terça-feira, 26 de julho de 2011

O ''algo mais'' da seleção uruguaia

A vitória do Uruguai na Copa América trouxe de volta à memória fatos reprimidos no inconsciente futebolístico da nação brasileira. Falo da derrota da seleção brasileira em 1950, o chamado Maracanazo. Não que a história recente tenha muitos pontos de contato com aquela Copa do Mundo, a primeira, e até agora a única, realizada no Brasil. Aquela, nós perdemos para os uruguaios, na final mais dolorosa de todos os tempos. Nesta muito mais humilde Copa América, fomos apenas desclassificados na humilhante série de pênaltis diante do Paraguai.

A ponte entre os dois tempos é a tal da "raça", o espírito uruguaio, que, de tão forte e consistente, seria capaz de definir jogos e inclinar resultados em favor da Celeste Olímpica. Essa mesma determinação que os uruguaios teriam de sobra e a nós faltaria. Muita gente falou nesse assunto após a vitória, incluindo aí Diego Lugano, de quem os são-paulinos têm muita saudade, e que simbolizaria, como ninguém, esse estado de espírito. Em entrevistas, Lugano exaltou muito mais o espírito da equipe, a união e inabalável vontade de vencer do que propriamente o futebol mostrado em campo. Eu diria que, mais que discurso ufanista, foi uma fala realista do Diego Lugano. Ou alguém acha que o Uruguai exibiu um futebol de sonhos nessa paupérrima (do ponto de vista técnico) Copa América?
Muita gente, também, entrou em campo para desqualificar o espírito de sacrifício e a determinação como fatores primordiais para explicar a vitória uruguaia. Ora, é chover no molhado. Claro que não adianta reunir onze cabeças de bagre raçudos e dar-lhes a obrigação de ganhar jogos e torneios. A chamada "raça" é apenas aquele algo mais que pode fazer a diferença quando você tem os outros ingredientes disponíveis, a técnica, a tática, a inteligência do jogo, etc. É um plus, nunca um fator determinante em si. Mas esse fator extra que, isolado, pouco quer dizer, pode significar apenas a diferença entre perder ou ganhar uma partida decisiva. Por isso, sinto dizer aos comentaristas mais "técnicos", quem o ignora corre o risco de não entender nada da essência do futebol.
Não entender sequer o que acontece dentro de campo como, em especial, o que se passa fora, aquilo que extrapola as quatro linhas e ressoa na psicologia de um povo. Essa firme dignidade, expressa em campo, parece representar muito bem o povo uruguaio, país pequeno, apenas 3 milhões de pessoas, espremido entre dois gigantes sul-americanos e mantendo suas características próprias com serenidade.
Em 1950, esse traço de caráter foi simbolizado por Obdúlio Varela, o comandante da vitória sobre o Brasil. Quem quiser saber dele, leia o fundamental Futebol ao Sol e à Sombra, de Eduardo Galeano. São páginas de antologia. Entre outras histórias, Galeano conta que, após o jogo, Varela não quis comemorar com os dirigentes uruguaios, que desprezava, e saiu sozinho pela noite do Rio de Janeiro. Andou pelos bares, bebeu e consolou brasileiros entristecidos, que não o reconheceram pois naquele tempo não havia televisão e os rostos não eram tão manjados.
Obdúlio jogou como guerreiro naquela tarde de 16 de julho de 1950, mas morreu respeitando os adversários brasileiros. Da mesma forma que Gigghia, autor do segundo e decisivo gol daquela partida e que se recusava a comentar seu feito para jornalistas brasileiros "em sinal de respeito". Respeito ao Brasil e a Barbosa, o goleiro que sofreu o gol se tornou bode expiatório da derrota.
De seres humanos assim se faz uma grande equipe, um time vencedor. Talvez falte essa argamassa à seleção brasileira. Pegue as duas escalações e as compare, jogador por jogador. Ninguém pode negar que, no papel, a seleção brasileira é bem melhor que a uruguaia. Mas, de que isso adianta, se lhe falta o essencial?