terça-feira, 17 de julho de 2012

O que ninguém sabe sobre a Fifa

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Depois de muitos anos de discussões intensas e resistência ao uso de qualquer tipo de tecnologia para auxiliar os árbitros durante as partidas de futebol, a International Football Association Board (IFAB), que é o órgão desportivo responsável pelas leis que regem o jogo, aprovou recentemente, novas tecnologias que determinam com máxima precisão a entrada da bola na linha do gol.
Muitos adeptos receberam tal notícia com muita surpresa. Tanto a IFAB quanto a Fifa, têm sido lentas nas mudanças das regras. Na verdade, o futebol mudou drasticamente ao longo das últimas décadas, como pode ser evidenciado pela maior capacidade fisiológica dos jogadores. Infelizmente, as regras das partidas não evoluíram junto com essas mudanças fisiológicas. E mais lamentável ainda é este sistema esclerótico, ainda vigente, sendo responsável pela mudança das regras do esporte.
As duas organizações, IFAB e Fifa trabalham simbioticamente. Na verdade, ambas estão interligadas e compartilham o poder com arranjos diferentes há quase 100 anos. A composição da IFAB, a qual abrange os representantes de cada associação pioneira de futebol da Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) , assim como a representação da Fifa, tem sido duramente criticada pela falta de representatividade de um número maior de países. A Fifa como um todo possui 4 votos que, supostamente, representam as 209 associações filiadas à organização. As outras 4 associações de futebol, já referidas acima, têm cada uma um voto. As deliberações dentro da organização devem ser aprovadas por pelo menos 6 votos.
É muito provável que a grande maioria dos adeptos do jogo não tenham conhecimento da existência da IFAB. E menos ainda quem os votos da Fifa representam. Fica claro que se trata de um poder exclusivo para os manda-chuvas da Fifa e seus comparsas. Esta é uma prova cabal da arrogância, da falta de transparência e das tendências antidemocráticas que estão enraizadas dentro do órgão que governa o jogo mais bonito do mundo.
Assim sendo, vale a pena fazer uma comparação entre a estrutura da IFAB com a do conselho de segurança da ONU, que muitos diplomatas consideram ser um exemplo de uma organização sem representação adequada.
O Conselho de Segurança da ONU possui um total de 15 membros. Dentre eles a China, a França, a Rússia, o Reino Unido e os EUA são membros permanentes, com o poder de vetar qualquer resolução que tenha obtido um mínimo de 9 votos para sua aprovação. Os outros 10 membros eleitos não permanentes têm 2 anos de mandato. A ONU possui um total de 193 membros, o que levanta a questão: Como é possível que 5 países tenham tanta influência e poder no campo das relações internacionais?
Se alguém acredita que a representação no Conselho de Segurança da ONU é injusta e imperfeita, espere até ler isto: a Fifa, com os seus 209 membros, tem mais afiliações do que as Nações Unidas. No entanto, o presidente da FIFA com os 4 países pioneiros da IFAB têm o poder de decidir por todos os outros países membros as mudanças a serem adotadas nas regras do futebol.
Pelo menos os atuais defensores da estrutura do Conselho de Segurança podem justificar a sua composição, apontando para o poderio militar e econômico de seus cinco integrantes permanentes. Entretanto, qual seria a possível razão para justificar a estrutura atual da IFAB? Qual é a importância dentro do futebol internacional de países como a Inglaterra, o País de Gales, a Escócia e a Irlanda do Norte?
Na verdade, muitas vezes a Inglaterra mal conseguiu se classificar para a Copa do Mundo. Ainda mais, que na única vez que foi campeã, há quase 50 anos, muitos alegaram que foi de forma suspeita. Em contrapartida, o Brasil, que é pentacampeão, não faz parte da estrutura da IFAB, portanto, é excluído do processo de decisão. Outros gigantes do futebol como a Itália, a Argentina e a Alemanha também não fazem parte das deliberações e discussões da IFAB. Assim sendo, como é possível que o País de Gales, que se qualificou para a Copa apenas uma vez e a Irlanda do Norte, apenas 3 vezes, possam ter maior influência no processo de decisão em relação às atuais potências futebolísticas?
