terça-feira, 15 de julho de 2014

Drible, lançamento, jogo coletivo...ideias para resgatar e modernizar a escola brasileira de futebol

O tema não é novo aqui no Olho Tático. A escola brasileira foi abordada em um momento de alta, logo após a conquista da Copa das Confederações. Quando se imaginava que a "fórmula" encontrada por Luiz Felipe Scolari no torneio seria aprimorada e encontraria novas soluções em um ano.
Engano. A seleção ficou mais engessada com Oscar e Hulk abertos para liberar Neymar do trabalho defensivo no 4-2-3-1. Má fase dos laterais que puxou Luiz Gustavo ainda mais para perto dos zagueiros e abriu uma cratera no meio que nem o Paulinho onipresente de 2013 seria capaz de cobrir. Muito menos Fernandinho.
Nos 7 a 1 sobre a Alemanha, a maior derrota do país cinco vezes campeão mundial. Em casa. Talvez o maior vexame da História do futebol, mesmo considerando a excelência alemã. Mas alguns "avisos" vieram antes: derrotas de Internacional e Atlético-MG para Mazembe e Raja Casablanca. Massacres do Barcelona sobre o Santos em 2011 e 2013. Nada parecido com a hecatombe do Mineirão.
O que fazer? Difícil vislumbrar algo concreto e imediato em um cenário com as mesmas figuras comandando a CBF. E não há um plano de gestão, incluindo mudanças no calendário, para iniciar agora pensando em resultados a médio ou longo prazo como fizeram os alemães. O técnico que assumir no lugar de Felipão terá que mostrar resultado no primeiro amistoso. Se for estrangeiro ainda vai ter que enfrentar o corporativismo e a vaidade de boa parte dos colegas brasileiros.
Mas há luz no fim do túnel. Já se vê na Série A do Brasileiro uma pequena, mas notável,evolução tática. Talvez a volta do sistema com três zagueiros no Mundial com Costa Rica, México, Chile e Holanda influencie alguns treinadores a resgatar o encaixe na marcação e o vazio no meio-campo mais presentes na seleção de Van Gaal. A tendência, porém, é que os times que investem em compactação e mais posse de bola se imponham. Como a campeã Alemanha
Nas divisões de base dos clubes há profissionais estudiosos que podem começar a quebrar alguns paradigmas do futebol brasileiro como "garoto não tem que trabalhar taticamente, deve jogar solto!" Como se a tática não fizesse parte da essência do jogo. Para ter a bola é preciso tomá-la ou forçar o oponente a errar. Atacar requer um mínimo de organização. Futebol é um jogo de administração de espaços. Na pelada, na rua, no campo. Em qualquer idade.
Também de fundamentos. Passe, cruzamento, finalização com os pés e a cabeça. É o momento em que "boleiros" e "teóricos" podem deixar as rixas de lado e trabalharem juntos, unidos aos preparadores, fisiologistas, psicólogos, médicos... Os profissionais especializados trabalham o cognitivo, a tomada de decisões no campo com a ajuda de métodos pedagógicos, os treinamentos mais complexos amparados pela Ciência. Os ex-jogadores, aqueles sem formação, podem ensinar a melhor forma de bater na bola e estimular o lúdico e o improviso. Ambos fundamentais.
Outra união importante é do conhecimento. Trazer Guardiola, Mourinho, Ancelotti, Heynckes e Klopp para falar sobre futebol. Não ensinar, mas trocar idéias. No país que ainda traz as crônicas de Nelson Rodrigues nos anos 1960 como guia em 2014, que acha que nada tem a aprender, que acredita que tudo se resolve com fibra e brilho individual, é primordial lembrar: o esporte é coletivo. O talento ainda decide, mas há cada vez menos espaços e mais informações sobre os craques: como e para onde driblam, qual a força e direção de seu chute...Tudo! Então o time também precisa trabalhar para que a estrela fique um pouco mais livre. Movimentação, dinâmica. Intuição, mas também razão.
Os melhores técnicos do mundo podem ajudar a ressaltar a importância do trabalho associativo, de coordenação dos setores, movimentações para arrastar a marcação, fechar e abrir linhas de passes, criar superioridade numérica. Setores próximos, sem zagueiros afundados perto do goleiro para "guardar a casinha". 
Assim como a importância defensiva dos laterais na marcação por zona, as diagonais de cobertura. Como bem diz Tite: "lateral no Brasil não pode prestar só se for à linha de fundo". Antes de tudo, ele é um defensor. No ataque é mais útil se surgir como elemento surpresa. Basta lembrar a festa alemã às costas de Marcelo. Com a velocidade e a intensidade dos novos tempos, não há como o zagueiro ou o volante sair toda hora na cobertura. Há muito a colaborar. Não é acaso que as melhores equipes coletivamente tenham vencido as últimas duas Copas.
Mas mesmo com todo esse clamor por modernização é possível olhar para trás e buscar "velhas" soluções que podem ser úteis hoje e voltar a fazer o futebol brasileiro protagonista.
O dilema atual é criar espaços. Todos funcionam melhor em transição, resposta. O contra-ataque. Se quase todos se defendem com linhas cada vez mais compactas e muitas vezes agrupando cinco ou seis jogadores na defesa, como furar? Até a campeã Alemanha se complicou. Reclamar eternamente dos "nove homens atrás da linha da bola" não parece muito inteligente.
O Brasil tinha, e esporadicamente ainda possui, dois recursos que foram sendo esquecidos ao longo do tempo.
O primeiro é o drible. Pelo flanco ou mesmo no centro. Obviamente longe da própria defesa, para um erro não gerar contragolpe do rival. Hoje parece restrito aos craques. Muitas vezes é tratado como menosprezo ao adversário e o álibi para a violência. Usado no momento certo, porém, pode desmontar a marcação. Individual, por setor ou zona. Porque tira um adversário do caminho, puxa a cobertura e quebra a organização. Alguém vai ficar livre.
Muitas vezes só precisa ser estimulado. Para citar um exemplo, Jayme de Almeida incentivou Paulinho a partir para cima, arriscar e driblar como um ponteiro "antigo". Com todas as suas limitações, foi fundamental na campanha do Flamengo campeão da Copa do Brasil do ano passado. Com direito a atuação de gala contra o Botafogo (veja no vídeo abaixo). Não é preciso esperar nascer outro Garrincha, se é que isso vai acontecer algum dia.

