terça-feira, 9 de agosto de 2011

Javi Poves: a matéria que gostaria de ter feito

Cazuza sempre dizia que “quem nada contra a corrente tem mais a dizer”. A história da humanidade comprova. A do esporte também. A rebeldia santa de Reinaldo. Doutor Sócrates. O gesto imortal de John Carlos e Tommie Smith nas Olimpíadas do México, em 1968. Paulo César Caju e sua metralhadora giratória, contra tudo e todos...Afonsinho. Vou lembrando de alguns com a certeza de cometer a injustiça de esquecer tantos outros. Personagens espetaculares, gente que marcou o mundo, dentro e fora das quadras, campos...

Alberto Juantorena, Teófilo Stevenson, ídolos de uma causa, por uma causa. Perguntei um dia para Stevenson se hoje se arrependia dos dólares que não ganhou. O olhar brilhou antes da sentença: “faria tudo de novo. Luto por meu povo”. O tempo arrefece e as pancadas da vida muitas vezes diminuem o ímpeto. Foi assim quando entrevistei uma Jackie Silva, anos depois de tantas batalhas. Cansada de guerra, sentenciou: “o problema de se levantar bandeiras é que muitas vezes não conseguimos mais abaixar elas”. Ainda assim, a natureza não permitia que deixe sempre escapar um comentário mordaz.

Do mesmo esporte, entrevistei Isabel, que melhor me definiu o que mais doía ao parar com o esporte: “perder um canal de expressão. Enquanto atleta temos muito mais voz”. Das quadras também lembrei das conversas que tive com Loic De Kergret, levantador da França nos anos 90 e 2000. Rastafari, paralelo ao vôlei usava os campeonatos para fazer uma tribuna contra a Taxa Tobin e contra a fome. Levava a vida dentro dos preceitos rasta. Foi perseguido ao longo dos anos, invariavelmente era sorteado para o exame de doping.

Pensei nisso tudo ao ler na imprensa espanhola a notícia sobre um personagem espetacular. Não me lembro de rebeldia maior nos últimos tempos, desde Teófilo Stenvenson. De algo mais radical. Em plena era yuppie, do individualismo, do eu exacerbado, eis que deparo com a história de Javi Poves, zagueiro do Sporting de Gijon, 24 anos. Depois de tantos anos, tantos personagens, foi bom ver que ainda podemos nos impressionar com algo.

Nos últimos dias, foi até o local da pré-temporada do seu time e avisou que estava parando. “Quando era pequeno, jogava por amor ao esporte, mas quando mais conheço o futebol mas se dá conta de tudo é dinheiro, de que está podre, e se perde um pouco a ilusão”.

Vinte e quatro anos, bom porte, boas perspectivas de poder virar um milionário, fez o que Gabriel Garcia Márquez definiu magistral e poeticamente como “destruir a própria estátua” no seu lindo “Relato de um náufrago”. O discurso impressiona. Mais ainda quando sabemos que é acompanhado radicalmente de prática. “O problema é que não sou de de direita ou de esquerda. Não sou de nada. Sou antitudo isso!”. Vai além: “quero conhecer o mundo de verdade, saber o que há. Ir para à África. Para isso não faz falta muito dinheiro. Não quero viver prostituído, como 99% da gente. Se não posso ter uma vida limpa na Espanha, terei na Birmânia. Onde for.”

Vai retomar a faculdade de história. Já é muito mais do que isso. Sem saber ainda, saiu dos campos para entrar na história.