quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Rafinha, Diego Costa e a hipocrisia de um Brasil que lhes deu as costas

A imensa maioria dos jogadores brasileiros de futebol tem origem humilde. Como crianças pobres que foram, o Brasil sempre lhes deu as costas. Até aí, nenhuma novidade - esporte e música são ainda hoje caminhos possíveis (talvez únicos?) para a ascensão social da massa excluída. A educação pública é ruim, a saúde idem. Nos últimos anos, a situação apenas deixou de ser menos crítica, por conta das inegáveis conquistas sociais. Mas ainda estamos muito longe de oferecer condições mínimas de dignidade e desenvolvimento às famílias que tangenciam a linha de pobreza.
Diego Costa e Rafinha, dois brasileiros de grande destaque no futebol europeu, no Chelsea e no Bayern Munique, são exemplos desse roteiro clássico. Não sei o grau de privações por que passaram até começarem a ganhar algum dinheiro com o futebol. Mas a vida mudou mesmo na Europa. Rafinha ainda jogou em um clube grande brasileiro, o Coritiba, onde certamente começou a ganhar melhor e ajudar a família. Mas ficou pouquinho, logo foi transferido para o Shalke 04, clube médio da Alemanha.
Diego gramou mais. Começou chique, no Barcelona - só que de Ibiúna, interior de São Paulo. Mandou-se para Portugal, e só lá, depois de muito peregrinar, passou a se dar bem. Jogou no Braga, no Penafiel, e seu talento chamou atenção do Atlético de Madrid. No clube madrilenho, viraria grande.
Diego Costa e Rafinha têm em comum o processo de naturalização. O sergipano Diego já é espanhol. O paranaense Rafinha espera ser alemão em breve. Rafinha, que já havia defendido a seleção brasileira principal por duas vezes, agora disse "não" ao chamado de Dunga para as primeiras duas partidas das Eliminatórias para a Copa da Rússia, em 2018. Se vai ser chamado por Joachim Low para a seleção alemã, como quer o amigo Philipp Lahm, é outra história.
A CBF até que foi "elegante", elogiando a transparência do atleta e respeitando sua decisão. Muito diferente do que fez Felipão com Diego Costa dois anos atrás. Tremenda pisada na bola.
Lembremos o episódio. Diego Costa arrebentava no Atlético de Madrid. Na Espanha, falava-se muito de sua possível convocação para a seleção local. Em outubro de 2013, Felipão decidiu chama-lo para amistosos contra Honduras e Chile. Mas Diego não tinha a garantia de que seria convocado para disputar a Copa pelo Brasil, o que era praticamente certo se optasse pela Espanha. Ao meu ver, o chamado de Felipão soou muito mais como uma estratégia para enfraquecer o rival, campeão do mundo, do que convicção do treinador brasileiro. Pensar no jogador, nada. Diego não quis trocar o certo pelo duvidoso. E optou pelo país que lhe projetou no futebol. Nada mais normal, posto que não teve nem sombra das mesmas oportunidades em sua terra natal.
Lamentável foi a reação de Felipão quando soube da recusa de Diego Costa. Veio a público e disse: "Um jogador brasileiro que se recusa a vestir a camisa da Seleção Brasileira e a disputar uma Copa do Mundo no seu país só pode estar automaticamente desconvocado. Ele está dando as costas para um sonho de milhões, o de representar a nossa seleção pentacampeã em uma Copa do Mundo no Brasil", afirmou. Uma clara manobra para jogar a torcida brasileira contra Diego no Mundial. Deu certo. Na estreia na Fonte Nova, contra a Holanda, o atacante foi vaiado e xingado pelos torcedores brasileiros.
Agora pense você ser humilhado no seu país, justamente aquele que não lhe deu nada, acusado de ser traidor da pátria. Você cresce pobre, sai cedo de casa em busca de um sonho quase impossível, e quando ele acontece, bem longe daqui e sem nenhuma ajuda de seus compatriotas, ganha status de traidor da nação! Muita hipocrisia condenar esses caras, não?