Já dei entrevista à BBC de Londres, à ESPN americana, à televisões do Uruguai e da Itália. Nesta terça-feira, na Biblioteca Nacional do Rio, falo para a TV pública japonesa. Em português, claro. O assunto é sempre o mesmo: a Copa do Mundo de 1950. Uma das poucas vantagens que a idade nos dá é ter visto o que a maioria das pessoas não viu. O que não quer dizer tanto, já que minhas memórias daquele tempo são muito mais emocionais do que visuais. Lembro-me bem das coisas que senti, no futebol e na vida, mas pouco da forma que tinham. O gol de Ghiggia, por exemplo. Sei mais dele pelo que revejo nos maus filmes da época (não havia televisão e os câmeras de cinema eram péssimos) do que por ter sido uma de suas 200 mil testemunhas oculares.
O que mais sei da Copa de 1950 me veio das leituras posteriores, sobretudo o ufanismo da imprensa que nos fazia crer que o Brasil seria um grande país se se sagrasse campeão. Tínhamos o maior estádio do mundo, a melhor seleção do mundo, o futuro mais promissor do mundo. Tínhamos até Deus como compatriota. Só faltava, para sacramentar tudo, a vitória final e... a taça de ouro.
Muito do que sei devo, também, a personagens daquele terrível epílogo, com os quais conversei sei lá quantas vezes: Zizinho, Ademir, Danilo, Jair, Barbosa e Nílton Santos, este mais um espectador do que personagem. Noventa por cento do que sei sobre os mistérios do futebol (100 por cento ninguem sabe) devo ao que aprendi com a Copa de 1950, à leitura, às conversas, à experiência, mas não ao que vi.
Por isso saio sempre frustrado dessas entrevistas em que gente de fora, indicadas por amigos, quer saber de mim. Nunca tenho a certeza de que passo corretamente a ideia do que me ficou: um país com pouco do que se orgulhar apostando todas as suas fichas de grandeza numa vitória que lhe escapou. Que esses entrevistadores entendam a maior lição que aprendi: o Brasil, ou qualquer outro país, não se torna melhor ou pior por ganhar ou perder a Copa do Mundo. Uma prova? Foi depois de sermos bicampeões mundiais em 1958-1962 que mergulhamos nas trevas por longos 20 anos.