quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Casa Turuna, Imperador. O senhor não vai entender nunca"

Santuário de fé, festa, palco dos nossos rituais, lugar onde reinventamos a vida, nossa cultura e arte. E a fantasia que ajuda a esquecer das mazelas da vida. Já falamos disso tudo por aqui ao tratar do Maracanã que vai embora em cada picaretada dos picaretas e se esvai nas cinzas cada dia mais nebulosas. Por mais que seja difícil, tento entender como sempre o contraditório, o diferente, os argumentos de quem, salvo os envolvidos com as tenebrosas transações, acha que a modernidade se descortinará num palco iluminado, de almofadas, para almofadas. Mas continuam sem me explicar onde o povo e a gente humilde que andava por ali vai ficar. Onde estão contemplados nesse projeto de Maracanã da Fifa a gente humilde, que sempre foi o sal daquela terra. Já sei onde serão os 110 camarotes novos, mas os lugares com preço popular, bem, estes, ainda aguardo explicação. Mas tento entender o diferente.

Meu alento definitivo para tentar entender os que acham normal tudo isso demolido entre licitações não feitas e números que gritam em nossas caras veio de uma cena antológica. Corriam os últimos capítulos de “Anos Rebeldes”, recentemente reprisados, uma das melhores produções da tv brasileira, e que além do mais tinha trilha sonora monumental. Heloísa, vivida magistralmente por Cláudia Abreu, presenteava o embaixador suíço seqüestrado por ela e seu grupo com uma coroa nos momentos que precediam a libertação. Tinham desenvolvido algum laço de amizade, algozes e vítima nos dias de cativeiro, nessa lógica sem lógica tão brasileira. Heloísa admirava a sensibilidade do embaixador, por ela batizado de “Imperador”. Mas sabia que não era possível para um gringo entender nossa complexidade, o mais profundo de nossa alma, por mais que ele quisesse. Entender o sonho, a fantasia, a festa mesmo quando o pão é pouco, pra tudo se acabar na quarta-feira..
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É aí que Heloísa cunha uma das maiores frases da teledramaturgia brasileira. Entrega a coroa que simboliza a fantasia, o sonho de carnaval, o mais profundo de nossa alma, aquele sonho de papel capaz de transformar qualquer um em “um rei no meio dessa gente tão modesta” ou o “dono desta festa”, como no samba insulano. E dá a dica da casa onde se compram as fantasias, a senha onde todos os sonhos viram realidade por alguns dias: “Casa Turuna, Imperador. O senhor não vai entender nunca”.
É assim. Quem não viveu, quem não é afeito as coisas de sua gente, não vai entender nunca. Casa Turuna, imperador. Ou Maracanã, se preferir. Onde uma tarde de domingo decide quem é rei, onde todos eram iguais, onde todo mundo viveu um abraço com um desconhecido que nada tinha a ver com sua história e vida, onde todo mundo se sentiu Imperador por algum momento. Gari e empresário juntos no mesmo grito de gol e abraço.

Mas como disse Heloísa, quem não é do pedaço não vai entender nunca, que bobagem seguir falando em sonho, fantasia, fé, gente. Vale a “modernidade”. (Como se também não fosse sujo o argumento de que alguém não quer conforto para todos, geraldinos, desdentados. (Só não mostram onde eles estarão no novo projeto, repetirei sempre).

Se é assim, deixemos mesmo o subjetivo de lado, o sonho e a fantasia. Agora já não falamos mais disso. Agora falamos das relações promíscuas entre um governador e um empreiteiro, que toca as obras dessa modernidade gozando de fórum privilegiado para suas concorrências (ou ausências delas), que bate o martelo sobre a condenação da cobertura do estádio e por isso avisa que a obra ficou mais cara. Agora estamos falando do objetivo, do real. Se alguns não podem mesmo, tal como o Imperador, entender a nossa Casa Turuna de cada dia, ao menos deveriam se chocar e escandalizar com as notícias que se avolumam nos jornais a cada dia.

Que pode bem ser contemplada por uma outra frase de antologia do tal seriado. Trinta anos depois, a história do Brasil tendo voado, exílios, mortes, sofrimento, Maria Lúcia, vivida por uma linda Malu Mader, dá conta ao antigo e eterno amor que volta do exílio do que aconteceu com cada um. E fala dos arautos da modernidade daqueles tempos, dos escroques de antes, do que aconteceu com cada um. E então sai a outra frase antológica, que bem poderia ter sido dita por mim ou por você, pensando nos escroques que cercam nossas vidas e nossas histórias, no trabalho, na rua: “De todos os sacanas que conheço, não conheço nenhum que esteja mal”.

A mais pura verdade. Rindo um pouco, concluo que talvez essa seja uma das grandes razões para que nos apeguemos a coisas que transcendem a razão, seja a fé ou o que o valha. Afinal, é duro conviver com essa dura realidade. Algo mais forte, alguma justiça deve aguardar essas figuras! E a graça de tudo é que o jogo continua, a luta segue e os dados ainda estão rolando. Amanhã, uma turma combativa, a Frente Nacional dos Torcedores, tem audiência com o Ministério Público sobre o estupro do Maracanã. A mobilização pode mostrar a esta turma que só pensa nos lucros que nossa Casa Turuna tem que ser respeitada. No blog do Mauro já saiu o convite, mas segue para quem quiser.

DATA: 28 DE JULHO (QUINTA-FEIRA)
HORÁRIO: 14HS – até – 18HS
LOCAL: AUDITÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ENDEREÇO: AVENIDA NILO PEÇANHA, 31, CENTRO DO RIO DE JANEIRO