sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Fred e a falta que Rupert Murdoch faz por aqui

Acabamos sempre voltando a eles. Os Manjas. Não tenho o menor prazer no assunto. Escrevo sempre achando que é a última vez. Quase torcendo para isso. Mas o assunto acaba se impondo. A última vez que tive esse desprazer aqui nessa trincheirinha faz bem pouco tempo. Dia 30 de junho. Falava sobre o cinismo da justificativa-manja para manjar. A tal desculpa de que “se atrapalha o desempenho...”. Cínica, se dando assim poderes de decidir, como deuses, o que é bom desempenho, o que permite falar da vida alheia, etc. E pedia apenas honestidade, que assumissem que é uma luta por audiência, cliques ou tirar a própria existência medíocre no ofício do ostracismo, e não ficassem inventando subterfúgios. Está lá, basta descer até 30 de junho.

O episódio “Fred” dessa quinta me fez lembrar um trecho de tal texto. A certeza de que, cedo ou tarde, tal irresponsabilidade caminharia para legitimar agressões ou algo ainda mais grave. Aquele ponto em que a reflexão se torna urgente, em que as coisas passaram de todos os limites. Está no trecho que republico agora:

“Os Reis-Manjas estão nus. Não há argumento, nem mesmo o tal surrado e cínico do “vida pessoal atrapalhando o desempenho” que legitime um manja. Por algum tempo, gente boa acabou aceitando o torpe argumento. Que vai se esgotando. Mesmo que ainda gere e divulgue coisas mais torpes ainda, como disques-denúncias e alimente uma legião de pequenos-manjas em cada esquina, numa irresponsável cadeia que gera violência e agressão com quem é vítima da manjada.

Não bastasse, e aqui falo de minha aldeia, a traição ao espírito dessa cidade, que sempre se notabilizou por não se preocupar em manjar. Mas São Sebastião é mais forte. Nada sustenta o cinismo do jornalismo-manja. Que passará, como passarão os Manjas, recolhidos a insignificância de suas passagens e obras”.

Voltando: a aberração mudou ainda inacreditavelmente o eixo da discussão. Vimos gente falando da noitada de Fred, do número de caipirinhas consumidos ou de sei lá o que, mas o que está em questão, a notícia, é o inominável ato de uma meia dúzia se achar no direito de irromper um bar, na hora de lazer de um cidadão para interpelar o mesmo sobre sua vida pessoal. Se foi consumada agressão física ou não já nem importa. A agressão e a invasão é monstruosa. Legitimada pela campanha de manjas, disques-denúncias divulgados por manjas e afins.

No tal texto do dia 30 de junho, eu abria dizendo que “é grave a crise do jornalismo-manja”. Lamentavelmente, envergonhado diante dos fatos, sou obrigado a dizer que é muito, muito grave a crise de um modo geral. Do jornalismo, da sociedade... Nesse momento, sinto uma imensa falta por aqui de um Rupert Murdoch. Ele mesmo, o canalha barão da mídia, colhido em flagrante na sua sordidez-manja. Como sinto imensa falta da cultura dos tablóides sensacionalistas por aqui.

Por uma razão muito simples: é por causa dos Murdochs e dos tablóides que as coisas são claras na Inglaterra: manja é manja, sensacionalista sem escrúpulos é sensacionalista sem escrúpulos, fotógrafo que corre atrás de Lady Dy é paparazzi e imprensa séria é outra coisa, separada. Por aqui, com tudo misturado, temos que nos deparar com manjas dignos dos piores tablóides deitando cátedra sobre a legitimidade de se manjar “quando a noitada atrapalha o desempenho...”.

Resta o consolo de ler o que um monstro do jornalismo escreveu na Folha de São Paulo sobre o assunto há poucos dias, analisando o caso Murdoch. De quem compartilho, como escrevi no tal texto do dia 30, a certeza de que, mais ou menos dia, os manjas passarão. Oxalá sem mais vítimas. Sua ajuda, por favor, Mestre Clovis Rossi:

“Controlar a mídia é tarefa do leitor/ouvinte/telespectador. Eu tenho horror ao sensacionalismo, mas sei muito bem que meu gosto é minoritário, no Brasil como no Reino Unido ou qualquer outro país.
Rupert Murdoch não tinha 2,7 milhões de capangas armados de metralhadoras para forçar os ingleses a esgotar a tiragem do "News of the World".
Aliás, a propósito, vale reproduzir com uma ponta de orgulho corporativo a frase de Timothy Garton Ash, um dos intelectuais mais na moda na Europa, em seu artigo de ontem para "El País": "O melhor jornalismo britânico pôs a nu o pior", em alusão à incessante campanha do jornal"Guardian" para expor as indecências do "NoW".
Pois é, deixado livre, o melhor jornalismo acaba se impondo, por muito que demore”. (Clovis Rossi)