quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Anzhi: o início, o fim e o meio de um novo rico

Anji
Suleyman Kerimov segue bilionário, mas sua fortuna está diminuindo
Suleyman Kerimov segue bilionário, mas sua fortuna está diminuindo
Quando o Anzhi Makhachkala anunciou a contratação de Roberto Carlos em agosto de 2011, o mundo passou a conhecer esse pequeno clube russo. Fundado em 1991, com uma breve experiência anterior na primeira divisão e localizado em uma das regiões mais problemáticas e perigosas do planeta, o Cáucaso. O lateral-esquerdo nem foi a primeira contratação da era bilionária do Anzhi, antes alguns já haviam chegado e depois chegaram tantos outros. Ao todo, até hoje, já foram gastos quase 200 milhões de euros em reforços, e assim o mundo conheceu também Suleyman Kerimov.
Aos 47 anos, o bilionário russo, originário da República do Daguestão, criou um império no país. Formou-se em engenharia civil e economia no final dos anos 1980. Ingressou no mercado de trabalho soviético na sequência, obteve altos postos nas empresas e com o colapso da União Soviética passou a investir em financiamentos para o setor industrial. Com bons contatos, obteve grandes acordos que, com a estabilização da economia, deram partida em sua fortuna atual, estimada em 7,1 bilhões de dólares. Em 2011, recebeu do Daguestão o Anzhi com a missão de tirar o clube do buraco. Tirou, só que agora o dinheiro diminuiu.
Como qualquer bilionário, Kerimov seguiu investindo cada vez mais, diversificando seus negócios, buscando parceiros, pegando empréstimos, enfim, multiplicando seus bilhões. O cenário internacional de crise, porém, balançou suas intenções, e no final de julho o fim de um acordo comercial na área de potássio com uma empresa bielorrussa lhe fez perder, em um único dia, 500 milhões de dólares em ações. A parceria entre sua empresa, a Uralkali, e a Belaruskali lhe rendia um domínio absoluto do lucrativo mercado mundial de potássio, de onde vem também Dmitriy Rybolovlev, proprietário do Monaco (mas essa é outra história...). A queda do preço da mercadoria de 1000 dólares/tonelada para 400 dólares/tonelada obrigou Kerimov a uma mudança radical em seus investimentos.
Essa longa introdução, que mais parece uma matéria de economia, foi necessária para explicar os reais motivos por trás da decisão de Suleyman Kerimov em reduzir os gastos com o Anzhi Makhachkala. Na terça-feira, 6 de agosto, a imprensa russa noticiou a intenção do bilionário em cortar os absurdos investimentos no clube e vender todas suas estrelas internacionais, como Samuel Eto'o, Willian, Lassana Diarra, Mbarak Boussoufa, entre outros, além dos russos da seleção, como Vladimir Gabulov, Aleksandr Kokorin e Igor Denisov. Com o passar das horas, as notícias foram se confirmando parcialmente, até hoje o Anzhi divulgar um comunicado oficial.
Neste texto elaborado pelo clube, como em qualquer outro feito por qualquer clube do planeta, pouco conteúdo e muita enrolação. De concreto a confirmação da mudança de política nos gastos, alegando exigências do Fair Play Financeiro da Uefa, a priorização das categorias de base e a reiteração dos acordos assinados com todos atletas. Houve, também, uma crítica às estrelas internacionais: "É preciso admitir que os passos dados anteriormente, que resultaram em conquistas esportivas mais rápidas com grandes contratações, não deram certo. Isso foi provado também nas primeira partidas do Campeonato Russo desta temporada".
Sim, é verdade que o Fair Play Financeiro exigirá muitas mudanças; É verdade também que Kerimov ficou extremamente insatisfeito com os últimos resultados e decepcionado com o clima ruim entre muitos jogadores; E é verdade também que sua saúde piorou nas últimas semanas, conforme foi noticiado na terça-feira, relacionando principalmente esse fato a sua desistência de investimento no clube. Todos esses fatores colaboraram para a decisão, mas o primordial foi outro. Foi a necessidade urgente de reduzir investimentos diante da crise internacional e o fim de seu império no potássio.
Desde terça-feira à noite conversei com pessoas ligadas ao Anzhi e jornalistas russos para obter informações e entender o que está acontecendo no clube. Além do que relatei acima, descobri mais.
Suleyman Kerimov vai, sim, vender seus principais jogadores. Samuel Eto'o, porém, deve ficar, porque tem contrato até junho de 2014 e já recebeu todo o valor que tem e terá direito nos próximos meses adiantado. Ou seja, já está pago. Lembrando que o camaronês tem o maior salário do mundo no futebol, 20 milhões de euros anuais. De qualquer modo, se algum clube bancar esse valor e mais alguns milhões, pode haver negócio. Não é um cenário impossível diante da atual situação. Dirigentes do Anzhi e o presidente do Conselho do Estado do Daguestão, Magomedali Magomedov, negam essa possibilidade.
Aleksandr Kokorin, Yuri Zhirkov e Igor Denisov devem ser negociados com o Dynamo Moscou, que tem novo proprietário, Boris Rotenberg, e está repleto de dinheiro para ser torrado - o que pode resultar em mais jogadores do Anzhi no eterno clube de Lev Yashin. Lacina Traoré foi especulado no Zenit São Peterbusrgo, mas ainda não há qualquer negociação. Além deles, Lassana Diarra, Christopher Samba e Mbarak Boussoufa devem ser negociados também.
