sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Aranha vence o jogo, o racismo, mas árbitro, na súmula, ignora ofensas ao goleiro

GAZETA PRESS
Aranha foi alvo de racismo durante jogo do Santos contra o Grêmio
Aranha foi alvo de racismo durante jogo do Santos contra o Grêmio: ofensas no segundo tempo
Todos nós disputamos uma "corrida" na vida. A corrida que começa quando você é estudante e tem a reta final na disputa pelo mercado de trabalho. Claro que os de famílias com melhores condições financeiras têm maiores possibilidades. Não precisam começar a trabalhar cedo, aprendem em escolas bem estruturadas e muitas vezes contam com o suporte de pais mais bem preparados intelectualmente em virtude do que também puderam aproveitar. Tudo isso pesa lá na frente.
No grupo de privilegiados, negros são minoria. Não são poucos os exemplos que sustentam tal tese. "Negros são 63% dos pobres e 69% dos indigentes do Brasil", era o título de reportagem da Folha de São Paulo publicada há quase 13 anos - clique aqui e leia. O texto informava que os negros formavam 45% da população brasileira e eram 64% dos pobres e 68% dos indigentes do país. Isso foi em 2001.
"Renda dos negros cresce, mas não chega a 60% da dos brancos", foi o título de reportagem da Agência Brasil publicada no começo de 2014 - clique aqui para ler. O texto, com dados do IBGE, informava que R$ 2.396,74 era o rendimento médio dos brancos em 2013, contra R$ 1.374,79 dos negros. Isso dava 57,4% dos ganhos médios de brasileiros brancos, para ser preciso. Uma desvantagem mais do que evidente na "corrida" da vida. O tempo passou e a situação não se modificou.
Em mais de uma década, percentuais e algumas cifras podem ter se alterado, mas o cenário é o mesmo. Os negros largam em grande desvantagem na "corrida". E ainda sofrem com o racismo, inúmeras vezes em silêncio, nas situações constrangedoras que o dia-a-dia costuma reservar. Quando consegue sucesso profissional e social, ainda assim ele está sujeito a agressões de tal origem. É uma das formas mais baixas, covardes, abjetas, de se atingir um ser humano.
Para Mauro, punição pelo racismo tem que ser individual e interditar o estádio não irá resolver
Quando alguém de manifesta de forma racista, tem a enorme chance de ferir profundamente o alvo de seu ataque. O palavrão puro e simples é inofensivo se comparado às palavras de tal viés. É aquela frase que faz o cidadão negro lembrar de situações humilhantes vividas por ele ou pelos seus. Algo absolutamente repulsivo e que machuca pra valer. Uma bomba capaz de desestabilizar emocionalmente o cidadão.
Num jogo de futebol a chance de sucesso dessa deplorável investida é sifgnificativa. Aranha foi vítima ataque do gênero. Ferido, se revoltou. Mostrou a todos o que estava acontecendo no segundo tempo de Grêmio 0 x 2 Santos, aqui em Porto Alegre. Uma minoria gremista atingira profundamente o arqueiro santista. Só ele e quem já sentiu isso na pele pode realmente expressar o quanto machuca, revolta. Mas mesmo quem não é negro e jamais foi chamado de "macaco" pode imaginar, se quiser.
Por isso é preciso repercutir, sim, episódios como o ocorrido durante o ótimo jogo disputado na Arena do Grêmio. Para que todos saibam, mesmo aqueles que nem acompanham futebol. O racismo não pertence ao nosso esporte, mas nele se infiltra porque o jogo está na sociedade inserido. E ela é, algumas vezes, racista. Se acontece enquanto a bola rola repercute mais do que quando não vai além de um bate-boca pela rua. É a chance de escancarar o problema a toda sociedade. E combatê-lo.
É fácil para um branco sugerir que esqueçamos, que deixemos para lá para não dar publicidade ao racistas. Mas é quase impossível para um negro ser chamado de "sujo", de "macaco" e seguir ali, frio, impávido. Fico imaginando que tipo de emoção deve ter sentido Aranha naquele momento. Em quem pensou? O que teve vontade de fazer? Como reagiria se não estivesse em campo defendendo (muitíssimo bem) o gol do Santos? Por várias razões, ele foi o melhor em campo na fria noite porto-alegrense.
Mas apesar de tudo o que se passou na Arena do Grêmio, a súmula do árbitro Wilton Pereira Sampaio ignora o episódio. Ele cita atraso na volta ao gramado e um rolo de papel atirado no campo. Mas nada a respeito das ofensas racistas, sequer a queixa feita pelo goleiro do Santos, numa reação que manteve o jogo paralisado por alguns minutos. Resta saber se desta vez o apitador irá fazer um "adendo" à súmula (abaixo).
REPRODUÇÃO
Súmula do árbitro Wilton Pereira Sampaio ignora ofensas racistas a Aranha
Súmula do árbitro Wilton Pereira Sampaio ignora ofensas racistas a Aranha