terça-feira, 22 de maio de 2012

Mística em ação

Em minha última visita a Londres ganhei de presente o livro "Born to Run", que li quase todo no avião de volta aos Estados Unidos. Escrito por Christopher McDougall, relata sobretudo a história de um americano apelidado Caballo Blanco e de seus amigos, os índios Tarahumara, no México.

Ex-lutador de boxe, Caballo Blanco, que se chamava Michael Randall Hickman, adotara o nome fictício de Micah True (Autêntico), mas acabara mesmo mais conhecido pelo apelido que os mexicanos lhe tinham dado. Com os Tarahumara, Caballo Blanco aprendeu não apenas a correr imensas distâncias, mas a encontrar sua paz com a natureza. Ele acreditava que a espécie humana tinha sido criada para correr longas distâncias atrás de suas presas e precisava voltar a suas origens.

Como escrevi aqui no passado, Caballo Blanco foi encontrado morto no dia 30 de março deste ano em trilhas montanhosas no Novo México. Aparentemente sofreu uma queda, procurou um riacho para lavar seus ferimentos e teve um ataque cardíaco, em consequência de uma cardiomiopatia idiopática. Isto é, de origem desconhecida.

Já falei sobre ele no passado, sobre as ultramaratonas de que participava e que organizava, procurando levantar fundos para ajudar os índios. Algumas pessoas se tornam lendárias em vida e mais ainda depois de mortas. Uma medida da estatura alcançada por Caballo Blanco está não apenas no livro de que é personagem e no filme que está para ser lançado sobre sua vida, como num artigo de nada menos do que cinco páginas no New York Times desta segunda-feira, 21 de maio.

Recomendo-o aos leitores, que podem também acessá-lo na edição online do jornal. Para entender a atração, o quase misticismo, que longas corridas exercem sobre as pessoas (quem sabe, uma memória genética?), acho interessante reproduzir abaixo o e-mail que recebi de meu “olheiro” Rafael Proença sobre a Corrida da Ponte neste último fim de semana, atravessando a Baía de Guanabara, de Niterói até o Rio.

Rafael, assinante da ESPN, fã de basquetebol, passou a trocar correspondência comigo desde o tempo em que eu comentava jogos da NBA. (Assistam, a propósito, ao video “Corrida da Ponte”.) Nos últimos anos, Rafael descobriu também o fascínio das corridas longas. Seu depoimento vai na íntegra.

“Alô, prezado Werneck:

A corrida foi sensacional, de longe a melhor que fiz nesses meus poucos três anos como corredor. Por não ter corrido no ano passado, não tenho como estabelecer parâmetros em alguns pontos, mas, pelo que disseram outros corredores, a organização corrigiu a maioria das falhas de 2011. E, de fato, tudo correu muito bem: desde o pré-prova, com o transporte gratuito das barcas para os cariocas que solicitaram a passagem, até os guarda-volumes bem identificados, que funcionavam dentro de ônibus. Positiva foi também a largada sob forma de ondas e o controle dos "pipocas", ou "bandidos". Antes de acessar a área de largada, era obrigatório mostrar aos fiscais o número de peito, do contrário, a passagem seria bloqueada. Não sei se alguém conseguiu burlar. Segundo alguns corredores, muitos correram em 2011 sem estarem inscritos.

No ano passado, a prova foi disputada no mês de abril sob um sol escaldante que fez com que muitos corredores "quebrassem". Desta vez, no final de maio, tudo foi bem melhor. Durante o percurso, vi somente duas pessoas precisando de atendimento médico, uma aparentemente com uma lesão ainda na Ponte, e outra na Perimetral, aparentando mal estar - saliento que a distribuição do aparato médico também foi precisa, a todo momento era possível ver uma ambulância no trajeto. Ainda assim, o dia foi quente no Rio e os que fizeram tempos mais altos possivelmente sofreram no final. Minha maior preocupação era com o nível altimétrico da prova e os dois quilômetros de subida do vão central, mas a experiência de correr sobre a Baía de Guanabara foi tão incrível que eles passaram despercebidos. Mais um ponto positivo para a organização foi quanto ao posicionamento dos postos de hidratação, um problema na edição passada. Bem distribuídos, possibilitavam aos corredores se hidratarem em pequenos espaços de tempo. A cada três quilômetros havia postos de água, fartos, e graças à intensa reposição, era possível se dar ao luxo de escolher água gelada ou ao natural. Este é um ponto importante, pois nas corridas no Brasil raramente há a segunda opção, o que, pra mim, é ruim, pois não gosto de beber gelado durante a atividade. Foram ainda disponibilizados dois postos de bebida energética, uma se não me falha a memória entre o quarto e o quinto quilômetros, na Ponte, e outro na altura do 15º quilômetro, na Perimetral. Minha única crítica fica por conta deste primeiro posto, que servia a bebida dentro de sacos plásticos, o que não me agrada. No segundo, copos abertos. Sobre os chuveiros aspersores da Perimetral, o primeiro funcionou muito bem, o segundo quase não liberava água. Chegando ao Aterro do Flamengo, em frente ao Museu de Arte Moderna, meu GPS marcou 21,65 km. Pensando em fazer uma prova conservadora, assustado com tudo o que ouvi e li sobre 2011, procurei não me preocupar inicialmente com tempo. Com os quilômetros passando e o corpo respondendo bem, mantive uma boa média de velocidade e, para a minha felicidade, fiz meu melhor tempo numa meia maratona, 01 hora e 45 minutos, cinco minutos a menos do que o melhor tempo anterior, conquistado numa prova clássica de 21.096 metros e plana.

Em suma, prezado Werneck, foi um dia especial e uma experiência ímpar, a qual pretendo repetir nos próximos anos. Com a demolição da Perimetral, fico preocupado com o que poderá acontecer com a Corrida da Ponte; espero que ela não saia do calendário, pois o sucesso é absoluto e um desafio e tanto para nós, corredores. Por falta de tempo hábil, não tive tempo de homenagear Yllen Kerr. Assumo desde já o compromisso de fazê-lo em 2013: colocarei o nome de Yllen, o seu e da Corja em minha camiseta. Acho que é isso.