segunda-feira, 22 de junho de 2015

Carlinhos: A imensidão de nossa alma

O veterano Biguá pisou o gramado vestido como jogador do Flamengo pela última vez. Não alinharia para a vitória sobre o Botafogo, no ensolarado dia de São Sebastião do Rio de Janeiro no ano da graça de 1954. Estava ali para dar continuidade a uma das mais caras tradições flamengas. Ao se despedir dos dias de luta para subir ao panteão reservado aos puros de alma, Biguá entregaria suas velhas chuteiras a um garoto do time juvenil. Franzino, Luís Carlos da Silva Nunes tomou os calçados de couro curtido em suas mãos e, lado a lado com Biguá, deu uma volta ao redor do gramado, ouvindo o aplauso do Maracanã lotado. E aceitou missão que lhe foi confiada.
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A cada jogo, Carlinhos foi conhecendo um pouco mais do Flamengo. Era a voz da razão flamenga dentro e fora de campo. Havia uma serenidade nas arquibancadas quando Carlinhos jogava. Relação de confiança, como quem entrega o filho aos cuidados de alguém que sabe ser responsável. Carlinhos sabia o que era melhor para o Flamengo, e nós sabíamos disso.
Carlinhos-passou-chuteiras-aposentadoria-Zico_ACRIMA20150622_0023_5No dia em que Carlinhos recebeu as chuteiras de Biguá, distante dali, no subúrbio de Quintino, na casa de número 7 da Rua Lucinda Barbosa, um bebê era embalado por sua mãe, Dona Matilde. Dezessete anos depois, o pequeno Arthur, Arthurzico, estaria no Maracanã para receber as chuteiras de Carlinhos. Basta conhecer um pouco da nossa história para saber que a essência rubro-negra original estava ainda intocada em Valido, e muito de Valido estava em Biguá, e que Biguá passou a Carlinhos, e Carlinhos a Zico, e Zico a todos nós. Oremos: eis a alma rubro-negra em toda a sua imensidão.
Neste momento, eu gostaria apenas de dar um abraço em Júnior. De pedir para Júnior me contar, pela enésima vez, como foi a conversa que teve com Carlinhos, entre chopes, no La Mamma, na chuvosa madrugada de 20 de dezembro de 1991. A conversa que fez Júnior retroceder da decisão de abandonar o futebol, e prosseguir rumo ao pentacampeonato. Porque eu não sei quem eu seria hoje se não houvesse em mim aqueles dias de 1992, aquelas aulas de Flamengo, aquelas lições de rubro-negrismo puro. Devemos aquilo ao Maestro Júnior, e devemos o Maestro Júnior de 1992 a Carlinhos.
Esqueçam os números, a estatística, a exatidão dos dados. É do Evangelho Segundo Carlinhos: o Flamengo só perde para ele mesmo.
Contemplai, irmãos rubro-negros, nestas poucas palavras, a imensidão de nossa alma.
Obrigado, Violino.