Outro é o lançamento. Desde os expoentes Didi, Gérson e Rivellino até Dicá, Pita, Delei, Geovani...Não precisa necessariamente ser o camisa dez, o meia talentoso. Melhor ainda se surgir de trás. Pirlo, Xabi Alonso, Xavi, Schweinsteiger, Kroos provam seguidamente que é possível usar o passe longo. Não a ligação direta, o chutão.


Funciona tanto na bola em profundidade, vertical, que explora os espaços às costas das defesas cada vez mais avançadas e em linha, como na mais horizontal, invertendo o lado da jogada. Se for feito com rapidez, atrapalha o balanço defensivo do oponente. Pode encontrar um companheiro livre ou criar superioridade numérica. Veja abaixo uma animação ilustrativa que mostra um exemplo de inversão que cria o dois contra um do lado oposto.

Às vezes aparece quando menos se espera. Como no passe de trinta metros de Paulinho para Neymar que terminou no gol de Fred sobre o Uruguai na Copa das Confederações. Também é questão de incentivo.
Para isso, passou da hora de matar essa divisão no meio-campo entre marcadores e criadores. Volante que marca e corre, meia que espera a bola e passa. No Brasil, já se cobra colaboração sem a bola dos meias. Mas criação dos "cães de guarda" ainda é tabu. Para muitos, o time pode ficar "faceiro".
Porque o conceito de marcação por zona, característica brasileira no passado, perdeu espaço para a individual por setor ou encaixe. Com o adversário como referência e não o espaço ou a bola, de fato o jogador que bloqueia (ou faz a falta) é muito importante. Mas o que ele faz com a posse? Se não tiver recursos técnicos será pressionado e desarmado ou rifará a bola no pé do adversário. É preciso jogar.
O jogo. Tema principal do debate sobre a escola brasileira. Para atualizá-la é preciso entender primeiro. Para que a identificação dos problemas não se resuma a "faltou raça" ou "apagão". Embora sejamos latinos e passionais, nem tudo é na base da emoção. Ou não pode ser.
Traços culturais e convicções não mudam do dia para a noite. Políticas arcaicas também não. Mas o futebol brasileiro está doente, em desempenho e resultados. Nem o "curandeiro" ou "xamã" Felipão encontrou a cura na Copa em casa. Não há mágica ou salvadores, a solução é trabalho. Unindo competências, aprendendo, estudando em busca de novas ideias. Em todas as áreas.
Passou da hora. Não depende só da CBF. Já há uma onda de mudança que só precisa de força para sair da base e atingir o topo. Não só o Bom Senso FC, mas todos que se importam de fato com o futebol cinco vezes campeão mundial. Pode partir de um clube bem sucedido, por exemplo. É caminho sem volta. Este blog dá sua humilde contribuição para gerar reflexão, buscar alternativas, propor ideias.
Não vai ser fácil. Mas quem disse que seria?