Arquivo
Jornalistas em protesto contra a ditadura militar instaurada em golpe em 1º de abril de 1964, há 50 anos
Marcos de Castro e Fernando Gabeira na ala dos jornalistas, durante a 'Passeata dos Cem Mil', em 1968
Vítimas da brutal repressão, linhas de frente nos anos de chumbo, autores de páginas memoráveis na resistência. Papéis já bem conhecidos para jornalistas na história dos 50 anos de golpe militar. Mas o outro lado também existiu.
Sempre se soube que as redações de jornal, como qualquer outro ambiente da sociedade naquele momento, eram vigiadas e com informantes da repressão. As suspeitas de tantos da imprensa de então são agora comprovadas em longos relatórios encontrados nos arquivos recém-abertos do regime militar: um jornalista, de identidade ainda desconhecida, fazia relatórios para o Centro de Informação do Exército (CIE), diretamente para o gabinete do Ministro do Exército, dando nomes e traçando a conduta de seus colegas.
Em um dos relatórios, de 1971, denominado "Panorama da Imprensa Brasileira", o alcaguete destaca o papel de jornalistas nos postos chaves das empresas, tece comentários sobre os comandos dos meios de comunicação, explica, didaticamente e com conhecimento de causa, o funcionamento de uma redação e alerta para o domínio e a inflitração do Partido Comunista em todos os setores de um jornal.
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'Panorama da Imprensa Brasileira', relatório de jornalista sobre seus pares para o regime militar
'Panorama da Imprensa Brasileira', relatório de jornalista sobre seus pares para o regime militar
Em seu guia, enumera em tópicos itens ensinando como a tal "máquina comunista" dava "conteúdo ideológico para matérias". Explicando didaticamente a função de um repórter, de um redator e dos chefes; relata como tal máquina agiu no dia seguinte ao AI-5. "O número do JB que saiu no dia seguinte à edição do AI-5 é um primor de competência dos profissionais da máquina. Nessa edição, a máquina atuou decisivamente, podendo mesmo ser responsável exclusiva pela edição que driblou a censura imposta naquela noite pelo governo, produzindo até matérias esportivas contra o governo e o AI-5. Até no 'Tempo' a máquina influiu: 'Tempo bastante nublado com tempestade à vista' é o que dizia o texto do 'Tempo', no alto da primeira página daquela edição do JB".
Mais influente jornal naquele momento, o Jornal do Brasil foi o alvo principal das observações do delator. As previsões do tempo relatadas por ele com indignação, são hoje consideradas peças históricas da resistência no Brasil. Pela atenção e nível de detalhamento no relatório, é possível se supor que tenha vindo de alguém do próprio Jornal do Brasil, versão que muitos de então acreditam. TV Globo, Correio da Manhã, revista O Cruzeiro, todos estão no radar. 
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O relatório em detalhes: denúncia de comunistas dentro das redações e a força do Partidão entre os jornalistas
O relatório em detalhes: denúncia de comunistas dentro das redações e a força do Partidão entre os jornalistas
Os diretores de cada veículo são analisados. Como trabalham, quem são, como agem. Quem são os autores dos editoriais, quem tem afinidade ideológica com o regime.
A inflitração de agentes da repressão ou colaboradores foi prática mais do que recorrente nos anos de chumbo. Para muitos militares de então, a "infiltração foi a razão da vitória sobre a chamada subversão", como conta o historiador Carlos Fico, em entrevista ao episódio brasileiro da série 'Memórias do Chumbo: o futebol nos tempos do Condor'.