terça-feira, 9 de junho de 2015

O ídolo

O carro se aproxima do hotel e a cem metros já é possível observar a multidão. Centenas de pessoas, jovens em sua maioria, aglomerados na entrada principal. Elas estão ansiosas. À medida que o automóvel chega mais perto, notamos as camisas listradas em azul e amarelo.
Ao volante, um dos responsáveis pela rotina daquele que era a razão de todo aquele tumulto dá voltas no quarteirão. Tenta ganhar tempo para saber o que fazer. Pelo celular, outra pessoa da equipe procura orientar o duble de motorista e sugere uma entrada alternativa.
— Tem que existir uma, nem que seja aquela passagem secreta do Batman — sugiro, na falta de algo minimamente inteligente para dizer. Mas a solução não demora.
— Vou descer — avisa o ídolo.
— Mas pode ser perigoso — adverte um companheiro, surpreso, como todos nós, com tamanho movimento em outro país a mais de 2,2 mil quilômetros da sede do clube pelo qual aqueles torcedores são fanáticos.
O carro para. Os primeiros fãs a perceberem quem dele irá sair dão o sinal. Pronto. Veículo cercado. Ele deixa a mochila conosco, abre a porta e sai. Envolvido instantaneamente como açúcar por formigas, começa a atender a tantos quanto pôde.
E tome fotos, selfies, autógrafos, abraços, rápidos contatos com as mãos feitos por quem desejava apenas tocar o ídolo. Aos poucos ele ganha terreno, a porta está mais próxima. Finalmente entra no hotel. Acabou? Que nada. A romaria dos torcedores do Fenerbahce por causa de Alex apenas começava.
Foi assim por seis dias em Berlim, que tem na população aproximadamente 1,5 milhão de turcos e descendentes. Muitos nasceram na Alemanha, alguns jamais foram à Turquia e consequentemente nunca viram um jogo do clube mais popular do país em casa. Mas e daí?
A paixão desse povo pelo seu clube é algo impossível de mensurar, e a devoção por quem os fez tantas vezes felizes faz parecer piada infantil a máxima (?) "Brasil, o país do futebol". Aliás, passa da hora de trocar para "Brasil, país dos bons jogadores de futebol". São coisas bem diferentes.
É óbvio que alemães, ingleses, argentinos e uruguaios amam os times mais do que grande parte dos brasileiros ama os seus. Sem generalizar, claro. Nessas nações, o clube é motivo de orgulho. Sempre. "Nas Buenas e nas Malas". Não é comum ouvir heresias do tipo: "Eu é que não vou ver esse time de merda". Por que eles vão.
Como torcedor, o brasileiro em geral é um tanto quanto interesseiro. Comparece ao jogo se a equipe está bem e a abandona sem constrangimentos se a fase for ruim. E isso não é uma opinião, mas uma constatação. São os torcedores de vitórias, que só aparecem na boa, apóiam quando a fase ajuda. Ou seja, a maioria.
Os turcos vão além das médias de públicos assustadoras de ingleses e alemães, mesmo em períodos difíceis. Dão mais do que os vizinhos portenhos com seus cânticos teimosos mesmo quando o placar é de 3 a 0 para o adversário. Eles parecem dispostos a tudo pelo amor de suas vidas. No caso especifico, o Fenerbahce.
— O clube faz parte deles, como se fosse um pedaço do próprio corpo — testemunha o ex-camisa 10, enquanto lá fora a multidão segue cantando "I Love you, Alex". E como amam! Nós vimos, não é força de expressão.
Se o clube é uma parte do corpo do torcedor turco, digamos que um dos braços, o ídolo é no mínimo um dedo. Alex parece ser pelo menos uma mão inteira, tamanha a devoção daquelas pessoas. E na véspera da decisão da Champions League uma cena mexeu comigo e quem mais a acompanhou.
Passamos a sexta-feira trabalhando (Alex conosco como um dos comentaristas daESPN Brasil) no estádio Olímpico, onde Barcelona e Juventus nos proporcionaram um dia movimentado. Saímos ao meio-dia e eles estavam lá. Retornamos, por volta das 23 horas e, claro, eles continuavam lá, esperando-o.
Um rapaz em cadeira de rodas foi rapidamente atendido por Alex, já preventivamente cercado por três seguranças providenciados pela ESPN. Os demais brigavam pelo espaço para chegar perto, tirar uma foto, obter um autógrafo, o possível. Mas antes disso, do carro onde estávamos, foi possível notar a cena.
Em outro veículo Alex chegara à nossa frente e quando foi visto pelo vidro do carro, veio a imediata transformação nas expressões dos rostos daqueles jovens. Quanto vale a alegria daquela gente? Qual a dimensão daquele dia para os meninos, nascidos alemães, mas de coração, família, cultura e time turcos? O sorriso desinteressado de um fã incondicional. Foi bonito pra cacete!
Nem todos os homens são capazes de entender a paixão do fã que tira a liberdade, rouba o direito de ir e vir em alguns lugares, cria constrangimentos. Como alguém que dribla a segurança do hotel e bate à porta do quarto às duas da madrugada. E faz isso por uma foto com o ídolo.
Aquela gente, aquele povo ama o brasileiro Alex de Souza, que tem estátua em Instambul e segue sendo adorado mesmo três anos após sair do Fenerbahce. Fãs deixaram a Turquia e desembarcaram na capital da Alemanha na esperança de vê-lo. Houve quem se hospedasse no mesmo hotel para mais perto ficar. E a maioria passava horas em vigília, na calçada.
Em 32 anos de jornalismo já vi ídolos serem ídolos, agirem como ídolos, e outros demonstrarem que não são merecedores de tal honraria. Por que a forma como o idolatrado trata quem o reverencia é a chave disso tudo. Aumenta esse sentimento de respeito extremo.
Alex é um verdadeiro ídolo. Tivesse jogado num time europeu mais poderoso e campeão continental dificilmente alcançaria a admiração de pessoas como tem a dos turcos, inclusive torcedores de times rivais. Se eu já achava que ser amado por uma torcida vale mais do que um título de campeão ou outro, agora estou mais convicto disso do que nunca.
Sem esquecer que toda essa paixão reflete a dedicação e a seriedade com a qual se veste uma camisa. E o jogador que não compreende o que ela significa para o torcedor jamais será um verdadeiro ídolo. Nisso Alex é exemplar. E a paixão dos torcedores turcos pelo time de coração comovente.
Feliz do clube que é capaz de despertar tamanha paixão. Se fosse ex-jogador de futebol, acho que agora eu lamentaria caso jamais tivesse atuado na Turquia. Pra ter a chance de fazer por merecer um pouquinho daquilo, mesmo sem saber se saberia lidar com tamanha paixão. Que negócio magnífico o futebol.