sábado, 10 de agosto de 2013

Idolatria ou intolerância?

Piquet, Senna e Prost: três gigantes da F-1
Piquet, Senna e Prost: três gigantes da F-1
A ideia surgiu há pelo menos duas décadas, em 1992, talvez 1992, relendo os farrapos do anuário de Francisco Santos de 1989, uma bíblia para qualquer fã de Fórmula 1.
Naquele anuário - e em todos os outros - o jornalista português publicava uma tabela com os números de todos os pilotos em atividade e, na página abaixo, listava alguns dos maiores de todos os tempos, também com suas estatísticas. Era o máximo debruçar-se sobre aqueles dados e observar quem eram os recordistas de poles, de vitórias, quem havia conquistado mais em menos tempo.
Em 2002, em outro momento da humanidade, com internet, Excel e sites para checar dia após dia as notícias e os números de centenas de pilotos, fiz um esboço: um ranking de todos os caras que largaram pelo menos uma vez na história. Guardei para mim, atualizei em 2006, com mais de 600 pilotos. Salvei num HD que se perdeu em algum canto, em alguma mudança, deve estar em alguma gaveta entre Goiânia e Brasília, as memórias físicas também se perdem.
Era um ranking parrudo, esse de 2006. Todos os pilotos da Fórmula 1, vitórias, pontos, poles, tempo que demorou para vencer, médias, coisa de louco, mil variáveis. E uma coisa não mudava. Michael Schumacher liderava. Fangio, Senna, Prost, Clark e Stewart brigavam pelas posições seguintes.
Há duas semanas, resolvi fazer outro ranking. Testei fórmulas aqui, ali, e cheguei à que foi publicada pelo ESPN.com.br. É matemática quase pura, com a subjetividade de se dar mais ou menos valor a determinados critérios. Ninguém precisa concordar, se o ranking fosse feito para concordar, seria um decreto.

(PARA VER O RANKING, CLIQUE AQUI)
Portanto, aos desavisados comentaristas de notícia que "acusaram" Mauro Cezar Pereira ou Flavio Gomes de terem feito o ranking, peçam desculpas a eles. O problema de vocês é comigo.
Eu poderia perder meu tempo selecionando comentários e respondendo um a um. Mas - aproveitando que estamos falando de Fórmula 1 - a vida anda corrida por aqui, e perder tempo não está nos planos. Percamos, portanto, cinco minutos.
Getty
Schumacher, o mais vencedor de todos os tempos
Schumacher, o mais vencedor de todos os tempos
A maior parte dos comentários defende que Ayrton Senna deveria estar no topo, à frente de Michael Schumacher.
Trago más notícias: em um ranking objetivo, como este que me propus a fazer, com fórmulas matemáticas e um trabalho que não leva em conta subjetividade ou preferência pessoal, é impossível que Ayrton Senna lidere qualquer ranking da Fórmula 1. Ele não tem nenhum recorde da categoria. Nem absoluto, nem em médias. Nenhum.
É como se fizéssemos um ranking do futebol mundial que levasse em conta títulos em clubes, em seleções e gols marcados - e os argentinos quisessem que Maradona ficasse à frente de Pelé. Em números, é impossível que isso aconteça. Em números.
Não sou do time do "contra números, não há argumentos". Há argumentos sim, para tudo deve haver argumentos em um país que lutou vinte anos por democracia. Para tudo deve haver argumentos em qualquer lugar do mundo. Qualquer ser humano tem o direito de achar que o melhor piloto de todos os tempos foi Michael Schumacher, Ayrton Senna, Nelson Piquet, Alain Prost, Jim Clark, Niki Lauda. Esse direito, nenhum ranking vai tirar.
E, num país em que a cultura de "torcer pelos brasileiros" sempre foi disseminada em TV aberta, 24 horas por dia e sete dias por semana, é mais do que compreensível que a maior parte das pessoas ache que Ayrton Senna é o maior piloto que já existiu. No Japão também acham isso, na Inglaterra, talvez. Em uma votação entre os pilotos, certa vez, deu Senna.
O que não é normal, e o que talvez precise ser repensado - temo que não será - é esse comportamento intolerante sobre a opinião do outro.
Se alguém acha que Alain Prost foi melhor do que Ayrton Senna, ele não é um idiota, um antipatriota, um energúmeno, um francês filêdaput. Ele apenas acha que Alain Prost foi melhor do que Ayrton Senna. E, se quiser debater com números, dirá que Prost tem 4 títulos e 51 vitórias, contra 3 e 41 de Senna. E se o defensor de Senna quiser debater com imagens, mostrará Donington 1993, ou Suzuka 1988.
E a vida segue, com um achando Prost melhor, o outro preferindo Senna, ambos felizes por gostarem de dois monstros das pistas, que possivelmente nem seriam tão grandes não fosse pela existência do outro.
Ter ídolos é bom. Quando ainda acompanhava a Fórmula 1 como torcedor, e não como jornalista, tive alguns. Senna foi um deles; Piquet, a quem vi pouco, foi outro. Gostava de Thierry Boutsen pelo capacete, torcia por uma vitória de JJ Lehto, que nunca veio. Mika Hakkinen foi meu preferido anos depois. Na nova geração, Hamilton e Vettel têm um estilo que me agrada mais. E, se pudesse escolher ser um piloto da atualidade, seria Jenson Button.
De Schumacher nunca fui fã. Mas, ainda assim, votaria nele como o maior de todos.
E entenderia os argumentos de cada fã de Senna, de Prost, de Piquet, de Mansell, de Boutsen, de Capelli, de Schiatarella, Barbazza, Fagioli.
Aceitaria a todos os argumentos, com uma condição. A de que continuassem com sua idolatria e suas opiniões, desde que fossem tolerantes às minhas.