quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

No basquete, ameaça de boicote e clima de coisas fora do lugar

O basquete brasileiro já foi protagonista de jornadas memoráveis nas Olimpíadas e em Mundiais, tanto no masculino como no feminino, e figurou entre os melhores do mundo. Por causa disso, e das emoções que a modalidade oferece, não há nenhuma dúvida que vai ser uma das principais atrações da Rio-2016.
Nesse cenário, como se alinham as seleções brasileiras de basquete? Resposta difícil, que só provoca outras interrogações. Como assim?
Simplesmente porque o basquete nacional vem acumulando desacertos sem parar. Isso mais fora das quadras, nos setores diretivo e administrativo, com desmandos e gastos exorbitantes de verbas públicas, sem contrapartidas que comprovem evolução da modalidade.
As projeções do basquete brasileiro rumo aos Jogos mostraram crises desde o início. As vagas automáticas das seleções nacionais –uma concessão ao organizador do evento– nos torneios olímpicos do Rio levaram mais tempo do que o necessário para serem confirmadas.
Vieram apenas após um acordo no qual a CBB assegurou que não daria calote na Fiba e honraria o restante (cerca de US$ 800 mil) de uma dívida em atraso. A origem da dívida por si já era um vexame, fruto de contribuição à Fiba para que o Brasil participasse do Mundial masculino, uma vez que o time nacional fracassara nos eventos classificatórios.
Brasil e EUA eram os únicos países que haviam participado de todas as edições desde a primeira Copa do Mundo, em 1950. Daí a importância de ir ao Mundial. Em outras palavras, teve de comprar o convite. Assumiu uma dívida que não tinha como pagar naquele momento.
No masculino, a CBB trabalha para ter o seu time forte na Olimpíada, inclusive com os brasileiros que atuam na NBA, a poderosa liga da América do Norte.
O mesmo não se pode dizer da seleção feminina, no momento. Um levante, encabeçado por dirigentes e técnicos das seis equipes da liga nacional, tornou público um boicote à seleção. Eles ameaçam não ceder suas jogadoras para o evento-teste da Olimpíada em janeiro próximo.
Embora o santo seja de barro, frágil, eles querem andar rápido com o andor, fazendo exigências para que a CBB mude a atitude vigente com o time feminino. Entre outras coisas, a ousada proposta é que a entidade abra mão da parte técnica da preparação da seleção, incluindo a indicação do técnico e das convocadas, para um colegiado da liga.
A CBB não topou. Manteve o técnico Luiz Augusto Zanon e anunciou a lista de convocadas para o evento-teste da Rio-2016. Caso os clubes não mudem sua posição, a entidade adiantou que tomará medidas legais, recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
O confronto da cartolagem ferve. A apresentação das jogadoras está programada para 6 de janeiro. Dos clubes da liga, apenas dois –Maranhão e Presidente Venceslau– não tiveram atletas relacionadas. Os outros são Sampaio Corrêa, Santo André, América/Recife e Corinthians/Americana.
A LBF (Liga de Basquete Feminino) está na sua quinta edição, que, por dificuldades financeiras, passou a ser gerida pela Liga Nacional de Basquete. Esta também organiza o NBB (Novo Basquete Brasil), o campeonato brasileiro masculino. Até nessa mistura de siglas tudo parece confuso.
Na realidade, os clubes querem que a CBB dispense mais atenção ao basquete feminino. O setor nem sequer conta com um dirigente técnico exclusivo na confederação, que é a responsável pelas seleções nacionais.
O ex-jogador Vanderlei Mazzuchini, diretor técnico do masculino, acabou acumulando as atividades do feminino, depois que a ex-jogadora Hortência deixou a função tempos atrás.
Zanon, ex-jogador de sucesso, passou a trabalhar como técnico do time feminino de Americana em 2009 e, em março de 2013, foi anunciado como o substituto de Luiz Cláudio Tarallo na seleção. O time vinha de pífia campanha na Olimpíada de Londres, um nono lugar fruto de apenas uma vitória.
A grande verdade é que a posição assumida pelos clubes, independente dos motivos, azeda os planos da preparação para a Olimpíada. Assunto de tamanho interesse carece de uma análise serena.
Não dá para entender, por exemplo, como a liderança dos clubes revoltosos fale em afastar o técnico Zanon. Uma rápida busca na internet basta para o encontro de pérolas, como "Depois de 50 vitórias em 55 jogos e de 11 títulos conquistados em 13 campeonatos disputados como técnico de Americana, na minha opinião já era mais do que o momento de o Zanon estar na seleção".
A opinião é de Ricardo Molina, de Americana, um dos líderes do boicote, ao anunciar renovação do técnico com a sua equipe, coincidentemente no dia da indicação dele para o time nacional. Zanon trocou o feminino pelo time masculino de São José dos Campos. A falação é que ele deixou de ter olhos para o feminino.
Os problemas do basquete não são poucos nem desimportantes, mas alguma coisa parece fora do lugar. Ou será que todas as coisas estão fora do lugar?