quarta-feira, 6 de agosto de 2014

E se tivéssemos conquistado o hexa?

Vamos supor (suposição absurda, eu sei) que o Brasil tivesse despachado a Alemanha no Mineirão e, depois, vencido a Argentina no Maracanã. A festa seria tão grande que, à essa altura, o futebol brasileiro estaria, como se diz, nas nuvens. Não só redimido da tragédia de 50 como também, e é aqui que a suposição faz sentido, certo de que é mesmo o melhor do mundo. E, sendo o melhor, não há por que mudar.
Fui levado à tal pensamento ao ler as páginas de esporte desta terça-feira. Ganha a Copa, talvez estivéssemos pensando em erguer estátuas para marins e del neros; citar sua administração como modelo que todos, inclusive os alemães, deveriam seguir; achar que nada, nem o calendário, deveria mudar num futebol que brilhou tanto nesse junho-julho de 2014. Iríamos mais longe: olhar com o mais extremo desprezo para as reivindicações do Bom Senso. O que mais querem esses craques milionários de uma CBF ou de um Ministério dos Esportes do país hexacampeão do mundo?
Não estou usando essas hipóteses como com consolo para nosso tombo na Copa. Longe de mim usar o velho chavão de que "há males que vêm pra bem", como quem quer fingir que perder, ou melhor, perder feio como perdemos, tem um lado bom. Não tem. Mas não há dúvida de que o hexa teria jogado para debaixo do tapete o fato, hoje indiscutível, de que o futebol brasileiro precisa mudar. Dentro e fora de campo. De preferência, já.
As páginas de esporte desta terça-feira são exemplares. E o Rio de Janeiro serve como microcosmos de uma indigência de dimensão nacional. O Flamengo deve R$ 700 milhões e está seriamente ameaçado de ser rebaixado para uma segunda divisão onde, certamente, não ganhará o suficiente para pagar mísera fração desse total. Seu presidente é franco: não vai, não pode, não deve gastar para melhorar seu time.
O Vasco está metido numa confusão política já crônica na história do clube. Fraude nas eleições, dívidas incalculáveis e a ameaça de ter de volta ao seu comando um cidadão para quem não se acreditava ainda haver lugar no Vasco, no futebol, na Cãmara. E o time, pela segunda vez em cinco anos, frustra sua imensa torcida brigando na Segundona.
O treinador do Botafogo é obrigado a admitir que o atraso no pagamento dos salários está provocando um "desgaste emocional" em seus jogadores. O que significa dizer que o glorioso, a apenas dois pontos da zona fatal, está correndo o risco de cair nela já no próximo fim de semana. Isso sem que o problema dos salários seja resolvido por uma diretoria que já pensa no pior, no mais extremo: desistir de disputar o Campeonato Brasileiro. O Botafogo voltaria a ser um clube só de regatas.
Tudo isso está nas mesmas páginas que informam a apreensão da turma do Bom Senso quanto ao que a Câmara de Deputados vai decidir sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte. Há furos no projeto do bem intencionado deputado que o apresentou. E nossa presidenta? Não prometeu que olharia com carinho para os de bom senso?


Voltando à nossa absurda suposição, o fracasso na Copa (certamente o mais retumbante de nossas 20 participações) provou que já não somos o país do futebol, já não temos os melhores craques, já não sabemos como administrar nossos clubes, federações e confederações, já estamos de pires na mão, já éramos. Pior, sem que uma luz se acenda no fim do túnel.