segunda-feira, 18 de julho de 2011

Fair-play financeiro: morto antes mesmo de começar?

Acabar com a vantagem desmedida de clubes com donos bilionários e proteger outros times do risco de falência por causa de gastos descontrolados. Estas são as duas principais razões para a Uefa implantar o regulamento conhecido como "fair-play financeiro", que exigirá dos clubes participantes de competições europeias que gastem dentro de suas possibilidades de receita.

A temporada 2011/12 será a primeira considerada pela entidade que controla o futebol europeu, que pretende advertir os clubes fora da norma em 2013/14 e exclui-los dos torneios a partir da temporada seguinte. Leia este post de fevereiro para entender como será feita a implantação gradual.

O fato é que, onde há regras, há sempre gente pensando em como fazer para driblá-las. E se não houver uma maneira de fiscalizar adequadamente o fair-play financeiro, a ideia pode já nascer morta. O que impediria os donos dos clubes de inflar contratos de patrocínio ou comprar produtos superfaturados para maquiar os balanços a serem apresentados à Uefa.

O alerta veio na última semana, com o anúncio de um contrato de 400 milhões de libras (cerca de R$ 1 bilhão) entre o Manchester City e a Etihad, companhia aérea situada em Abu Dhabi, de onde também é o consórcio liderado pelo sheik Mansour que adquiriu o clube em 2008. De acordo com o City, o contrato inclui os naming rights do estádio City of Manchester, que passará a levar o nome da Etihad, o patrocínio de camisa e a construção de um novo centro de treinamentos.

A fiscalização prevista pela Uefa prevê que negócios fechados com partes próximas ao clube têm de ser avaliados por especialistas em mercado, para que se saiba se o valor previsto em contrato está dentro da realidade. Se a avaliação for negativa, será deduzida da contagem a parcela excedente do valor.

O problema é que, em contratos como o do City, que têm um valor global por mais de um benefício, a conta fica mais complicada. No caso da construção do CT, o valor não pode ser computado como gasto para o fair-play financeiro, já que investimentos em estrutura (considerados "gastos virtuosos") não são considerados.

Como era de se esperar, o megacontrato do Manchester City já gerou gritaria nos rivais da Premier League. Arsène Wenger, técnico do Arsenal, que não foge de uma boa briga, atacou: "A credibilidade do fair-play financeiro está em jogo. Para que ele tenha uma chance, o patrocínio tem de estar no valor do mercado. Não pode ser duplicado, triplicado ou quadruplicado".

As palavras de Wenger encontraram eco em Ian Ayre, diretor administrativo do Liverpool. "Etihad, City e o sheik Mansour são partes relacionadas? Se são, a Uefa precisa decidir sobre eles. Os caras da Uefa que estão cuidando disso prometeram um processo adequado sobre transações do tipo", disse Ayre ao jornal The Independent.

O City, por sua vez, nega que os valores veiculados na imprensa sejam reais e declara publicamente apoio à implantação do fair-play financeiro. Por isso, considera "infundados e lamentáveis" os comentários vindos dos outros clubes.

Para efeito de comparação, o contrato do Arsenal com a Emirates, em vigor desde 2006, vale 100 milhões de libras (cerca de R$ 250 milhões, pela cotação atual) por 15 anos de naming rights do estádio e oito anos de patrocínio na camisa.

O fair-play financeiro é uma bandeira gigantesca da administração de Michel Platini na Uefa, e seu fracasso seria uma importante derrota política do francês. Por isso, todas as armas para que a fiscalização seja firme e justa têm de ser usadas desde já.