Sobre os brasileiros: João Carlos não treinou na quarta, assim como outros atletas internacionais já citados (Eto'o, Samba e Diarra). Jucilei está na lista de negociáveis, junto com Willian. Este último é quem deve render mais dinheiro a Kerimov, já que o clube investiu 35 milhões de euros nele em janeiro, pagando a multa rescisória ao Shakhtar Donetsk e superando a forte concorrência inglesa.
Outra evidência de que Willian será negociado foi passada a este jornalista por uma fonte: o Manchester City ofereceu há alguns dias 40 milhões de euros pelo meia-atacante brasileiro. A oferta foi recusada, mas isso aconteceu antes da crise internacional do potássio e a consequente redução da fortuna de Kerimov, com péssimas perspectivas à frente. É muito provável que o City volte à carga, assim como outros grandes do futebol mundial. Logo, Willian não deverá seguir na Rússia.
Por fim, entre tudo que apurei, o novo orçamento do Anzhi ficará entre 50 e 70 milhões de euros anuais. Dinheiro que servirá para tudo: salários de jogadores, comissão técnica, diretores, funcionários do clube, taxas da Federação Russa, enfim, será a verba disponível.
Assim, dentro dessa realidade, o clube anunciou na quarta a contratação do veterano técnico Gadzhi Gadzhiev. Na verdade, recontratou o ex-assistente técnico da URSS na Olimpíada de 1988, já que esta será sua terceira passagem por Makhachkala. Desta maneira, o ex-assistente de Guus Hiddink, René Meulensteen, foi embora, acabando com a comissão técnica internacional do Anzhi e já preparando o time para o trabalho forte com a base. Aliás, fica a dúvida se Hiddink soube de algo ou teve alguma suspeita sobre o que estava por vir quando pediu demissão em julho.
Segundo o meia Willian, por meio de sua assessoria de imprensa, os jogadores foram apenas comunicados sobre a troca de técnicos e a saída do tradutor nesta semana. Nada ainda sobre a mudança radical dos planos do Anzhi. O que não corresponde muito com o que já está acontecendo, vide a ausência dos jogadores citados no treino de quarta, por exemplo.
No final das contas, o Anzhi deixa de ser uma potência econômica e passa a ser um clube russo de bom porte. Isso analisando o presente, com tudo que está acontecendo. O orçamento de 50 milhões a 70 milhões de euros garante tranquilidade ao clube (4,2 milhões a 5,9 milhões por mês). Além disso, um novo e moderno estádio foi inaugurado há pouco tempo e a estrutura da base do Anzhi é nova e pode render bons frutos. Só que essa situação está longe de ser garantida, afinal, basta um novo colapso na fortuna de Kerimov para ele cortar ainda mais investimentos e o "clube russo de bom porte" virar pequeno de novo.

Essa é a lógica capitalista a qual esses clubes com bilionários como proprietários estão sujeitos. De um dia para o outro, com a redução do preço de um produto, tudo pode mudar.
Normalmente, a maioria dos torcedores desses clubes fica feliz com os novos investidores. Afinal, no caso do Anzhi por exemplo, chegaram Roberto Carlos e Samuel Eto'o, dois dos maiores jogadores da história do futebol. O time foi terceiro colocado do Campeonato Russo e vai disputar a Liga Europa nesta temporada. A estrutura do clube melhorou. Mas, no fundo, no fundo, o Anzhi sempre foi apenas um brinquedo para Suleyman Kerimov.
Isso não significa que Suleyman Kerimov seja o vilão da história. Repito: essa é a lógica capitalista. Não dá lucro? Vende. Estou perdendo dinheiro? Cortem os investimentos. Sem dó.
Kerimov - dono de um dos maiores iates do mundo - possui uma fundação com seu nome que investe desde 2007 muitos milhões em ajuda social. Fundação que foi criada após ele quase morrer em um acidente automobilístico. Nas ruas de Nice, bateu sua Ferrari, que se incendiou e quase o matou. Passou, então, a praticar filantropia, além da política. É forte alido do Governo Putin. Esses motivos políticos indicam que Kerimov não deverá abandonar completamente o clube, afinal, o futebol ainda é uma excelente plataforma.
Ao Anzhi caberá seguir a vida. Os torcedores permanecerão, provavelmente sem as regalias que lhes eram oferecidas, como ônibus grátis para os jogos na região e muitas vezes voos para Moscou. Os jogadores seguirão vivendo na capital russa e viajando para as partidas em casa, em Makhachkala. Até quando? Talvez até todas estrelas internacionais saírem. Aí o novo grupo de atletas terá nova moradia. Os presentes certamente sumirão, presentes como o que Roberto Carlos recebeu quando completou 38 anos: um Bugatti Veyron, avaliado em cerca de 1,8 milhão de euros. Será uma nova realidade.
Enquanto isso, novos milionários e bilionários russos, árabes, chineses, indianos, malaios surgem nos mais variados clubes de futebol. Invadem o esporte bretão, motor da paixão de milhões, razão de viver de muitos, o esporte da massa.
Nunca vão me convencer a gostar disso.