terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Retrospectiva 2013 - O ano em que Guardiola encontrou um futebol mais intenso e vertical

Barça TV
Pep Guardiola sucede Jupp Heynckes no multicampeão Bayern de Munique: enorme desafio.
Pep Guardiola sucede Jupp Heynckes no Bayern: enorme desafio.
25 de maio de 2012. Pep Guardiola se despedia do Barcelona para um ano "sabático" com a conquista da Copa do Rei. O 14º título em 19 possíveis. Feito ainda mais histórico levando em conta que, mesmo perdendo a liga espanhola para o Real Madrid e a Champions para o Chelsea na semifinal, o time catalão seguia com superioridade na posse de bola e impondo seu estilo contra todos os adversários. Mesmo quando era superado no placar.
Apesar do título mundial do Corinthians no final do ano, o Barça era a referência de bom futebol e ainda carregava o status de melhor time do planeta levando a reboque a Espanha bicampeã da Eurocopa.
Até o Bayern de Munique roubar o protagonismo em 2013. Primeiro surpreendendo o mundo e anunciando em janeiro o retorno de Guardiola como o novo treinador, ainda com Jupp Heynckes no comando. Depois arrasando o Barcelona na semifinal da Liga dos Campeões com inquestionáveis 7 a 0 em 180 minutos. Sem dominar a posse da bola, mas mostrando uma maneira mais eficiente de usá-la.
A equipe de Heynckes era intensa e vertical. Parecia jogar uma rotação acima do Barcelona e da grande maioria dos rivais. Só o Dortmund de Jurgen Klopp fazia frente. Mas foi derrotado na decisão continental e não foi páreo na Bundesliga.
Porque os bávaros sabiam se adaptar a qualquer contexto: marcar pressão no campo adversário ou recolher as linhas; manter o posicionamento para garantir a organização defensiva ou promover intensa movimentação para bagunçar a retaguarda rival; administrar a posse de bola diante de times fechados ou trabalhar com transição rápida e bolas longas se o adversário cedesse espaços.
O 4-2-3-1 encontrava sua execução mais eficaz. Fosse na saída da defesa com o passe limpo de Schweinsteiger, nas combinações rápidas pelos lados com Lahm-Robben e Alaba-Ribéry dando profundidade às ações ofensivas, com Muller se juntando ao pivô Mandzukic ou nas jogadas aéreas com as aparições de Boateng, Dante e Javi Martínez.
Olho Tático
O Bayern de Heynckes que massacrou o Barcelona e conquistou a tríplice coroa: alta intensidade na execução do 4-2-3-1.
O Bayern de Heynckes que massacrou o Barcelona e conquistou a tríplice coroa: alta intensidade na execução do 4-2-3-1.
Esquadrão quase imbatível que colocou Guardiola diante de um enorme desafio: encaixar sua maneira de pensar futebol em um modelo que tangenciava a perfeição.
Não que faltassem "interseções" entre as duas propostas: o Bayern era o time com a segunda maior posse de bola da Europa, só atrás do Barcelona. Já a equipe de Guardiola sabia a hora de colocar intensidade e acelerar. Marcação pressão sufocante, transição rápida quando a bola era roubada no campo de ataque e velocidade para acionar Messi. Um técnico que cita Bielsa, Sacchi e Van Gaal como influências não pode abrir mão da intensidade.
Antes da estreia oficial de Guardiola no Bayern, mais um triunfo de um futebol mais vertical sobre o "tiki-taka": Brasil 3 a 0 na Espanha na final da Copa das Confederações. Mesmo que o torneio da FIFA seja menos relevante que o Mundial e as competições continentais de seleções, a campeã do mundo e bi da Europa queria o título para fechar um ciclo de conquistas e se estabelecer como a melhor do planeta há um ano da Copa.
Foi engolida pelo cansaço e pela umidade, mas também pela seleção de Luiz Felipe Scolari, que aproveitou o embalo da torcida cantando o hino nacional à capela e, elétrica, partiu para um "abafa" irresistível: marcação pressão, transição ofensiva rápida e muitas bolas longas da defesa procurando os atacantes. Principalmente as diagonais dos zagueiros Thiago Silva e David Luiz acionando diretamente Neymar e Hulk, os meias abertos ou ponteiros do 4-2-3-1 brasileiro.
