sábado, 18 de janeiro de 2014

Os desafios de Jayme de Almeida para, desta vez, não repetir Carlinhos e Andrade no Fla

Pedro Henrique Torre/ESPN.com.br
Jayme de Almeida em entrevista coletiva no Ninho do Urubu
Jayme de Almeida em entrevista coletiva no Ninho do Urubu.
Quando o desacreditado Flamengo de Jayme de Almeida conquistou a Copa do Brasil 2013 foi impossível não traçar paralelos com Carlinhos e Andrade, outros ex-jogadores e técnicos interinos. Também vencedores. Leia mais AQUI.
Em comum, o jeito humilde e tranquilo. Principalmente, a vivência do clube e a capacidade de transmitir calma e confiança a grupos criticados dentro da panela de pressão que é a Gávea.
Perfeito para aquele momento. Em 2014, com vaga na Libertadores e contrato renovado, os desafios de Jayme são outros. O grupo tem a moral de um título importante, mais serenidade e tempo para se preparar. Sem incêndio para apagar. Mas um time para rearmar.
Com novas metas, a postura também precisa ser diferente. Exatamente para não cometer os pecados dos outros dois treinadores campeões.
Em 1987, o Carlinhos "Violino" - apelido dos tempos de jogador, pelo estilo clássico atuando como volante - assumiu um time que precisava resgatar a auto estima dos veteranos e dar confiança aos jovens que precisavam jogar para equilibrar experiência e vigor físico. Encaixou os garotos Leonardo, Aílton e Zinho no time de Leandro, Edinho, Andrade e Zico. Manteve Zé Carlos, Jorginho e Bebeto, deu liberdade total a Renato Gaúcho e conquistou a Copa União.
No ano seguinte, a necessidade de encontrar um substituto para o Galinho era clara. Assim como qualificar elenco repleto de lacunas. Carlinhos apostou em Flávio, Luis Henrique e Henágio na reposição do meia de ligação do 4-3-1-2 rubro-negro.

Conquistou a Taça Guanabara com dificuldades -graças à vitória por 1 a 0 sobre o Vasco no famoso jogo do "apagão" da primeira rodada, com o time cruzmaltino se recusando a disputar os 23 minutos restantes no Maracanã após o retorno da energia elétrica.

Contou com Zico em alguns jogos, mas perdeu o returno com campanha pífia. Na decisão, uma mudança tática insólita para o 4-3-3 com Alcindo atuando com a camisa dez, mas aberto no lado esquerdo, alternando com Renato. Sem criatividade no meio-campo, foi derrotado duas vezes pelo Vasco de Geovani e Romário e amargou o segundo vice-campeonato regional. Fracasso na reconstrução do grupo e afastamento do cargo de treinador.
Olho Tático
Sem Zico, Carlinhos desmontou o losango e alternou Renato Gaúcho e Alcindo nas finais do Estadual de 1988 - time sem criatividade no meio-campo.
Sem Zico, Carlinhos desmontou o losango e alternou Renato Gaúcho e Alcindo nas finais do Estadual de 1988 - time sem criatividade no meio-campo.
O retorno em 1991 apresentava outro cenário: Vanderlei Luxemburgo deixara o clube reclamando da falta de estrutura, mas com base montada e a grande sacada tática: para encaixar Júnior, que não tinha a combatividade de um volante mas precisava armar o time de trás e não avançado como um típico camisa dez, o treinador escalava pontas que voltavam para marcar.

