Quando criança, eu costuma me penitenciar por não ter visto Pelé. Nasci em 1982 e, nem se meus pais tivessem sido mais apressados, eu teria conseguido ver o camisa 10 do Santos e da seleção brasileira. Eu me sentia menor, incompleto, porque amava o futebol, mas não tinha vivido a época do maior de todos os tempos.
Mas o tempo cura esses delírios; e nós dá, também, a chance de ver outros grandes esportistas. Quando tinha uns 10 anos, cheguei à brilhante conclusão de que não tinha visto Pelé, mas tinha visto Michael Jordan. Na verdade, tinha visto uns 30 jogos de Jordan, graças ao tempo em que a NBA passava em TV aberta e ao Dream Team de Barcelona.
Depois, em 1994, veio a morte de Ayrton Senna. E tentei me consolar dizendo que havia visto o maior piloto de todos os tempos. Só que meus pais não foram apressados demais, e só lembro do Senna pós-1988 e, nos primeiros anos, com aquela memória afetiva que nos faz tornar maiores coisas que não eram tão grande assim.
Mas eu tinha visto Senna e Jordan; vamos combinar que não era pouca coisa. Se não iria ver Pelé, mesmo, era o que tinha pra hoje.
Daí em algum momento do início dos anos 2000, a coisa começou a desandar. Kelly Slater dominou o surf, Bob Burnquist mudou a história do skate, Fedor Emelianenko passou anos invicto no MMA antes de Anderson Silva e Jon Jones também aparecerem de forma impressionante; e com o passar do tempo, surgiram Usain Bolt no atletismo, Michael Phelps na natação, Teddy Riner no judô.
Só que, dentre tantos Pelés, o meu foi outro. Eu não poderia me apossar de Slater ou Burnquist porque sou bissexto em competições de surf ou skate. Não conseguiria escolher entre Jones, Fedor ou Anderson Silva - ou tantos outros - porque todos ainda estão na ativa; sobre Phelps, Bolt ou Riner, são todos fantásticos, mas peguei o bonde andando, junto com todo mundo. Não poderei dizer que vi desde o começo, quase solitário, que vi primeiro, como dizem todos os moradores de Santos sobre a chegada de Pelé. Ou todos os senhores da Mooca sobre o gol contra o Juventus na rua Javari.
Depois de mais de duas décadas procurando, hoje eu descobri o meu Pelé. O tempo, sempre ele, esfregou isso na minha cara. Você está velho, toma aqui o seu Pelé e fica quieto.
Vi Schumacher na Fórmula 1 desde a primeira imagem do carro ele que chegou ao Brasil, em um sábado de agosto de 1991. Vi, achei o nome legal, tentei adotá-lo com um grande piloto desde o início - fiz o mesmo com Eric van de Poele e Luis Pérez-Sala, mas eles não vingaram.
Schumacher parou hoje, e foi só hoje que eu percebi o tamanho da notícia. Porque agora é pra valer. Agora é acabou, é fim, é o Pelé gritando Love, Love, Love no último jogo pelo Cosmos. É Phelps chorando na borda da piscina, é o vai-com-Deus pra quem gosta e o já-vai-tarde pra quem não gosta.
Schumacher foi o maior piloto da história da Fórmula 1. E discutam até a morte quem foi o melhor, porque são dois conceitos diferentes. E elaborem teorias sobre Se o Senna não tivesse morrido, e digam que Ele não teve adversários, falem que Foi tudo armado, chamem o alemão de Sujo, malvado e bobão, criem apelidos de Dick Vigarista. Façam o que quiserem, porque vivemos em um país democrático e cada um pode achar o que quiser, votar em quem quiser e aguentar as consequências.
Sete títulos, 91 vitórias, quase todos os recordes. Schumacher foi o maior piloto da história da Fórmula 1.
Mas pra mim, agora, pouco importa o que ele fez ou deixou de fazer. O que importa, de verdade, é que finalmente a busca terminou. Schumacher foi o Pelé que eu vi.
