quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PVC e ESPN: acabou o amor. E canal precisa se mexer rápido

Perder a Liga dos Campeões e o PVC no mesmo ano. Numa escala de “piores pesadelos”, esse provavelmente estava acima do número 1 para a ESPN Brasil. Entretanto, quando começar 2015,PVC estará em outro lugar assim como a Champions League a partir de setembro. E a ESPN, se ainda não começou a fazer isso, precisa se mexer urgentemente. Entender o que está acontecendo, rápido. E agir.
De vez em quando, morando no Brasil, a gente perde um pouco a noção do tamanho dessa empresa. Estamos falando de um grupo de canais de televisão que, com uma pequena ajuda do Disney Channel, é responsável por um lucro maior do que todo o resto do grupo Disney somado. Vou repetir: as operações de TV paga do grupo Disney, das quais a ESPN responde pela quase totalidade, foram (números de 2012) 57% do faturamento líquido do grupo Disney. A ESPN é muito maior do que a Globo. A penetração da ESPN nos Estados Unidos é próxima à penetração da Globo no Brasil.
No Brasil, evidente, não é assim. Por uma série de razões. A começar pelas que não passam pelo Brasil. Pra começar, a sede da ESPN na América do Sul é na Argentina. Some-se a isso o fato de que a matriz, apesar de ter ouvido múltiplos pedidos da filial, nunca se dispôs a bancar um briga pelos direitos que tirariam a ESPN Brasil do “underground”, os do Brasileirão. Executivos da ESPN Brasil chegaram a mostrar estudos que indicavam qual seria o investimento necessário, e a enorme probabilidade de que ele retornaria com sobras pouco tempo depois.
Para a matriz, porém, por maior que fosse o número, sempre seria pouco: os mesmos números de 2012 mostram um faturamento de pouco menos de US$ 10 bilhões para a ESPN americana. A Globo, no período, faturou menos de R$ 10 bi, bem menos da metade, portanto.
Sem o bolso da matriz, restava à ESPN concorrer com as armas que tinha. Enquanto ela brigava com ninguém, ou com um Sportv não muito empenhado, era mais fácil. A chegada da Fox, porém, e recentemente do Esporte Interativo (via Turner, dono do Space e TNT, por exemplo), mudaram o jogo. E a ESPN perdeu todos os games (no jargão tenístico) que foram disputados desde então.
A perda da Champions League é traumática, muito traumática. Era, desde sempre, a estrela da programação da ESPN. Era o diferencial, o que fazia as pessoas se sentirem “fãs de esporte”. Por mais torcedores que os campeonatos Inglês e Espanhol atraiam – e lembrando que o Italiano já não é da ESPN -, a “grife” sempre foi a LC. Acontece que essa é daquelas derrotas que depois pode virar vitória. O Esporte Interativo ainda não tem penetração, a Uefa pode se arrepender, daqui a três anos há nova concorrência, não há nada que impeça a ESPN de ganhar de volta os direitos. A saída do PVC, porém, é simbólica de outras maneiras. Se assemelha àquela saída de um jogador que sempre foi identificado com a torcida, que ganhou muitos títulos mas que se decepcionou com o time.
É de se imaginar que PVC deixa a ESPN porque a empresa perdeu eventos importantes, e atraído pela Libertadores. O comentarista, porém, já havia recebido propostas de outros canais antes, e não tinha aceitado. Só PVC sabe de verdade o que mudou e aqui o post em que ele mesmo fala sobre a mudança.
Durante o período em que a Trivela editou a Revista ESPN, tive duas conversas com Paulo Vinícius Coelho. Nas duas, eu estava encrencado com a chefia da TV. Nas duas, ele tomou a iniciativa de me chamar e me ajudar. Em uma, eu ainda acho que estava certo, mas o PVC discordava de mim – e concordava com a chefia. Na outra, eu estava errado, completa e irremediavelmente errado, mas mesmo assim ele, a estrela da companhia, tomou a iniciativa de ajudar a mim, um cara a quem ele não devia nada e que nunca poderia ajudar ele de nenhuma maneira. É assim que a gente conhece a natureza das pessoas.
Não posso dizer que eu seja amigo de Paulo Vinícius Coelho, fora essas duas conversas, tive apenas papos rápidos com ele. Mas acho que, nessas conversas e analisando a figura pública, consegui formar uma imagem do ser humano Paulo Vinícius. Posso estar completamente equivocado no que vou dizer, algumas pessoas que conhecem bem a ESPN acham que eu estou supervalorizando esses sinais, é importante deixar claro que eu estou fora do Brasil há tempos, e que não tenho nenhuma “informação interna”.