Solução que no país encontrou eco no Atlético-MG de Cuca campeão da Libertadores com Leonardo Silva e Réver procurando o pivô de Jô que fazia a parede para Ronaldinho ou escorava para as diagonais de Tardelli e Bernard no mesmo desenho tático da seleção. Mas com algumas práticas arcaicas, como marcação individual, que cobraram alto preço no Mundial Interclubes.
Olho Tático
Atlético-MG campeão da Libertadores: práticas modernas e arcaicas na execução do 4-2-3-1.
Atlético-MG campeão da Libertadores: práticas modernas e arcaicas na execução do 4-2-3-1.
Já o Brasil lembrou o Bayern em muitos momentos e não deu chance aos espanhois de posse estéril, inócua. Pressão no homem da bola, linhas de passe fechadas, Paulinho seguindo Xavi e Luiz Gustavo atento a Iniesta, Hulk voltando com Jordi Alba, Fred finalizando e Neymar humilhando Arbeloa, Piqué e quem mais aparecesse pela frente. A então melhor seleção do mundo foi pulverizada no Maracanã. (Re)Nascia a maior favorita ao título no ano que vem.
Reprodução TV Bandeirantes
Brasil de Felipão com postura semelhante ao Bayern diante da Espanha, sufocando o toque de bola.
Brasil de Felipão com postura semelhante ao Bayern diante da Espanha, sufocando o toque de bola.
Afirmado com a camisa verde e amarela, Neymar foi tentar encaixar seu futebol de exceção no padrão Barcelona. O drible e o improviso no "tiki-taka". Plano B para não depender tanto de Messi. Contratação que obrigou o Real a dar uma resposta multimilionária e encontrar um parceiro para Cristiano Ronaldo, melhor jogador do ano: Gareth Bale, que deixou o Tottenham.

Ausência que não parece abalar a Premier League, que resgatou a força da década passada com um equilibrio que não existiu no final da Era Ferguson. A aposentadoria da lenda do United foi outra quebra de paradigma em 2013. Sem ele e com Mourinho de volta ao Chelsea, a disputa da hegemonia na Inglaterra está aberta.

E tão intensa quanto a volúpia ofensiva do Manchester City de Manuel Pellegrini. Com Aguero e Negredo, retoma um 4-4-2 mais flexível e versátil. Assim como o Liverpool de Sturridge e do fenômeno Luis Suárez. Um atacante volta para compor o meio ou abre pelo lado e o meia fecha em diagonal para articular.
Olho Tático
City de Manuel Pellegrini: resgate do 4-4-2, mas com versatilidade, movimentação e muita vocação ofensiva.
City de Manuel Pellegrini: resgate do 4-4-2, mas com versatilidade, movimentação e muita vocação ofensiva.
Esquema que Tite tentou no Corinthians com Renato Augusto e Pato. Mas perdeu peças (Paulinho em especial), identidade e, principalmente, intensidade. Logo o time do treinador que insistia em valorizá-la. Tite não conseguiu manter a concentração e a "fome" no elenco que ganhou tudo no ano anterior. Ficou a organização defensiva, foi-se a marcação sufocante e bolas roubadas no campo adversário que criavam boa parte das situações de gols.
Resultado: números de campeão na defesa e de rebaixado no ataque ao longo do Brasileiro. Bem diferente do Cruzeiro que dominou a competição com a execução do 4-2-3-1 nos mesmos padrões do Bayern, guardando as devidas proporções: movimentação do quarteto ofensivo, jogadas pelos flancos, diagonais dos meias abertos, poucos toques para definir a jogada, contundência. Tudo no ritmo de Everton Ribeiro, que armava e ditava o ritmo alucinante a partir de um dos lados.
Olho Tático
Cruzeiro campeão brasileiro: transição ofensiva em alta velocidade, rotação no ataque e Everton Ribeiro armando a partir do lado direito.