Paulo Nunes e Nélio foram os escolhidos por Carlinhos. De novo equilibrando a bagagem de Gilmar, Charles Wilson Gottardo, Uidemar, Júnior, Zinho e Gaúcho com a juventude de Junior Baiano, Piá e os dois ponteiros. Sem contar os demais da geração campeã da Taça SP de 1990: Fabinho, Marquinhos, Marcelinho, Djalminha e Luiz Antonio que ajudaram a conquistar a Taça Rio e o Estadual.
Em 1992 não foi preciso reformular o elenco e apenas o atacante Toto foi contratado para a reserva de Gaúcho e Julio César chegou para ser opção como meia. Adepto do 4-4-2, Carlinhos tentou adequar o time ao esquema tático, mas derrotas que quase custaram a vaga na fase final e uma conversa com os líderes do elenco fizeram o treinador voltar ao 4-3-3. Com Julio César na ponta direita, o Flamengo desacreditado chegou ao título brasileiro.
Olho Tático
A equipe campeã brasileira de 1992: base do ano anterior no 4-3-3 arquitetado por Luxemburgo para os ponteiros marcadores darem  liberdade a Junior.
A equipe campeã brasileira de 1992: base do ano anterior no 4-3-3 arquitetado por Luxemburgo para os ponteiros marcadores darem liberdade a Junior.
Perdeu o Estadual sem Maracanã para o Vasco campeão invicto no segundo semestre e não soube repaginar time e elenco para a disputa da Libertadores 1993. O "Violino" teria ainda uma passagem pouco notada em 1994 para só retornar em 1999.
De novo para liderar e transmitir confiança a elenco desacreditado. Armou a equipe em função de Romário, no típico 4-2-2-2 da época. Mas soube lidar com a ausência do craque e artilheiro lesionado na decisão do Carioca com o gol de Rodrigo Mendes.
Na conquista da Mercosul, o grupo limitado soube lidar com a dispensa de Romário por indisciplina. Carlinhos promoveu o jovem atacante Reinaldo que formou com Leandro Machado a dupla de ataque municiada por Iranildo no 4-3-1-2 que superou o poderoso Palmeiras de Luiz Felipe Scolari em duas finais eletrizantes - vitória por 4 a 3 no Maracanã e empate em 3 a 3 no Parque Antártica.
Olho Tático
Time campeão da Mercosul 1999: 4-3-1-2 com muitos problemas, mas poder de superação e vocação ofensiva.
Time campeão da Mercosul 1999: 4-3-1-2 com muitos problemas, mas poder de superação e vocação ofensiva.
Carlinhos comandou a equipe no primeiro título internacional relevante do Flamengo desde o Interncontinental de 1981 já demitido. Paulo César Carpegiani estava contratado para comandar o Fla no início de 2000. Os 5 a 1 com chocolate no domingo de Páscoa impostos pelo Vasco (de Romário) na decisão da Taça Guanabara fizeram a diretoria bater de novo na porta do "Violino".
À vontade na função de "bombeiro" com um grupo que conhecia, o técnico repaginou o time num 4-2-2-2 funcional que faturou o returno e atropelou o Vasco na primeira decisão: 3 a 0. Grande atuação de Athirson, craque daquela edição do Estadual que tinha liberdade total pela lateral-esquerda com a cobertura de Mozart. Os 2 a 1 no jogo final foram um mero protocolo para a conquista do bicampeonato.
No segundo semestre, altos investimentos da nova patrocinadora ISL: Gamarra, Alex, Edilson e Denilson. E Carlinhos novamente teve dificuldades para remontar a equipe, além de uma certa timidez para lidar com as estrelas que não o conheciam nem se entendiam. Time sem padrão e formação definida, que nunca conseguiu reunir todos os craques. Campanha pífia no Brasileiro e demissão em sua última passagem pelo clube. De positivo, apenas a promoção de Adriano aos profissionais.
Olho Tático
As estrelas que Carlinhos não conseguiu reunir em um grupo com talento, mas muitos problemas internos
As estrelas que Carlinhos não conseguiu reunir em um grupo com talento, mas muitos problemas internos
Andrade teve sua primeira oportunidade como treinador efetivo em 2004 e ajudou o clube a escapar do rebaixamento. Fracassou na mesma missão no ano seguinte, deixando o "milagre" para Joel Santana em nova recuperação surpreendente.
Em 2009, com elenco mais forte, a serenidade foi útil para amansar Adriano, fazer Zé Roberto levar a carreira mais a sério e resgatar o veterano Petkovic no surpreendente título brasileiro.
No ano seguinte, com a chegada de Vagner Love as perspectivas eram ainda melhores. Mas o treinador não teve pulso firme para conter o temperamento explosivo do meia sérvio nem a inconstância psicológica do Imperador. Assim como Carlinhos em 1988, falhou na reposição do meia criativo com Vinicius Pacheco. Aírton e Zé Roberto também não tiveram substitutos à altura.
Taticamente, saiu do 4-2-3-1/4-4-1-1 da conquista nacional para um 4-3-1-2 que falhou no Estadual e na primeira fase da Libertadores. Demissão e ostracismo como treinador até hoje.
Olho Tático
Andrade tentou repaginar o time em um 4-3-1-2 com Love e Adriano na frente, mas perdeu força no meio-campo sem Aírton, Zé Roberto e Petkovic.
Andrade tentou repaginar o time em um 4-3-1-2 com Love e Adriano na frente, mas perdeu força no meio-campo sem Aírton, Zé Roberto e Petkovic.
Em comum, a calma e a fala mansa que funcionaram em um primeiro momento mas contribuíram para fragilizar o comando quando o trabalho exigiu uma outra postura. Ficou também a impressão de que faltou conteúdo, uma formação mais sólida como treinador.
Em 2014, Jayme se depara com a missão de reestruturar um time que hoje não conta com seus dois pilares no meio-campo: Elias e Luiz Antonio estão fora dos planos, ao menos para este início de temporada. Não por acaso a diretoria investiu em jogadores do setor: Feijão, Elano, Everton e o argentino Lucas Mugni. Nenhum com estilo ao menos parecido. Muralha, de volta ao clube depois de longa inatividade, deve ganhar oportunidades neste início. Incógnita.
Por outro lado, o treinador ganhou o lateral direito Leo para a reserva de Leonardo Moura e o zagueiro equatoriano Erazo. Com a permanência de Hernane, tem Alecsandro como um reserva com as mesmas características e a experiência de dois títulos de Libertadores como "plus". Outra boa notícia é que o time não deve precisar tanto de Carlos Eduardo como na temporada passada.
Por ora, é difícil vislumbrar uma formação titular. Elano ocupa o lado direito, Everton e Lucas Mugni o esquerdo. Mas Paulinho precisa jogar, pela ótima reta final de Copa do Brasil e por ser fundamental sem a bola e dar profundidade às ações ofensivas. Amaral deve seguir como volante mais plantado e o "Brocador" Hernane é absoluto no centro do ataque. A zaga deve ter boa disputa entre Wallace e Chicão do lado direito e Erazo e Samir à esquerda.
Olho Tático
Uma formação possível com as peças disponíveis hoje: 4-2-3-1 com Erazo na zaga, Elano à direita, Muralha e Everton no meio-campo.
Uma formação possível com as peças disponíveis hoje: 4-2-3-1 com Erazo na zaga, Elano à direita, Muralha e Everton no meio-campo (numeração fictícia).
Certo é que Jayme de Almeida vai precisar se firmar de fato como treinador. Que planeja e executa, sem a aura de "bombeiro". Sabendo a hora de mudar e também dosar carinho e cobrança. Carlinhos e Andrade tropeçaram. Como será o amanhã de Jayme e do Flamengo?