sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Schumacher, o Pelé que eu vi



Quando criança, eu costuma me penitenciar por não ter visto Pelé. Nasci em 1982 e, nem se meus pais tivessem sido mais apressados, eu teria conseguido ver o camisa 10 do Santos e da seleção brasileira. Eu me sentia menor, incompleto, porque amava o futebol, mas não tinha vivido a época do maior de todos os tempos.

Mas o tempo cura esses delírios; e nós dá, também, a chance de ver outros grandes esportistas. Quando tinha uns 10 anos, cheguei à brilhante conclusão de que não tinha visto Pelé, mas tinha visto Michael Jordan. Na verdade, tinha visto uns 30 jogos de Jordan, graças ao tempo em que a NBA passava em TV aberta e ao Dream Team de Barcelona.

Depois, em 1994, veio a morte de Ayrton Senna. E tentei me consolar dizendo que havia visto o maior piloto de todos os tempos. Só que meus pais não foram apressados demais, e só lembro do Senna pós-1988 e, nos primeiros anos, com aquela memória afetiva que nos faz tornar maiores coisas que não eram tão grande assim.

Mas eu tinha visto Senna e Jordan; vamos combinar que não era pouca coisa. Se não iria ver Pelé, mesmo, era o que tinha pra hoje.

Daí em algum momento do início dos anos 2000, a coisa começou a desandar. Kelly Slater dominou o surf, Bob Burnquist mudou a história do skate, Fedor Emelianenko passou anos invicto no MMA antes de Anderson Silva e Jon Jones também aparecerem de forma impressionante; e com o passar do tempo, surgiram Usain Bolt no atletismo, Michael Phelps na natação, Teddy Riner no judô.

Arquivo/Jordan
O novato limpa o capacete antes do primeiro GP da carreira
O novato limpa o capacete antes do primeiro GP da carreira
O mundo ganhou, em dez anos ou doze anos, muitos Pelés. O Pelé do basquete, o Pelé do judô. Pelé virou substantivo comum, virou sinônimo do cara que é o melhor no que faz. Só que jamais seria possível escever Pelé com minúsculas - então virou substantivo comum escrito com maiúsculas.

Só que, dentre tantos Pelés, o meu foi outro. Eu não poderia me apossar de Slater ou Burnquist porque sou bissexto em competições de surf ou skate. Não conseguiria escolher entre Jones, Fedor ou Anderson Silva - ou tantos outros - porque todos ainda estão na ativa; sobre Phelps, Bolt ou Riner, são todos fantásticos, mas peguei o bonde andando, junto com todo mundo. Não poderei dizer que vi desde o começo, quase solitário, que vi primeiro, como dizem todos os moradores de Santos sobre a chegada de Pelé. Ou todos os senhores da Mooca sobre o gol contra o Juventus na rua Javari.

Depois de mais de duas décadas procurando, hoje eu descobri o meu Pelé. O tempo, sempre ele, esfregou isso na minha cara. Você está velho, toma aqui o seu Pelé e fica quieto.

Vi Schumacher na Fórmula 1 desde a primeira imagem do carro ele que chegou ao Brasil, em um sábado de agosto de 1991. Vi, achei o nome legal, tentei adotá-lo com um grande piloto desde o início - fiz o mesmo com Eric van de Poele e Luis Pérez-Sala, mas eles não vingaram.

Getty
Schumacher anunciou a aposentadoria nesta quinta-feira
Schumacher anunciou a aposentadoria nesta quinta-feira
Devo ter visto todas as corridas de Schumacher na Fórmula 1, com exceções que confirmam a regra. Escrevi o nome dele mais do que o da minha mãe. Muito mais. Talvez eu tenha escrito mais vezes o nome dele do que o meu; essas coisas malucas da profissão. Nem quero calcular quantas vezes para não parecer mais velho do que já estou.

Schumacher parou hoje, e foi só hoje que eu percebi o tamanho da notícia. Porque agora é pra valer. Agora é acabou, é fim, é o Pelé gritando Love, Love, Love no último jogo pelo Cosmos. É Phelps chorando na borda da piscina, é o vai-com-Deus pra quem gosta e o já-vai-tarde pra quem não gosta.

Schumacher foi o maior piloto da história da Fórmula 1. E discutam até a morte quem foi o melhor, porque são dois conceitos diferentes. E elaborem teorias sobre Se o Senna não tivesse morrido, e digam que Ele não teve adversários, falem que Foi tudo armado, chamem o alemão de Sujo, malvado e bobão, criem apelidos de Dick Vigarista. Façam o que quiserem, porque vivemos em um país democrático e cada um pode achar o que quiser, votar em quem quiser e aguentar as consequências.

Sete títulos, 91 vitórias, quase todos os recordes. Schumacher foi o maior piloto da história da Fórmula 1.

Mas pra mim, agora, pouco importa o que ele fez ou deixou de fazer. O que importa, de verdade, é que finalmente a busca terminou. Schumacher foi o Pelé que eu vi.