terça-feira, 15 de maio de 2012

A beleza da retranca é menor que a dos gols de uma virada. Obrigado, futebol

Encerrado o épico cotejo que fechou o incrível campeonato inglês 2011/2012, embarcamos em seguida para Munique. Aqui a equipe dos canais ESPN fará nos seis próximos dias, a partir de hoje, a cobertura da decisão da Uefa Champions League. Mas antes de mergulharmos em Bayern x Chelsea, é preciso concluir a página que ainda não foi virada e jamais será esquecida por quem acompanhou, torceu, vibrou, se emocionou com Manchester City 3 x 2 Queens Park Rangers.

Minha paixão pelo futebol não é seletiva. Jamais fiz parte do grupo dos que só admiram o drible, o belo lançamento, a jogada de efeito, o lance ofensivo. Gosto disso tudo, é óbvio, sem deixar de admirar o desarme na bola, o bote preciso do zagueiro, a marcação bem feita. O carrinho cirúrgico do volante que sai na cobertura e desliza no gramado para tomar a bola, limpa, de quem parecia próximo de colocá-la nas redes do seu time. O jogo defensivo também é futebol e pode ser enaltecido, como a defesa espetacular do goleiro. O objetivo aí é um só: impedir o gol.

E ainda bem que existem aqueles que o dificultam, que fazem do tento, do ponto no futebol o mais difícil, árduo, trabalhoso, sofrido, duro, valorizado, saboroso, emocionante, inesquecível. Nenhum outra modalidade esportiva é assim. Esse é um jogo no qual se duela por 90 minutos para empurrar a pelota entre três traves. E fazer isso uma só vez pode ser o bastante para provocar nas pessoas as mais surpreendentes reações e transformar o autor da proeza num quase Deus naquele momento. Quem não tem guardado na memória e no coração uma peleja vencida pela contagem mínima?

E por não depender de muitos pontos para nos proporcionar um grande espetáculo, o futebol é tão apaixonante, sedutor. E fica ainda mais quando ocorre a mescla do jogo defensivo eficiente, disciplinado, de superação, heróico até, com gols, mudanças no placar, desfechos imprevisíveis e tensão. Tudo isso foi apresentado em doses industriais na partida que definiu a conquista do título inglês pelo Manchester City. Uma carga de emoção tamanha que faz o jogo voltar à mente a todo instante.

O QPR precisava de um ponto. Como o Chelsea ante o poderio do Barcelona, se entricheirou, tal e qual um exército que defende sua fortaleza. Conseguiu na maior parte do tempo, apesar da clamorosa falha do arqueiro Kenny no primeiro gol dos Citizens. E ainda saiu para apunhalar o adversário com dois golpes aparentemente fatais, que resultaram no par de tentos alcançado em apenas três finalizações durante todo o embate. Uma quase perfeita exibição defensiva. Admirável, elogiável, exemplar. Sim, trata-se de estratégia legítima, digna, que além de tudo desafia o time tecnicamente superior a superar a barreira posta diante dele.

O Barça tentou, mas não foi capaz de passar pelo que os ingleses definiram como "o ônibus que o Chelsea colocou em frente ao seu gol". O Manchester City rompeu a barreira armada pelo valente Queens Park Rangers. Na força, na técnica, no coração. Não, num momento como esse, de celebração do futebol e seus mistérios, com roteiros inimagináveis e farta emoção, me recuso a debater a origem do dinheiro que montou essa equipe.

Algo que pode, sim, ser discutido. Como a ISL no Flamengo e no Grêmio, Emil Pinheiro no Botafogo, Kia no Corinthians, Unimed no Fluminense, Glazer no Manchester United, Berlusconi no Milan, Morati na Inter, Abramovich no Chelsea, John Henry no Liverpool, a Fiat na Juventus, Marcelo Teixeira no Santos, etc. Pode mas não será discutido agora, hoje, neste post, neste blog. É hora de reverenciar o melhor dos esportes após mais um grande presente que nos deu.

O jogo defensivo tem lá seus encantos. E não é fácil executá-lo em nível tão elevado a ponto de parar a artilharia pesada que, sim, o dinheiro árabe comprou para os Citizens. O QPR conseguiu por mais de 90 minutos, caiu nos acréscimos e o estupendo final nos mostrou que a beleza da retranca é menor do que a dos gols de uma virada. Neste domingo os jogadores que nos proporcionaram tamanho espetáculo foram os herois do esporte rei, o futebol, melhor invenção do homem. Tão bom que foge da compreensão como alguém pode ser capaz de não gostar dele.

É mais do que um jogo. Assim, só me resta dizer, com a humildade dos times que se reconhecem inferiores e se defendem como podem: muito obrigado!