Mas o que sempre me pareceu é que dinheiro jamais tiraria PVC da ESPN. “Prestígio”, seja lá o que isso signifique, jamais tiraria PVC da ESPN. PVC só sairia dali por circunstâncias muito especiais. Mesmo assim, em julho deste ano eu tive certeza de que aquele romântico casamento tinha começado a acabar.
No começo da Copa do Mundo, eu não estava no Brasil. Cheguei em São Paulo dias depois da fatídica conversa que Felipão teve com alguns jornalistas, PVC e Juca incluídos. Por isso, quando liguei a televisão na ESPN pela primeira vez depois disso, minha reação foi de completo espanto. Afinal de contas, por que é que uma boa parte da equipe da ESPN estava tratando PVC como se ele fosse um inimigo? O cara estava sendo maltratado. Tinha gente que falava com ele da maneira como nunca falou com Ricardo Teixeira ou Eurico Miranda. Há quem argumente que depois daquela conversa PVC “comprou a versão” de Felipão. Eu, como disse, não estava aí, não tenho como saber. Ainda assim, a reação foi totalmente desproporcional, encharcada de ciumeira profissional. Eu parei de assistir o Bate-Bola pra não ter que ver os caras se pegando.
Minha teoria é de que ali “acabou o amor”, e eu disse isso em julho. Quem me acompanha no Twitter, aliás, viu minha total incompreensão com o que estava acontecendo. PVC é um cara leal até a morte, isso acho que eu posso dizer dele sem medo de errar. Houve na equipe com quem ele trabalhava naquele momento quem não tenha sido leal a ele. Não estou falando, é óbvio, de discordância pura e simples. Estou falando de agressividade desnecessária, mesmo.
Acho que se Felipão não tivesse convidado PVC para aquele papo, a história teria sido outra. Acho que o clima interno não teria azedado. E acho que o PVC passaria por cima da perda de eventos do canal. O clima que se criou na Copa, porém, me parece ter mudado isso tudo.
(Uma observação: algumas pessoas que leram o texto enxergam nele uma crítica principalmente ao Mauro Cezar. Aviso: não é, porque se fosse eu não escreveria. Me dizem que os piores embates foram entre ele e o PVC, mas eu, como disse, não estava no Brasil, não vi nada disso, os embates a que me refiro não envolveram o Mauro, que é um cara que está no topo da minha pirâmide de admiração e gratidão.)
A ESPN é uma das maiores corporações do planeta mas, no Brasil, sempre esteve do lado das causas certas. Sempre apostou na qualidade e na inovação. Sempre deu espaço para o talento – embora também tenha sucumbido de vez em quando à piada fácil, e quase sempre sem graça. A ESPN é importante para o jornalismo esportivo brasileiro de uma maneira muito maior do que sua audiência poderia fazer crer.
Não é que no dia 1/1/2015 tudo vá acabar. Ainda estarão lá muitos dos melhores profissionais da casa – Leonardo Bertozzi, Gustavo Hofman, Gian Oddi, Paulo Andrade, André Kfouri, Mauro Cezar Pereira, Everaldo Marques só pra citar os meus preferidos – não posso elogiar o Ubiratan, ele é meu editor. Ainda estarão lá o Inglês, o Espanhol e a Copa do Brasil. Mas a alma do canal está na balança. É hora para um pouco de, na expressão americana, “soul searching”, um mergulho na alma, um pouco de psicanálise empresarial.
Para o torcedor, tanto faz onde ele vai assistir aos jogos que gosta. Perde-se PVC na Liga, mas ganha-se na Libertadores (sobre isso, é bom ler o excelente texto do excelente Menon). Para o jornalismo esportivo brasileiro, porém, esse “soul searching” é fundamental. A ESPN é o irmão mais forte dos pequenos, mesmo sendo o gigante que é internacionalmente.
Assim é desde o começo, e não há motivo para supor que possa mudar. Que não mude, mesmo, que não prevaleça a visão exclusivamente empresarial que prevalece na ESPN americana, onde é proibido criticar a NFL (sim, eu exagerei, mas é mais ou menos por aí.) A verdade é que corremos o risco de só perceber o quanto a ESPN era importante no dia em que a perdermos para “o outro lado”.