segunda-feira, 11 de julho de 2011

"Vamos que Vamos!": emocionante livro sobre o Uruguai e a alma uruguaia

Ana Laura Lissardy é uruguaia, escritora, jornalista e, mais recentemente, torcedora de futebol. Assistiu à Copa do Mundo da África do Sul pela televisão e pelas imagens das pessoas de seu país, nas ruas. Percebeu que cada gol fazia redescubrir um pedaço da alma dos uruguaios. Em dezembro, ela reuniu todas as emoções e partiu para as cidades onde vivem os 23 campeões, digo, quartos colocados no Mundial da África. O resultado disso é o livro “Vamos que Vamos!”, publicado pela editora Prisa Ediciones (http://www.prisaediciones.com/uy/libro/vamos-que-vamos/)No livro, ela traça os perfis dos 23 convocados, cada um a partir de um epíteto. Na entrevista abaixo, ela não dá um depoimento sobre futebol. É um depoimento emocionante sobre o Uruguai e sobre o efeito da Copa no povo uruguaio.


PVC - Como surgiu a ideia de fazer os perfis dos jogadores do Uruguai, da Copa do Mundo de 2010?
Ana Laura Lissardy -
 Não foi uma busca claramente futebolística, é um estudo muito mais humano. Queria ver como esses 23 jogadores, com suas maneiras de ser, seus comportamentos, suas visões, nos fizeram recordar quem somos, nossa identidade. 
Como disse Lugano no livro, eles são reflexo do país. Não é o país o reflexo deles. 
Suas histórias e suas personalidades são as que são porque nasceram e foram criados no Uruguai. E então essas histórias são as nossas. A sua, a do vizinho, da prima do vizinho, a minha história também.
A prova de que este reencontro com nossa identidade transcendeu o aspecto futebolístico foi o fato de a população ter saído para festejar depois da partida que o Uruguai perdeu para a Alemanha e terminou em quarto lugar. Queriam dizer que o placar não era o mais importante. Dizer também: “Nós somos vocês!”
O mesmo se passou com a recepção no retorno da África do Sul. 
Chegar em quarto lugar no Mundial potencializou este sentimento popular, mas não foi isso o que gerou esse sentimento. O que gerou foram as personalidades dos que construíram essas histórias. Por isso decidi fazer esses perfis, que são os perfis de todos nós, o povo uruguaio.

PVC - A seleção modificou o ânimo do país?
Ana Laura –
 Uma noite durante a Copa do Mundo, eu estava esperando um ônibus, chovia e fazia muito frio. Havia duas estudantes conversando sobre uma prova que fariam. Uma dizia que não conseguiriam se preparar para a prova. E então a outra respondeu algo assim: “Sim, vamos conseguir, veja a Celeste como pode fazer coisas que todos duvidam!”
É um exemplo gráfico de como a seleção mudou o estado de ânimo do país. Porque a sensação de “Vamos Poder!” se vivia nas ruas, no trabalho, em todos os lados. E é justamente por tudo isso que digo: recordamos quem somos.

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Vamos que vamos!: a capa



PVC – A sua relação com o futebol começou quando era criança? O que falavam seu pai, seu avô, sua mãe sobre o futebol uruguaio do passado?
Ana Laura –
 Na verdade, minha relação com o futebol não completou nem sequer um ano. Comecei a ver futebol durante a Copa do Mundo, puxada por tudo isso que comentei nas respostas anteriores. Agora vejo até mesmo partidas de clubes europeus. Aprendi a gostar de futebol, mas não tenho uma história de vida com o futebol, tenho uma relação que cresce, mas é recente.
Há muita gente como eu, sobretudo mulheres, que começaram a ver futebol e a entendê-lo e desfrutá-lo a partir da Copa do Mundo da África do Sul, a partir do resultado da Celeste.
A alguns jogadores e à comissão técnica chegaram cartas ou mensagens de gente que dizia ter visto uma partida de futebol pela primeira vez na vida, durante a Copa do Mundo e que agora estavam se tornando torcedores. Viraram torcedores de futebol e não apenas da Celeste.
A seleção aproximou o povo, porque foi mais do que uma seleção de futebol.