Cruzeiro campeão brasileiro: transição ofensiva em alta velocidade, rotação no ataque e Everton Ribeiro armando a partir do lado direito.
Marcou 77 gols em 38 partidas e garantiu o título com quatro rodadas de antecedência. Passou por cima do Grêmio pragmático de Renato Portaluppi e do inconstante Botafogo de Seedorf. Só parou na Copa do Brasil para o Flamengo de Elias e Mano Menezes que se transformou no time de Jayme de Almeida e do "Brocador" Hernane que se impôs no "mata-mata" com duas linhas de quatro e a força do Maracanã.
Na Alemanha, Guardiola não se intimidou. Sabia que a expectativa do clube era manter os resultados e o desempenho fazendo diferente. Veio o choque: Reforço na valorização da posse com bola no chão e na marcação obsessiva no campo de ataque. Thiago Alcântara contratado por 25 milhões de euros, com status de titular; Lahm deslocado da lateral para o meio-campo . 4-2-3-1 trocado pelo 4-3-3/4-1-4-1; Mario Gomez dispensado e Mandzukic ameaçado pelos testes com Shaqiri e a possibilidade de encaixar Mario Gotze como "falso nove". Ou puxar Muller, como Joachim Low faz na seleção alemã para abrigar Gotze, Ozil e Reus no quarteto ofensivo.
Função que não teve em Messi, envolvido com seguidas lesões, seu principal expoente. Mas foi bem representada por Ibrahimovic no PSG que duela com o "novo rico" Monaco e a surpresa Lille na França e Totti na Roma de início perfeito na Série A italiana, mas já perdendo terreno para a Juventus dos três zagueiros, do trio Pirlo, Vidal e Pogba no meio-campo . Agora de Tevez e Llorente, nova dupla de ataque que era a carência da bicampeã e favorita ao tricampeonato, mas eliminada na Liga dos Campeões.
Montagem Truemedia
À esquerda, mapa de toques de Totti na temporada 2012/13, aparecendo mais pela esquerda; à direita, o da temporada atual, partindo do centro.
À esquerda, mapa de toques de Totti na temporada 2012/13, aparecendo mais pela esquerda; à direita, o da temporada atual, partindo do centro como "falso nove".
O primeiro susto em Munique veio com os 4 a 2 do Borussia Dortmund na Supercopa da Alemanha. A perigosa combinação desfalques+testes+ousadia cobrou seu preço. Guardiola então começou a dosar sua ideia de futebol com o padrão do time que se adapta às características dos jogadores.
Mandzukic voltou ao time, que passou a alternar bolas longas e cruzamentos com o "tiki-taka". O treinador roda o elenco, testa alternativas, compensa desfalques sérios como Robben e Schweinsteiger e busca a melhor dosagem. Também inova, como o apoio dos laterais Rafinha e Alaba por dentro para gerar vantagem numérica no meio-campo.
Se o "click" ou encaixe perfeito ainda não veio, os resultados são excelentes: líder absoluto da Bundesliga, primeiro lugar em um grupo complicado da UCL e dois títulos: Supercopa Europeia sobre o Chelsea de Mourinho e o Mundial Interclubes. O terceiro do clube e do treinador com cinco anos de carreira.
Olho Tático
Na final do Mundial, o 4-3-3/4-1-4-1 implantado por Guardiola no Bayern: laterais apoiando por dentro, posse de bola e marcação pressão.
Na final do Mundial, o 4-3-3/4-1-4-1 implantado por Guardiola no Bayern: laterais apoiando por dentro, posse de bola e marcação pressão.
No ano da redenção da seleção brasileira e de Felipão, de Neymar e Bale incrementando a disputa Messi x Cristiano Ronaldo na Espanha, do resgate da EPL e da supremacia mineira no Brasil, o encontro de Guardiola com o Bayern da tríplice coroa e do futebol intenso e vertical foi o destaque de 2013.
O que reserva o novo ano, de Copa do Mundo? Que ele venha com boas novas. Na técnica e na tática. Até lá!