Fico sabendo, por alguns jornais, que o Maracanã reviveu domingo seus grandes dias de Fla-Flu. Mas como? Com meros 38.715 pagantes, num estádio onde cabem 78.838, ou seja, mais que o dobro, como pode este clássico ter revivido um espetáculo que, desde que o Maracanã existe, sempre se caracterizou por plateias à altura de sua tradição.
É verdade, o jogo foi disputado, bom na maior parte do tempo, com o Flamengo sempre melhor e merecendo a vitória sobre um Fluminense perto de ruim. As torcidas cantaram, entoaram gritos de guerra e paz, fizeram a sua parte. Mas, como vi o jogo pela TV (e as câmeras de agora já não nos dão uma visão ampla do estádio, como acontecia antes de ele virar arena), não pude ver nem sentir a carga de emoção que, repito, alguns jornais me passaram sobre este Fla-Flu.
Como sou de outros tempos, volta e meia recorro à memória para entender o presente. Não que seja saudosista. Costumo dizer, e repetir, que o saudosista e o modernoso são dois chatos que se opõem, de modo que me empenho muito para não ser nenhum dos dois. Mas lembrar certos momentos podem ajudar a rever alguns conceitos emitidos por aí. Como o que compara o último Fla-Flu aos grandes Fla-Flus.
No dia 15 de junho de 1969, um domingo, a turma do "Jornal do Brasil" levou o jornalista escocês Hugh McIlvanney para ver o Fla-Flu decisivo do Campeonato Carioca. No Maracanã, claro. Ele já havia estado lá na quarta-feira, de noite, para cobrir para o "Observer" o amistoso entre Brasil e Inglaterra, aquele em que Tostão marcou o gol da vitória (2 a 1) caído diante de Gordon Banks. Mas um amistoso entre Brasil e Inglaterra, de noite, jamais terá a mesma força visual e emocional de um grande Fla-Flu à luz do sol.
O cicerone de Hugh ao estádio foi João Saldanha, então treinador da seleção brasileira. O jornalista escocês levava uma missão que nosso amigo comum José Inácio Werneck lhe dera: escrever um artigo para ser publicado numa das páginas de esporte do "Jornal do Brasil". E assim foi. Público daquele Fla-Flu? Digo logo para que se entenda melhor o primeiro parágrafo do artigo: 171.599 pagantes.
"Enorme, esmagador, capaz de transformar em carnaval um espetáculo de futebol, o Maracanã é já uma lenda entre os torcedores do mundo. A realidade contudo é muito maior. Quando subíamos o elevador para o sexto andar, João Saldanha virou-se e disse: "É fantástica a hora em que as portas se abrem e sofremos o impacto da multidão". Alguns segundos mais tarde as portas se apartaram e de súbito o ruído, a cor, a excitação puramente animal do momento nos atingiram. Tudo mais naquela tarde foi em consequência disto. A memória que em mim para sempre ficará do Fla-Flu e, mais, do próprio futebol brasileiro, será desta enorme, pungente, feliz experiência humana".
É nessas horas que é impossível não ser saudosista.