terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Sem meio-campo, Barcelona vive de lampejos e lembra Flamengo do 'pior ataque do mundo' em 1995

Nas palestras que realizou em seu ano "sabático" antes de assumir o Bayern de Munique, Pep Guardiola sempre deixou claro que a maior virtude do Barcelona que criou ou aperfeiçoou e eternizou era o trabalho no meio-campo. Com superioridade numérica, mas principalmente de qualidade técnica e talento com o trio Busquets-Xavi-Iniesta e mais Messi, que recuava como "falso nove" para ajudar na articulação.
A bola circulava entre as intermediárias e só encontrava os lados do campo para espaçar a marcação ou forçar as diagonais dos ponteiros, que recebiam os passes...dos jogadores do meio. Construção bem pensada do jogo.
TRUMEDIA
Com Guardiola na temporada 2010/11, muitas trocas de passe entre as intermediárias pelo centro para construir o jogo.
Com Guardiola na temporada 2010/11, muitas trocas de passe entre as intermediárias pelo centro para construir o jogo.
O Barça que venceu o Valencia por 1 a 0 no Estádio de Mestalla simplesmente virou as costas para esses conceitos. Só restou a posse de bola de 69%, porém infrutífera, sem objetivo.
Porque o técnico Luis Enrique, na ausência de Iniesta em fase final de recuperação de uma lesão na panturrilha, plantou Busquets e Mascherano à frente da zaga e avançou Xavi como único armador. Rakitic iniciou no banco de reservas.
A conseqüência? Time burocrático no meio-campo, dependente dos ofensivos laterais Daniel Alves e Jordi Alba para dar profundidade às manobras de ataque e dos lampejos do trio na frente: Messi e Suárez alternando no meio e pela direita, Neymar à esquerda.
Nem sinal do trabalho associativo e inteligente, das tabelas curtas e do controle dos espaços no campo. Com a bola, acreditem, o Barcelona era aleatório. Sem plano, sem ideias. Vivendo apenas do talento bem vigiado pelo Valencia organizado no 4-1-4-1 e veloz nos contragolpes pelos flancos com Feghouli e Rodrigo que não encontrava em Negredo um finalizador de qualidade.
OLHO TÁTICO
Barcelona com dois volantes fixos liberando os laterais, Xavi e o trio de ataque para tentar superar o 4-1-4-1 do Valencia - sem sucesso.
Barcelona com dois volantes fixos liberando os laterais, Xavi e o trio de ataque para tentar superar o 4-1-4-1 do Valencia - sem sucesso.
Impossível não lembrar de outro time que sofreu ao ficar refém de seu tridente ofensivo: o Flamengo de 1995, com Edmundo, Romário e Sávio. O "pior ataque do mundo", como ironizavam as torcidas rivais.
Sem nenhum tipo de comparação - até pelas épocas diferentes e porque o time rubro-negro lutou para não cair no Brasileiro daquele ano, enquanto o blaugrana segue brigando no topo da tabela do Espanhol. Vale apenas como recordação de uma equipe que se perdeu coletivamente para jogar a serviço de suas estrelas na frente.
O Fla comandado por Edinho, hoje comentarista de TV, e depois Washington Rodrigues, o famoso radialista carioca "Apolinho" alçado à condição de técnico pelo então presidente Kleber Leite, também jogava com dois volantes fixos: Pingo e Márcio Costa ou Marquinhos. Só um armador - Djair, ex-Botafogo e Fluminense, que costumava atuar mais recuado, assim como Xavi.
Para piorar, os laterais não eram boas válvulas de escape: pela direita, quase sempre um zagueiro improvisado - Agnaldo ou Fabiano - e à esquerda Lira, contratado ao Fluminense, mas que pouco produzia. Tudo dependia de um Sávio ainda muito jovem e intimidado com as estrelas, Edmundo que nunca se sentiu à vontade com a camisa do maior rival do Vasco e Romário ainda o melhor do mundo, mas com problemas particulares e tratando a volta ao Brasil como "férias remuneradas". Não podia dar certo.
OLHO TÁTICO
Uma das formações do Flamengo no segundo semestre de 1995: meio-campo marcador e só Djair para acionar os pouco inspirados Edmundo, Romário e Sávio.
Uma das formações do Flamengo no segundo semestre de 1995: meio-campo marcador e só Djair para acionar os pouco inspirados Edmundo, Romário e Sávio.
Assim como é difícil imaginar o Barcelona recuperando protagonismo com repertório tão pobre. Venceu no lance final, gol de Busquets no "abafa". Mas já com Rakitic no lugar de Mathieu, recuando Mascherano para a zaga e voltando a utilizar dois armadores.
Mesmo assim, a inspiração passou longe. Apenas sete finalizações. A rigor, só uma grande defesa de Diego Alves em chute de Suárez no primeiro tempo...e o gol único da partida. O resultado pode ter sido satisfatório, mantendo o time na vice-liderança a dois pontos do Real Madrid, com aproveitamento de 79,5%. Mas a atuação desaponta quem associou o clube catalão ao bom futebol nos últimos anos.
Se o ataque não brilha, resta pouco ao Barcelona. Talvez mais uma temporada de coadjuvante na Espanha e no continente.
TRUMEDIA
Mapa de toques contra o Valencia: forte presença pelas laterais e na zona de atuação do trio de ataque e pouca circulação da bola no meio-campo.
Mapa de toques contra o Valencia: forte presença pelas laterais e na zona de atuação do trio de ataque e pouca circulação da bola no meio-campo.