terça-feira, 1 de julho de 2014

Se o Brasil for campeão, o choro da "depressão" será cinicamente rotulado como "estilo Felipão"

Mauro Cezar não vê motivo para Brasil reclamar da arbitragem e analisa questão emocional
Não sou psicólogo. E se fosse não teria condições de avaliar o estágio emocional de alguém à distância. Poderia chegar a uma opinião, algo que até quem não tem tal formação evidentemente pode ter. Mas essa sensação não terá obrigatoriamente qualquer conexão com a realidade. Algo como um palpite, fruto de uma percepção possivelmente errada.
A seleção voltou a jogar o seu "verdadeiro" futebol na Copa do Mundo, que não é o da vitoria sobre a Espanha em 2013, uma exceção. Um time cujo coordenador técnico, Carlos Alberto Parreira, de cara rotulou de favorito — também disse que a CBF é o Brasil que deu certo. Depois do que ele falou sobre a força da equipe, como justificar vê-la jogando tão mal? Era preciso uma explicação. Propaganda enganosa?
Então surge das profundezas sei sabe-se lá de onde a tese de que jogadores brasileiros estão fragilizados mentalmente. Gente acostumada a grandes jogos por seus clubes, com experiência na própria equipe nacional. E de uma hora para outra não passam de um bando de fracos. Uns manteiga derretidas, diriam os mais antigos.
É evidente que o aspecto emocional pesa demais em momentos de grande pressão profissional. E pode ser uma das razões para as atuações ruins. Mas não é razoável que esse componente seja colocado no topo entre os problemas do selecionado canarinho. Só que esse discurso ganhou força, passou a repercutir, virou uma grande onda.
Uma onda capaz de encobrir os problemas técnicos e táticos de um time mal armado. Uma equipe sem meio-campo, como dizíamos no Linha de Passe da ESPN Brasil durante a Copa das Confederações. Falávamos que o time só saia jogando com zagueiros e laterais, apelando, além da conta, para as exageradas bolas esticadas por Thiago e David.
Ouvi opiniões diferentes que devem ser respeitadas, claro. Mas me alegra constatar, um ano depois, que mais gente reclama da fraca saída de bola do time da CBF. Contudo, não esqueçamos que isso não é uma novidade. E a pelota não sai redondinha lá de trás porque o meio-campo do Brasil nesta Copa segue tão deserto como em 2013.
O técnico Luiz Felipe Scolari não é o único responsável pelo atual estado de coisas. Quem o contratou, seu staff e o da CBF também levam fatia de culpa por esse time tão desorganizado. Mas cabe a ele a maior parcela. Especialmente pela incapacidade de se reciclar, se modernizar, de ver o futebol de outras maneiras. Uma pena.
É o Felipão de sempre, sem novidades, sem técnicas ou táticas diferentes, desprovido de repertório. Um desperdício. Quem dera o futebol brasileiro na Copa em nosso país levasse a campo uma equipe competitiva, com identidade. Há jogadores para isso. Dá pena ver Neymar ali. Ele merecia um time melhor. E isso não é por causa dos jogadores.
A tese que esconde os problemas do time nasceu em algum lugar, fruto provavelmente de alguma mente esperta na arte de desviar o foco. Isso acontece há séculos na política e no futebol. Um factóide que "vira" verdade. Se o Brasil não for campeão, parte da torcida atribuirá o fracasso aos atletas de "cabeça fraca". Seria um absurdo, uma covardia.
De psicologia não entendo. Já futebol conheci há uns 45 anos, quando me apaixonei por esse jogo. E olhando o campo, eu, você, muitos de nós, somos capazes de notar que independentemente de cabeças fortes ou fracas, lá está um time mal treinado. Mesmo com um bom material humano à disposição do comando técnico cebeefiano.
O último título do Palmeiras, a Copa do Brasil 2012, foi ganho no "estilo Felipão". Mas os palmeirenses, com aquele time, não tinham outra opção. Era aquilo ali ou nada. Naquele cenário, valeu a pena, é evidente. Bizarro perceber que, sem precisar, o Brasil virou refém disso. E essa é uma discussão que independe dos resultados.
Fato é que, bem sucedidos, os jogadores da seleção brasileira não precisam calar enquanto tentam transformá-los em bananas. Por que se o time ganhar o troféu (e tudo é possível quando se trata do Brasil em Copas do Mundo, até ser campeão sem um bom técnico), atribuirão o sucesso ao comando de Scolari. E o choro da depressão será cinicamente transformado em choro da vitória. Vitória ao "estilo Felipão".
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