Mas o tempo cura esses delírios; e nós dá, também, a chance de ver outros grandes esportistas. Quando tinha uns 10 anos, cheguei à brilhante conclusão de que não tinha visto Pelé, mas tinha visto Michael Jordan. Na verdade, tinha visto uns 30 jogos de Jordan, graças ao tempo em que a NBA passava em TV aberta e ao Dream Team de Barcelona.
Depois, em 1994, veio a morte de Ayrton Senna. E tentei me consolar dizendo que havia visto o maior piloto de todos os tempos. Só que meus pais não foram apressados demais, e só lembro do Senna pós-1988 e, nos primeiros anos, com aquela memória afetiva que nos faz tornar maiores coisas que não eram tão grande assim.
Mas eu tinha visto Senna e Jordan; vamos combinar que não era pouca coisa. Se não iria ver Pelé, mesmo, era o que tinha pra hoje.
Daí em algum momento do início dos anos 2000, a coisa começou a desandar. Kelly Slater dominou o surf, Bob Burnquist mudou a história do skate, Fedor Emelianenko passou anos invicto no MMA antes de Anderson Silva e Jon Jones também aparecerem de forma impressionante; e com o passar do tempo, surgiram Usain Bolt no atletismo, Michael Phelps na natação, Teddy Riner no judô.
Arquivo/Jordan
O mundo ganhou, em dez anos ou doze anos, muitos Pelés. O Pelé do basquete, o Pelé do judô. Pelé virou substantivo comum, virou sinônimo do cara que é o melhor no que faz. Só que jamais seria possível escever Pelé com minúsculas - então virou substantivo comum escrito com maiúsculas.Só que, dentre tantos Pelés, o meu foi outro. Eu não poderia me apossar de Slater ou Burnquist porque sou bissexto em competições de surf ou skate. Não conseguiria escolher entre Jones, Fedor ou Anderson Silva - ou tantos outros - porque todos ainda estão na ativa; sobre Phelps, Bolt ou Riner, são todos fantásticos, mas peguei o bonde andando, junto com todo mundo. Não poderei dizer que vi desde o começo, quase solitário, que vi primeiro, como dizem todos os moradores de Santos sobre a chegada de Pelé. Ou todos os senhores da Mooca sobre o gol contra o Juventus na rua Javari.
Depois de mais de duas décadas procurando, hoje eu descobri o meu Pelé. O tempo, sempre ele, esfregou isso na minha cara. Você está velho, toma aqui o seu Pelé e fica quieto.
Vi Schumacher na Fórmula 1 desde a primeira imagem do carro ele que chegou ao Brasil, em um sábado de agosto de 1991. Vi, achei o nome legal, tentei adotá-lo com um grande piloto desde o início - fiz o mesmo com Eric van de Poele e Luis Pérez-Sala, mas eles não vingaram.
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Devo ter visto todas as corridas de Schumacher na Fórmula 1, com exceções que confirmam a regra. Escrevi o nome dele mais do que o da minha mãe. Muito mais. Talvez eu tenha escrito mais vezes o nome dele do que o meu; essas coisas malucas da profissão. Nem quero calcular quantas vezes para não parecer mais velho do que já estou.Schumacher parou hoje, e foi só hoje que eu percebi o tamanho da notícia. Porque agora é pra valer. Agora é acabou, é fim, é o Pelé gritando Love, Love, Love no último jogo pelo Cosmos. É Phelps chorando na borda da piscina, é o vai-com-Deus pra quem gosta e o já-vai-tarde pra quem não gosta.
Schumacher foi o maior piloto da história da Fórmula 1. E discutam até a morte quem foi o melhor, porque são dois conceitos diferentes. E elaborem teorias sobre Se o Senna não tivesse morrido, e digam que Ele não teve adversários, falem que Foi tudo armado, chamem o alemão de Sujo, malvado e bobão, criem apelidos de Dick Vigarista. Façam o que quiserem, porque vivemos em um país democrático e cada um pode achar o que quiser, votar em quem quiser e aguentar as consequências.
Sete títulos, 91 vitórias, quase todos os recordes. Schumacher foi o maior piloto da história da Fórmula 1.
Mas pra mim, agora, pouco importa o que ele fez ou deixou de fazer. O que importa, de verdade, é que finalmente a busca terminou. Schumacher foi o Pelé que eu vi.