De fato, tal realidade chega a ser uma afronta ao bom senso de qualquer pessoa.  Torna-se isto numa humilhação no justo senso do que é digno, e um insulto no que diz respeito a um sistema de representação justo. Fica difícil acreditar em tais fatos e assim somos levados a tentar encontrar às origens do modelo atual. Portanto, vale a pena ir ao fundo dos anais da história para compreender o atual absurdo.
Segundo Roger Abrams, especialista em direito desportivo da Northeastern University, instituições como a Fifa e a IFAB têm sido refratárias em suas atitudes ao longo da história, além de apresentar uma postura possessiva e dominadora em relação ao esporte, fazendo com que seus dirigentes acreditem que eles sejam os donos do futebol.
Numa entrevista por telefone, o Dr. Peter Alegi, professor de história da Michigan State University, disse-me que os britânicos sempre acharam que eram os donos das regras do jogo e que hoje em dia temem a possibilidade de perderem a presente estrutura da IFAB, pois pode ser uma das últimas oportunidades para se manterem em uma posição de destaque no âmbito cultural mundial.
Quando perguntei a Paul Darby, respeitado sociólogo da University of Ulster e autor do livro Africa, Football and FIFA, sobre a origem dessa atitude prepotente dentro do jogo, ele afirmou que tais organizações (Fifa e IFAB) sempre deixaram transparecer uma maneira arrogante na condução de seus negócios e isso vem se arrastando por várias décadas.
Segundo o Dr. Darby, “Essa arrogância ficou constatada pelo fato de que durante os primeiros 70 anos ou mais de sua existência, os membros europeus da Fifa olhavam o número crescente dos países africanos dentro da organização, através de uma ótica colonial e os tratavam como se não merecessem as oportunidades de fazer parte da família Fifa”.
O sociólogo ainda acrescentou que o problema era tão arraigado que Stanley Rous, o presidente da Fifa entre 1961-1974, tentou preservar o lugar da Associação de Futebol da África do Sul dentro da Fifa, apesar da pressão internacional, particularmente do continente africano, que lutava para que eles fossem expulsos.
“Na verdade, foi o presidente João Havelange que desempenhou um papel fundamental para tornar a Fifa um pouco mais representativa a nível internacional e com a disponibilidade de maiores oportunidades para o continente africano dentro do jogo mundial. No período que antecedeu a sua eleição como presidente da Fifa, em 1974, Havelange prometeu às nações africanas que iria manter a exclusão e resistir à volta da Associação Sul-Africana, enquanto ela continuasse a praticar a política do apartheid dentro do futebol”, completou o Dr. Darby.
De fato a Fifa só começou a caminhar na direção de uma verdadeira organização internacional, com a liderança de João Havelange. No entanto, mudanças na estrutura da IFAB ainda não ocorreram e parece não estar nos planos dos dirigentes num futuro próximo.
“A composição da IFAB definitivamente não é um exemplo de representação adequada que reflita a posição dos gigantes do futebol atual,  que dominam o jogo internacional. Matematicamente, simplesmente não faz sentido,” acrescentou o Dr. Darby.
Fica claro que a influência desproporcional que o Reino Unido ainda possui dentro do futebol é uma imagem de um passado muito distante, quando os britânicos detinham uma posição dominante no mundo como uma grande potência colonial e, consequentemente, na organização do jogo.
É evidente que tanto o Conselho de Segurança da ONU, quanto as estruturas da IFAB estão desatualizadas e são inadequadas para lidar com as demandas de uma novo cenário internacional que é caracterizado por uma ordem mundial multipolar.
Portanto, ficamos até mesmo abismados com tal situação, tentando entender como as maiores potências do futebol atual podem ser tão passivas perante um sistema tão injusto, humilhante e enraizado nos vestígios do colonialismo. Em tais circunstâncias, é bem possível que a rainha seja a única que esteja aplaudindo. Assim sendo, será que as mudanças só virão quando a rainha dirigir-se à todas as potências do futebol e proclamar: deixem de se ajoelharem—seus subalternos!