sexta-feira, 27 de abril de 2012

Mesa-tenista para fugir de bronca da mãe, 'falsa japonesa' Lígia Silva vai à 3ª Olimpíada

Ela não tem olhos puxados como a maioria dos mesa-tenistas. Ela também não entrou no esporte por influência familiar desde cedo. Mesmo assim, Lígia Silva hoje já tem o tênis de mesa no sangue, se inspira na cultura dos orientais e vai disputar em Londres a terceira Olimpíada da carreira.

Nesta sexta-feira, na série especial de reportagens olímpicas que o ESPN.com.br está publicando diariamente, a personagem é um amazonense da capital Manaus, de 31 anos, que atualmente vive na cidade de Santos, onde treina duro para os Jogos e ainda trabalha como professora de educação física ajudando crianças carentes. Mesmo em um esporte dominado pelos chineses no qual o Brasil tem poucas chances de medalhas olímpicas, Lígia já teve suas conquistas na vida.

Lígia Silva vem de família simples, tem sete irmãos e começou a jogar tênis de mesa de uma maneira pra lá de curiosa. Ela queria mesmo era fazer natação, esporte que mais gostava como criança, mas acabou com a bolinha e a raquete nas mãos para escapar de uma bronca da mãe.

"Comecei com 12 para 13 anos, foi totalmente por acaso. Eu gostava muito de natação e fui me matricular na Vila Olímpica de Manaus, mas a única vaga aberta era para tênis de mesa. Eu tinha que chegar em casa com a carteirinha de alguma modalidade, senão o couro ia comer com minha mãe. Eu era muito danada, e minha mãe queria que eu fizesse algum esporte. Então, teve que ser o tênis de mesa mesmo. Quando cheguei em cada com a carteirinha, minha mãe disse: 'Ufa, estou livre'", contou, aos risos, Lígia Silva, em entrevista ao ESPN.com.br.

Lígia Silva vai disputar em Londres a terceira Olimpíada da carreira
Lígia Silva vai disputar em Londres a terceira Olimpíada da carreira
Crédito da imagem: Divulgação
Os primeiros passos não foram fáceis. Lígia ficou um bom tempo treinando sozinha até aprender os movimentos básicos. "Eu treinava em frente ao espelho, sem bolinha mesmo, só para pegar os movimentos, a coordenação motora", explicou. Depois, quando foi de fato para a mesa, percorreu o caminho da maioria dos esportistas até atingir o alto nível. Virou federada, passou pelas categorias de base, foi campeã de torneios escolares, regionais e estaduais.

Aos 17 anos, buscando competições maiores, melhorar o desempenho e já sonhando com Jogos Pan-Americanos e Olímpicos, Lígia Silva foi convidada por dirigentes da seleção brasileira e se mudou para a cidade de Santos, no litoral Sul de São Paulo, onde mora até hoje. Lá, também teve conquistas em diversas competições e lidera o ranking nacional desde 1999.

O primeiro Pan da amazonense foi em 1999, em Wnnipeg, quando ela ainda tinha 18 anos. Depois, Lígia Silva também disputou as Olimpíadas de Sidney, em 2000, e de Atenas, em 2004. Não foi a Pequim-2008 pois não recebeu indicação técnica da CBTM (Confederação Brasileira de Tênis de Mesa), mas garantiu vaga em Londres-2012 ao vencer a seletiva olímpica realizada em março deste ano no Rio de Janeiro.

Em um esporte que exige concentração, frieza e calma, Lígia Silva explica que adquiriu essas características se espelhando nos orientais, mestres do tênis de mesa. Convivendo há anos com japoneses, chineses ou descendentes e se dizendo fã de Hugo Hoyama, dono de dez medalhas de ouros em Pan-Americanos, Ligia até se diz uma japonesa atualmente.

"Me sinto uma falsa japonesa, no sentido positivo. A gente aprende a cultura deles, o jeito deles, e minha educação nesse tempo todo vem muito deles. Eles são muito calmos, certinhos e concentrados", afirmou.

Lígia treina cinco vezes por semana cerca de quatro horas por dia e conta que está recebendo apoio total da confederação na preparação para a Olimpíada de Londres. Mas a vida da mesa-tenista brasileira não se resume aos treinamentos. Formada em educação física em uma universidade de Santos em 2004, ela trabalha diariamente na Prefeitura da cidade dando aula para crianças carentes.

"Abracei este trabalho porque não me atrapalha em nada e ainda posso servir de espelho para as crianças. Eles pensam: 'A Lígia veio do nada, cresceu e é um ser humano igual à gente'.  Acho que é importante eu fazer esse papel, ajudar a quem precisa. Acho que os ídolos no Brasil hoje são muito ausentes", disse Lígia.