quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Dívida recíproca

A dívida do Flamengo com Ronaldinho chamou a atenção nestes primeiros dias do ano. E não é pra menos. Pelo valor de arregalar os olhos de qualquer mortal (R$ 3 milhões e vários milhares de quebrados, relativos a cinco meses de atraso) e pelo fato de atingir astro até então acostumado a ver o dinheirinho pingar na conta sempre na data combinada. O rapaz se aborreceu, no que está coberto e encapotado de razão; o combinado com qualquer empregador tem de ser cumprido. Assinou, valeu.

Mas há outro aspecto a ser considerado nessa história de quem quer receber em dia o que lhe é devido. Faz um ano que o Flamengo ganhou o leilão em que se transformou a volta de Ronaldinho ao Brasil. Transação lenta, que desgastou o moço e sua trupe ao deixarem o Grêmio a ver navios, após suposto acerto com o clube de origem, mas que o fez cair nos braços da torcida rubro-negra. Com direito a recepção ruidosa no dia em que trovoadas e casas desabavam em cidades serranas do Estado do Rio.
Depois de uma temporada, o que o Flamengo lucrou com o repatriamento do ex-melhor do mundo? Do ponto de vista técnico, lhe valeu um título estadual e a vaga para a disputa da fase preliminar da Libertadores de 2012, nos duelos com o Real Potosí, a partir da semana que vem. No marketing, de onde Patrícia Amorim e colaboradores imaginavam tirar o máximo proveito, a presença do gaúcho tem sido fiasco retumbante.
Ele não ajudou o clube a aumentar faturamento com patrocínios, não participou de campanhas publicitárias, pesou pouco na média de público nos estádios. Venderam-se camisas com o nome e o número do R10 aquém do esperado.
A constatação é chata, mas necessária: atualmente Ronaldinho não tem a imagem associada a excelência profissional, a conquistas. Por isso, não atrai atenção de empresas, não há convites para campanhas na televisão. Não é como Ronaldo, que a bem da verdade jogou só meio ano no Corinthians (o primeiro semestre de 2009), mas com um carisma tão acentuado que vendeu o que quis e teve encobertas escorregadas na vida pessoal. Deu lucro, ao assumir-se mais um no "bando de loucos", e fatura muito até hoje no Parque São Jorge.
Não considero justo duvidar da qualidade da arte de Ronaldinho, pois se trata de jogador extraordinário, com inteligência e habilidade muito acima da média. Domínio de bola perfeito, visão de jogo incomum, dribles e gols desconcertantes o levaram duas vezes ao topo da avaliação mundial. No auge da carreira, teve impacto maior do que Messi, pelo estilo mais explosivo e vistoso.
O encanto parece ter se perdido em alguma esquina do passado, em algum porão catalão, lá por 2005, 2006. Nos últimos anos, houve aparições esporádicas do grande Ronaldinho Gaúcho, tanto no Barcelona quanto no Milan e agora no Fla. Foram canjas, apenas, para ficar em linguagem artística. O gênio da bola deu lugar a um atleta ainda diferente, é verdade; no entanto, sem o poder de decisão anterior. O desejo de redimi-lo foi tão grande que bastaram alguns malabarismos para ver reabertas as portas da seleção brasileira. Voltou e ninguém sentiu a diferença. Pena.
Numa crônica de um tempo atrás, escrevi que um disco voador de marcianos havia abduzido Ronaldinho e deixara aqui cópia mal-acabada. Estou convencido disso. Não tem como pedirmos para Nasa, Nato, o papa, nos ajudarem a resgatá-lo? Com o verdadeiro Ronaldinho de volta, certamente as dívidas serão pagas - as do Fla e as do clone que circula por aí.