sábado, 16 de maio de 2015

O torcedor, a lâmpada mágica e um pedido: ter no seu time um capitão como Steven Gerrard

JOHN POWELL/LIVERPOOL VIA GETTY IMAGES
Steven Gerrard Despedida Anfield Liverpool Crystal Palace 16/05/2015
Steven Gerrard, com a filha no colo, bate pela última vez na mítica placa "This is Anfield"
Trôpego, cabeça baixa, meio sem rumo, o torcedor caminhava pelas ruas desanimado após mais uma derrota do seu time. Quando as coisas não vão bem, quem tem uma paixão no futebol não consegue se sentir 100%. O sono não é o mesmo, há casos em que se perde a fome e a sede por alguns copos de cerveja é, em inúmeros momentos, a única "salvação" para afogar tantas mágoas.
Passadas inseguras, chutando as pedras pelo caminho, o fanático repentinamente tropeça em algo. Ele pára, olha e se abaixa para pegar o objeto. Era uma lâmpada. Uma lâmpada mágica, como as daquelas fábulas dos filmes e desenhos animados. A estranha situação num dia não muito bom inspirou o homem das arquibancadas e agir como se fosse um personagem dessas aventuras.
— Uma lâmpada! Bem, como as coisas vão mesmo mal, não tenho muito a perder. E já que encontrei a lâmpada, vou esfregá-la. Vai que acontece alguma coisa - suspirou.
Após algumas passadas de mão na peça velha e amassada, ficou sem muitas esperanças ao perceber que nada acontecera.
— Isso é coisa de filme mesmo - resmungou.
Quando pensou em devolver o objeto ao chão onde o encontrou, percebeu que começara a vibrar. Pouco a pouco uma fumaça dela saiu. Assustado, largou a lâmpada e deu alguns passos para trás. Aos poucos, a figura do gênio gordo e de cara cansada tomava forma à sua frente.
— Quem foi o cara-de-pau que me acordou depois de centenas de anos? - questionou o "Shazam" de mal humor, esfregando os olhos.
— Fui eu... - respondeu timidamente o fã de futebol, dedos trêmulos como se o seu time tivesse um pênalti decisivo a ser cobrando naquele instante.
— Ah sim, você. Pelo jeito de se vestir deves pertencer a algum grupo religioso.
— De certa forma sim, isso aqui é minha religião - respondeu, beijando o escudo pregado no fardamento na altura do coração.
— Eu odeio fanáticos. Por causa deles me escondi aqui por tanto tempo. E tomei algumas medidas depois que alguns me pediram coisas como armas, exércitos, dinheiro, tudo para ganhar mais e mais territórios e poder. Vocês, humanos, são gananciosos demais - reagiu o gordão secular.
— E quem mudança foi essa? - perguntou o torcedor.
— Não mais concederei três desejos a quem encontra a lâmpada. Agora é um só e olhe lá - comunicou, enfático.
— Mais você reduziu de três pedidos para um? Só um? - perguntou, incrédulo.
— E o pedido é temático, eu vou estabalecer as regras - completou.
— Regras? E quais são?
— Como percebo que és fanático por futebol, precisas pedir um reforço para o seu time. Um só reforço - resumiu o "Aladim", dando uma pista sobre seu lado boleiro.
— Ah, é? Não posso nem pedir um time inteiro novinho?
— Não. E é bom você andar rápido com isso antes que eu resolva não atender pedido nenhum - ameaçou o gênio.
— Sou mesmo azarado. Meu time perdeu de novo, os jogadores não têm garra e quando acho uma lâmpada mágica a inflação consumiu meus pedidos. Pra piorar, ele ainda determina o que eu posso pedir - desabafou, desanimado.
— Vou tentar ajudá-lo - disse o gênio, que parecia ter uma assinatura de TV a cabo dentro da lâmpada, pois aos poucos demonstrava conhecer mesmo o futebol.
— Como? Vai fazer o Pelé ficar mais jovem e voltar a jogar? - desafiou o rapaz.
— Tá sendo irônico, é? Você poderia nem ter achado a lâmpada. Aproveite que ainda tem um pedido a fazer e não seja pífio e patético - ordenou o balofo, enquanto flutuava com braços e pernas cruzadas a uns 90 centímetros do solo.
— Mas Seu Gênio, um jogador só não resolverá o problema do meu time - explicou o fanático, um tanto quanto desesperançoso.
— Depende, meu garoto, depende... - fustigou o ser milenar, louco para causar um rebuliço no universo futebolístico e pensando em nomes como Messi e Cristiano Ronaldo, que ele faria trocar de camisa num toque de mágica ao ouvir o pedido.
— Gerrard! - cravou, convicto, o torcedor após pensar por alguns segundos, enquanto um sorriso eufórico repentinamente tomava seu rosto.
— Gerrard? Steven Gerrard? - perguntou o gênio, incrédulo.
— Ele mesmo - rebateu o jovem.
— Mas eu lhe dou a chances de escolher o Messi. De colocar o Cristiano Ronaldo no seu time, e você escolhe o Gerrard? Tudo bem que ele joga bola, mas o Gerrard? Antes eu tirasse o direito a todos os pedidos - protestou, indignado.
— Mas Seu Gênio, meu time está muito mal. Não basta alguém que faça muitos gols e obras de arte com a bola nos pés. Precisamos de um jogador capaz de mudar tudo. Alguém que saiba lançar, virar o jogo, sair jogando da defesa, chutar, marcar, desarmar, dar carrinho, bater faltas, pênaltis, cabecear. Que seja líder, capitão, referência, exemplo, ídolo! Que vista a camisa com amor. Que seja como eu, como nós quando sofremos e vibramos na arquibancada. Um torcedor de nosso time, só que dentro de campo. Que desde pequeno ame a camisa que veste - explicou, excitado, enquanto puxava o manto com força para mostrar tamanho amor pelo clube.
— É, acho que você tem razão - respondeu o gênio, pensativo, coçando a barbicha.
— Obrigado, Seu Gênio. Muito obrigado - agradeceu, mãos juntas como se estivesse rezando, o fanático agora esperaçoso ante a chegada do seu Messias.
— Eu que agradeço pela lição sobre futebol. Nunca havia pensando nisso. Nem sempre o mais habilidoso e artilheiro é o mais admirável nesse estranho esporte que vocês inventaram e pelo qual me apaixonei - admitiu, humilde.
— Não foi nada, Seu Gênio. E agora o que o senhor vai fazer? - perguntou, meio blasé.
— Voltarei à minha lâmpada para rever a final da Champions League de 2005 - revelou.
— Ah, você não é bobo mesmo, hein Seu Gênio? Naquela noite ele carregou o Liverpool contra o Milan. O time perdia por 3 a 0 e ele conduziu ao 3 a 3 com a vitória nos pênaltis - lembrou o fã do craque que deixou os Reds.
— Pois é. E ele fez muito mais, em inúmeros jogos, sem que em nenhum momento de sua carreira estivesse no time mais forte. E até você me achar hoje, eu nunca havia me dado conta de como jogou naquela decisão e como joga futebol o Gerrard - reconheceu, antes de virar fumaça e voltar lentamente para dentro da velha lâmpada. Ainda deu tempo de ele ouvir a última resposta do torcedor, enfim realizado:
— Gerrad é gênio. Gênio...
GETTY
Steven Gerrard comemora gol na final da Copa da Inglaterra de 2006: ídolo exemplar
Steven Gerrard comemora gol na final da Copa da Inglaterra de 2006: ídolo exemplar