terça-feira, 14 de maio de 2013

Arrasador, Atlético Mineiro combina futebol atual e práticas arcaicas


Divulgação/Atlético-MG
Ronaldinho e Jô comemoram o gol que abriu o placar para o Atlético-MG no primeiro jogo da final contra o Cruzeiro
Ronaldinho e Jô em mais uma comemoração de gol no Independência.
Sete gols em jogos decisivos na Libertadores e no Mineiro. Ou doze em sete dias se somarmos os cinco sobre o Tombense na semifinal do regional aos 4 a 1 sobre o São Paulo e 3 a 0 no arquirrival Cruzeiro no Independência. Sem contar as inúmeras oportunidades criadas.

Avassalador, o Atlético Mineiro vence e convence. O encaixe de Diego Tardelli na base de 2012 faz a equipe de Cuca ainda mais móvel e contundente no ataque. As variações do 4-2-3-1 chamam a atenção, assim como a intensidade e a capacidade de impor seu estilo, especialmente no Independência – agora são 34 jogos de invencibilidade no estádio desde a reinauguração (27 vitórias e sete empates).

Mais notável que o desempenho é a proposta de jogo que combina o futebol atual com estratégias consideradas arcaicas na teoria. Mas que funcionam até aqui e aproveitam as melhores características de seus jogadores.

A começar pelas perseguições individuais. O popular “cada um pega o seu”. Sem a bola, Cuca adapta o desenho tático de sua equipe ao do oponente. Não raro ver Richarlyson acompanhando o deslocamento do ponteiro ou meia desde a direita até o lado oposto e Bernard voltando com o lateral até o fundo. 

Prática comum no futebol mundial dominado pelo WM até o próprio Brasil passar a trabalhar a marcação por zona nos anos 1950 com Zezé Moreira e assim vencer três Copas do Mundo. O único foco de resistência era a Itália. Não mais a retranca do “catenaccio”, mas o “gioco”, com um líbero e outros nove marcando individualmente, principalmente o craque adversário.

Impossível não lembrar da vitória italiana sobre o Brasil de Telê Santana em 1982 com Gentile, lateral de origem e exímio marcador, grudado em Zico, mas também os pontas Conti e Graziani voltando com Júnior e Leandro,  Paolo Rossi dando o primeiro combate a Oscar e Luisinho, os meias Tardelli e Antognioni vigiando Cerezo e Falcão. Oriali, outro meia, abriu à direita como lateral para perseguir Éder e Cabrini cuidava de Sócrates. Collovati pegava Serginho e o líbero Scirea fazia a sobra.

Recurso praticamente abandonado com o sucesso de Arrigo Sacchi no Milan com "pressing" e marcação por zona no final dos anos 1980, início dos 1990. Porque um drible ou deslocamento rápido é capaz de desmontar o “gioco” em efeito dominó. Sem contar o desgaste de marcar correndo e não posicionado.

O Galo não tem líbero. Os zagueiros Leonardo (ou Gilberto) Silva e Rever se revezam na marcação do centroavante e na sobra. Os demais têm seus duelos definidos em todo o campo.

Reprodução TV Globo
Flagrante da marcação individual do Atlético-MG com Rever na sobra.
Flagrante da marcação individual do Atlético-MG com Rever na sobra.

Menos Ronaldinho, que, no máximo, participa da pressão na saída de bola e cerca o mais próximo. Para poupar seu craque, Cuca sacrifica Jô, Bernard ou Tardelli no combate. O camisa dez normalmente fica com o jogador adversário que não apoia ou o menos qualificado. Um retrocesso no futebol em que a ordem é marcar e jogar. Todos.

Se Ronaldinho não marca, Pierre pouco joga. É o “volante-volante”. Sua responsabilidade é destruir, marcar. De preferência o jogador mais criativo do adversário. Bola roubada, o passe é simples, para o companheiro mais próximo. Quem normalmente faz a bola chegar ao quarteto ofensivo é Marcos Rocha ou Leandro Donizete.

Reprodução Fox Sports
Flagrante do pivô de Jô para a entrada em diagonal de Tardelli no primeiro gol sobre o Arsenal no Independência
Flagrante do pivô de Jô para a entrada em diagonal de Tardelli no primeiro gol sobre o Arsenal no Independência
No ataque, a ligação direta com bola alta buscando Jô é recorrente. O centroavante parte para a conclusão, procura as diagonais de Tardelli e Bernard ou faz a parede para Ronaldinho criar as jogadas ou infiltrar para a finalização.

Típico do futebol britânico nos anos 1970/80. Nada recomendável por exigir e depender demais do centroavante alto e também porque quase sempre a bola bate e volta sem retenção no meio-campo e dificulta a compactação dos setores.

Por que, então, as práticas e compensações consideradas ultrapassadas funcionam tão bem? A resposta é simples: tudo depende da execução.

E nenhum time no Brasil e na América une beleza e eficiência como o Galo. A equipe que se comporta sem a bola de acordo com o adversário, mas pressiona e força o chutão. Quando retoma e não procura Jô diretamente, aproxima as linhas e a movimentação intensa confunde a retaguarda.

Pierre rouba bolas, Ronaldinho vive o melhor momento na carreira desde a magia de melhor do mundo no Barcelona. Jô ganha 90% das disputas pelo alto contra qualquer zagueiro, o vigor físico e a motivação viabilizam a marcação individual. Afinal, time que vence cansa menos.

Olho Tático
O 4-2-3-1 armado por Cuca é ofensivo, móvel na frente e difícil de ser marcado.
O 4-2-3-1 armado por Cuca é ofensivo, móvel na frente e difícil de ser marcado.

Obviamente não existe fórmula mágica ou infalível. Contra o São Paulo no Morumbi, na fase de grupos e no jogo de ida das oitavas da Libertadores até a expulsão de Lúcio, os atleticanos foram envolvidos. O tricolor foi mais intenso, móvel e superior tecnicamente.

O time de Cuca também sofre gols demais para campanha tão espetacular. São 11 em oito jogos pela Libertadores e 12 em 14 partidas no desnivelado estadual. Problema compensado pelos 62 anotados – 22 no torneio continental. Mas que pode cobrar caro mais à frente.

Quando Josué está em campo, o toque de bola aparece. Foi assim no segundo tempo no Morumbi. O Atlético valorizou a posse, aproveitou a vantagem numérica e trabalhou pacientemente até virar no gol de Tardelli. É boa solução para desacelerar e reoxigenar um time que ataca com volúpia, às vezes fúria.

O título mineiro está mais que encaminhado e o favoritismo nas quartas da Libertadores contra Palmeiras ou Tijuana é absoluto. Arcaico e atual, o Galo tem fome e bola para seguir forte. Se antes a desconfiança era grande, difícil agora é não acreditar.