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Ana Laura Lissardy



PVC – Que importância tem para o Uruguai, para a continuidade do que houve no Mundial, a conquista da Copa América?
Ana Laura –
 Eu mentiria se dissese que não há grandes expectativas no Uruguai, quanto à Copa América. As expectativas são grandes, sim. Mas me parece que a continuidade não vai depender do resultado da Copa, ainda que esteja claro que uma boa campanha consolidaria e fortaleceria o que se fez até aquí. Refiro-me ao fato de que a continuidade depende muito mais de se poder seguir com um projeto que começou em 2006, de um pensamento de futebol, de profissinalismo, de como fazer as coisas. E esse projeto e esse processo vão continuar independentemente da conquista da Copa América. 

PVC – O que significa a Olimpíada de Londres em 2012? A primeira disputa da Celeste em Olimpíada desde o título de 1928.
Ana Laura –
 Sabe que vários jogadores da seleção principal – para não dizer todos – estavam assistindo em suas casas à partida da seleção sub-20 contra a Argentina, e que foram vários os que se emocionaram com a vitória? Mandaram mensagems para os garotos para dar parabéns aos jogadores da sub-20?
Imagino Forlán, Abreu, Suárez, Lugano, vendo o jogo pela televisão, acordados no meio da madrugada, muitos deles, e se emocionando e festejando, mandando mensagens ou telefonando para dar um abraço.
E imagino, por outro lado, os jogadores da seleção sub-20 recebendo um telefonema ou uma mensagem desses jogadores consagrados, que tanto admiram e que tanto seguem. Imagino-os atendendo ao telefone e escutando a voz de Lugano ou de Forlán, que lhes dizem: “Parabéns!” Imagino a emoção de um lado e do outro e acredito que essas duas imagens simultâneas mostram bem o que significa a classificação para o Uruguai.

PVC – Nos perfis, você deu apelidos a cada jogador, epítetos. Me lembre todos eles e me diga qual te parece a história mais impressionante?
Ana Laura –
 São várias. A de Diego Pérez, porque é o símbolo da garra charrúa e é um homem super sensível. Tudo o toca muito e a sensibilidade é a sua força. Sente tudo, e tanto, que dá tudo de si no campo. 
Também a de Luis Suárez, que começou a treinar no futebol profissional querendo jogar na Europa, por amor, porque sua mulher, na época sua noiva, estava lá. 
A de Lugano criança, que acompanhava sua mãe para ensinar trabalhos manuais em centros de acolhida e via realidades duras de abandono, e que ao ver isso, desde cedo, começou a desenvolver um forte sentido social, que tem até hoje.
Ou a de Abreu, que aos 7 anos, quando ouviu a empregada que trabalhava em sua casa lhe pediu para deixar de chutar a bola contra a parede, respondeu: “Deixe, porque serei o futuro goleador do Nacional e da sua Seleção Nacional. Abreu se lembrou disso quando se preparou para bater o pênalti contra Gana, na Copa do Mundo.

Os apelidos:Fernando Muslera – A timidez
Diego Lugano – O idealismo
Jorge Fucile – O otimismo
Walter Gargano – A picardia
Mauricio Victorino – A tranquilidade
Edinson Cavani – A águia
Sebastián Eguren – A solidariedade
Luis Suárez – A atitude
Diego Forlán – O profissionalismo
Alvaro Pereira – O atleta
Juan Castillo – A empatia
Sebastián Abreu – O carisma
Nicolás Lodeiro – O protegido
Egidio Arévalo Rios – O resiliente
Ignacio González – A fé
Andrés Scotti – O equilíbrio
Alvaro Fernandez – As raízes
Sebastián Fernández – O intelectual
Martín Cáceres – A frescura
Martin Silva – A família
Oscar Tabares – O fazedor