quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Lanterna na proa

Ligo a TV no domingo para assistir à partida entre Corinthians e América-MG, líder e lanterna do campeonato brasileiro, agora a cinco rodadas do final. Enquanto o Vasco perdia para o Santos na Vila Belmiro, o Corinthians empatava sonolentamente, o que lhe daria a liderança com um ponto de vantagem. Nos minutos finais, porém, o América fez 2 a 1 numa cobrança de falta. Mesmo derrotado, o Corinthians continua líder, mas nem o mais ufanista dos comentaristas seria capaz de dizer que o time convence, tem pinta de campeão, merece o título mais que nenhum outro. Continuo com a TV ligada, zapeando canais e programas esportivos, e, na rádio e nos jornais dos dias seguintes, escuto e leio sobre a partida. Aos poucos as conversas convergem: se o líder perdeu para o lanterna, é porque "futebol não tem lógica" e, sempre em tom de orgulho mal disfarçado, "o campeonato brasileiro é o mais disputado do mundo", mesmo que falte um grande time e o nível técnico não seja dos melhores. Mais sono.

A derrota do Corinthians não pode ser tomada especificamente como prova de que o futebol é imprevisível. Aliás, ter lógica não significa ser previsível - e que essa confusão permaneça no esporte mais querido do povo brasileiro não deixa de mostrar as deficiências da nossa cultura e educação. O confronto não atentou contra a lógica, mas contra o prazer. A ligeira ainda que real superioridade do elenco corinthiano em relação ao americano não foi vista em campo por motivos diversos: os times jogaram de igual para igual e, apesar do pênalti inexistente que permitiu o América sair na frente no placar, houve momentos na partida em que o Corinthians mereceu perdê-la. Danilo, William e Liédson, por exemplo, eram menos perigosos do que o ataque adversário.
Tampouco o enrosco da tabela significa que o campeonato não deixe a desejar apenas em técnica e tática: também deixa a desejar em emoção, em encanto, em belas e frequentes ações individuais e coletivas. A comparação com o campeonato espanhol, em que dois times dominam as estatísticas vitoriosas (Barcelona e Real Madrid, este jogando cada vez melhor), é ociosa. Não quero ter de escolher entre um campeonato com dois timaços cheios de craques e 18 equipes supostamente medíocres e um campeonato desprovido de um timaço e com oito equipes supostamente qualificadas. Como torcedor, espectador e comentarista, quero ver bons jogos e grandes jogadas, especialmente se um dos dois clubes em campo for candidato forte ao título. Para isso, faz mais sentido comparar o Brasileirão consigo mesmo: não faz muito tempo esses acontecimentos eram muito mais corriqueiros na nossa TV. Havia timaços, times qualificados e times medíocres; havia técnica e emoção; entrava-se na área com tabelas e dribles, com a bola no chão, não só trombadas e chuveiros.
Sonífera também é a tentativa de adivinhar resultados. Olhando para o calendário, fica claro que o Corinthians tem a expectativa alentadora de enfrentar times quase rebaixados, mas, se continuar perdendo em ânimo como perdeu no domingo, o prognóstico não faz sentido. Como dizia o poeta inglês Coleridge, a experiência é uma lanterna na popa, que só ilumina o que já passou. À frente pode estar outra derrota caso o time não esteja iluminado... Por sinal, não estava iluminado nem mesmo quando empatou com o Internacional com gol de falta no final e venceu o Avaí depois da entrada de Emerson. Em outras palavras, o que tem determinado a liderança do Corinthians não é a consistência de seu desempenho, mas a maior inconsistência dos times equivalentes. Veja o São Paulo, que mesmo com a chegada de Luís Fabiano não achou um padrão e esmoreceu de vez.
O time que dá mais prazer ver, claro, é o Santos, que depois da Libertadores e de algumas contusões ficou longe do topo da tabela. Mas porque tem "o cara", Neymar, que conseguiu a façanha de estar entre os melhores do mundo atuando apenas no Brasil, cada vez mais esperto na combinação de ousadia individual e senso coletivo. Neste momento, é o único orgulho nacional que a lógica não disputa.