e a decisão sofrida só definida no Morumbi lotado pelas cobranças de pênaltis contra o Newell's Old Boys do então jovem técnico Marcelo Bielsa.
Time cheio de sacadas táticas de Telê Santana dentro do princípio da escola brasileira: marcadores liberam os mais talentosos. No tricolor paulista de 1992, o volante Pintado fazia a cobertura de Cafu; Adilson, zagueiro improvisado à frente da defesa, recuava para liberar as descidas de Antonio Carlos.
Também sem o típico centroavante. Se nas conquistas da década de 1980 havia Serginho Chulapa e Careca para comandar o ataque, em 1992 a aposta era na técnica e na mobilidade dos jogadores.
"A movimentação na frente era grande. Qualquer um podia fazer a referência ou o trabalho de pivô: eu, Raí ou Palhinha. O Telê nos dava total liberdade." Palavras de Muller, que ficava mais avançado. Mas não centralizado. Procurava os flancos, principalmente o esquerdo. Abrindo espaços para os meias, a aproximação de Elivélton ou a chegada de trás de Cafu ou mesmo Antonio Carlos.
Olho Tático
Adilson e Pintado cobriam Antonio Carlos e Cafu, Muller, Palhinha e Raí já se procuravam para as tabelas.
Adilson e Pintado cobriam Antonio Carlos e Cafu, Muller, Palhinha e Raí já se procuravam para as tabelas.
Ideia que seria aprimorada no Intercontinental diante do Barcelona. Time catalão que fora humilhado em agosto por 4 a 1 na final do Torneio Teresa Herrera. Nos 2 a 1 em Tóquio, assistência de Muller pela esquerda e gol de peito de Raí, que consolidaria a virada no segundo tempo em bela cobrança de falta.
Taticamente, algo muito próximo de um 4-2-3-1. Zetti no gol, Vítor e Ronaldo Luiz voando pelas laterais, Adilson e Ronaldão na zaga que era protegida por Pintado para que Cerezo armasse de trás e se juntasse ao quarteto ofensivo: Cafu aberto à direita, Raí e Palhinha soltos no centro e Muller como uma espécie de "ponta-pivô" pela esquerda. O camisa 7 dominava de costas para o lateral ou zagueiro adversário, girava rápido ou em um simples toque deixava os companheiros em condições de finalizar.
"O posicionamento daquele ataque comigo, Palhinha, Muller e Cafu surgiu naturalmente. O Telê Santana fazia muitos coletivos e repetições de jogadas. Como o Muller gostava de jogar pela esquerda, fazendo o pivô para o lateral e também para eu e o Palhinha que chegávamos de trás, essas jogadas começaram a sair naturalmente. Eu ficava centralizado e mais avançado que o Palhinha, mas não era o centroavante. Com tempo e treinamento a gente aprimorou a movimentação e o Telê, digamos, achou uma ‘fórmula' que deu certo", explica Raí.
As tabelas ou triangulações eram rápidas, envolventes. Futebol artístico e eficiente aprimorado nos muitos treinamentos coletivos. "Telê era exigente e treinava muito. Especialmente coletivos, que não vemos mais os treinadores atuais fazendo. Parava, repetia, pegava no pé para todos nos aperfeiçoarmos", lembra Zetti.
Reprodução TV Bandeirantes
No gol de empate contra o Barcelona, cinco são-paulinos na área do oponente. Muller centrou e Raí escorou de peito.
No gol de empate contra o Barcelona, cinco são-paulinos na área do oponente. Muller centrou e Raí escorou de peito.
A perfeição chegou na primeira decisão da Libertadores de 1993. 5 a 1 sobre a Universidad Católica. Exibição técnica e tática irretocável. Seguindo os mesmos princípios: marcação avançada e pressionante em vários momentos, transição ofensiva muito rápida e o talento brilhando com simplicidade e rotação. No máximo dois toques na bola para desarticular a retaguarda rival.
De novo o quarteto ofensivo formado por Cafu, Raí, Palhinha e Muller. Desta vez liberado por dois volantes marcadores: Dinho e Pintado. Necessários para cobrir Válber e Gilmar, dois novos zagueiros que gostavam de apoiar. Time ousado, mas equilibrado. Imparável.
Fala Raí: "Foi mesmo o nosso esplendor. No final, um jogador do Universidad Católica veio me parabenizar e disse que nosso time era um fenômeno, que nunca tinha visto nada igual." Não mesmo. Foi a maior goleada da história das finais de Libertadores. Que transformou em mera formalidade a derrota por 2 a 0 em Santiago que confirmou o bi incontestável.
Olho Tático
A perfeição na execução do 4-2-3-1: laterais voando, até zagueiros apoiando e o quarteto ofensivo aterrorizando a defesa adversária.
A perfeição na execução do 4-2-3-1: laterais voando, até zagueiros apoiando e o quarteto ofensivo aterrorizando a defesa adversária.
Em Tóquio, time muito mexido. Sem Raí, com Cafu de volta à lateral-direita, Cerezo mais avançado e protegido por Dinho e Doriva. André pela esquerda liberando Leonardo no meio-campo e Palhinha se juntando a Muller na frente. Algo mais próximo do típico 4-2-2-2 dos anos 1990.
Olho Tático
O 4-2-2-2 sem Raí na final do Intercontinental contra o Milan: Palhinha mais avançado, quase como atacante, se aproximando do decisivo Muller.
O 4-2-2-2 sem Raí na final do Intercontinental contra o Milan: Palhinha mais avançado, quase como atacante, se aproximando do decisivo Muller.
Mas ainda sem centroavante, embora Muller tenha achado o gol decisivo como um típico camisa nove rompedor. E sortudo, na bola que bateu no seu calcanhar e entrou após disputa com Franco Baresi e o goleiro Rossi. A última tentativa de surpreender com lançamentos às costas da defesa o time italiano, que adotava a tática de impedimento. Letal (Veja a íntegra da partida no vídeo abaixo).
Coroação do trabalho de Telê Santana, uma unanimidade entre seus comandados. "Fui um privilegiado por fazer parte daquela geração no São Paulo e por ter sido comandado pelo Telê, que tirava o máximo de cada jogador. Era algo realmente impressionante", ressalta Zetti.
Muller também lembra com saudade: "Minha melhor recordação daqueles tempos não é de nenhuma conquista em especial. É de quando acabava o treino, o Telê sentava conosco para conversar, contar histórias, dar conselhos. Sabia a hora de impor respeito e de dar liberdade.Era um grande pai e um grande profissional. Morava no clube, respirava futebol. Ficou cinco anos no São Paulo e ganhou tudo".
Telê ainda venceria outros torneios até deixar o clube em janeiro de 1996. Em 410 jogos, venceu 197, empatou 122 e sofreu 91 derrotas. Apenas 57% de aproveitamento em uma trajetória irregular.
Mas que viveu o ápice do melhor e maior time da história do clube mais vencedor do Brasil naquele início de tarde fria no Japão e madrugada quente para os tricolores paulistas. Inesquecível.