segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Artigo definido


O corintiano passou o domingo a soltar rojões, caprichou no buzinaço, entornou estoques de suco de cevada, se esgoelou, endoideceu. Com razão. Não é a todo momento que se conquista um mundial, proeza para curtir, degustar, relembrar sempre. De quebra, Tite e os rapazes dele confirmaram, no Japão, as profecias maias, que há sei lá quantos séculos previam para agora o fim de uma era.
E não é que estava certo o pessoal que habitava a América antes do Colombo e das invasões colonialistas e predatórias de espanhóis e portugueses? De fato, acabou o tempo... de zoar a Fiel. Neste ano, caíram duas vigas mestras que sustentavam antigas chacotas: a falta de Libertadores e um Mundial com carimbo no passaporte. Vieram ambos, e de lambuja ergue-se o Itaquerão, belo e garboso. Terminou a gozação, ou no mínimo se esvaziaram papos de boteco. Sem graça...
Mas há graça, e muita. Na verdade, ela está na impressionante reconstrução alvinegra num período de cinco anos. O time foi do fundo do poço, em dezembro de 2007 com a queda para a Segunda Divisão, ao topo do mundo em dezembro de 2012. Nesse meio-tempo, acumulou a conquista do Acesso (2008), o Paulista e a Copa do Brasil de 2009 e o Brasileiro de 2011, antes de chegar ao ápice com as proezas recentes. O clube se reestruturou, investiu em marketing agressivo, apostou em projetos (e vale usar palavrinha tão desgastada).
O 1 a 0 sobre o Chelsea não veio por acaso. O placar foi desdobramento do processo de renascimento, remontagem e reforma de um símbolo centenário que apodrecia e que precisava de uma chacoalhada. Exageros à parte - e existem, por paixão, demagogia ou interesse -, a sacudida ocorreu e deu frutos.
O Corinthians está cada vez mais popular, ao mesmo tempo em que se sofistica como instituição. Faz viver em harmonia o tradicional e o moderno. Por isso, sabe tirar proveito do estereótipo folclórico dos fãs ("É nóis, mano!, "Vai, Corinthians!" são marcas registradas) e, assim, avança sobre os concorrentes, ganha dinheiro e coleciona taças. Ou seja, de bobo e ignorante não tem nada.
Como não foi tosco em nenhum detalhe na disputa do Mundial. O Corinthians dedicou-se ao sonho, se preparou para fazer bonito. Não embarcou para o Oriente como se fosse para uma excursão de fim de ano nem encarou os jogos com Al Ahly e Chelsea como enfadonhos compromissos comerciais. Escrevi algumas vezes que não importava o que pensavam os ingleses, e sim o valor que se dá, por aqui, ao troféu da Fifa. Para o Corinthians, era valioso. E veio.
O apreço pelo prêmio internacional ficou estampado na reação da torcida, que azucrinou ouvidos nipônicos nestes dias, e sobretudo na aplicação dos jogadores e na seriedade de Tite, artífice de um Corinthians econômico no espetáculo (1 a 0 é o placar favorito), mas objetivo e eficiente.
O Corinthians jogou para ganhar "a" taça. O Chelsea foi disputar "uma" taça. A diferença entre artigo definido e indefinido valeu a glória alvinegra. Heróis? Todos. Mas menção especial para Tite, para Guerrero, o autor do gol, e para Cássio, um assombro que trancou as redes.
Pausa. Foram em torno de 200 crônicas em 2012, num espaço nobre. Agradeço a gentileza e a paciência de você que me acompanha quatro vezes por semana (fora edições extraordinárias), o que torna enorme minha responsabilidade. Faço uma parada, para retomar fôlego. Feliz Natal, com o olhar carinhoso do Menino. Nos vemos em meados de janeiro.