sábado, 11 de maio de 2013

Alex Ferguson e Manchester United: adaptação e renovação sem perder a essência

Desde o anúncio da aposentadoria há dois dias, Sir Alex Ferguson recebe homenagens ao redor do mundo, de pessoas ligadas ao futebol ou não. Justo reconhecimento ao trabalho do manager que durou 27 temporadas e mudou o status do Manchester United no planeta.

Em outros clubes, treinadores são lembrados por titulos e os grandes times. Ferguson fica à beira do campo mascando seu chiclete, mas seu cargo se assemelha mais a de um diretor técnico, com responsabilidades também administrativas.

Ainda assim, o escocês de 71 anos está marcado por uma era à frente do clube pelas equipes que montou e armou. Méritos também dos dirigentes acima dele no início do trabalho que acreditaram em sua competência, mesmo com o primeiro título demorando quatro anos (Copa da Inglaterra) e a primeira liga nacional das 13 conquistadas só na sexta temporada.

Uma trajetória fantástica que merece ser tema de filme. Mas junto com a reverência deve vir a reflexão: como ele conseguiu montar times competitivos ao longo do tempo em esporte tão dinâmico e que evoluiu tanto em todos os aspectos, especialmente na Inglaterra?

Adaptação e renovação sem perder a essência são boas respostas. Alguns treinadores que começaram suas carreiras em 1993, quando conseguiu seu primeiro título inglês, já são considerados ultrapassados. 

O time que Ferguson entrega ao sucessor David Moyes, também escocês, pode não ser o melhor da Europa, mas joga o futebol atual. Não por acaso, é campeão nacional mais uma vez.

Todos atacam, todos combatem. Sabe marcar por zona com pressão no homem da bola e é rápido nas transições ofensivas e defensivas, compactando os setores. Em duas linhas de quatro ou no 4-2-3-1. Sempre com “turnover” no elenco e transformando uma simples escalação em fonte de surpresas. Algumas boas, outras nem tanto.

Bem diferente do estilo mais afeito às ligações diretas dos anos 1980, passando pelas transformações desde a criação da Premier League em 1992, a formação de verdadeiras seleções mundiais na Europa com o “caso Bosman” em 1995 e a afirmação do campeonato inglês como o melhor e mais competitivo do planeta nos anos 2000.

Ferguson acertou muito, errou tantas vezes. Montou grandes times em Manchester. Desde o primeiro marcante e vencedor, comandado em campo por Eric Cantona e Kanchelskis até o último, da dupla Rooney & Van Persie. Não por acaso, campeões nacionais.

Os históricos, porém, não poderiam deixar de ser os que venceram a Liga dos Campeões. Em 1998/99, na inédita tríplice coroa (ou “treble”, com os títulos da liga e da Copa da Inglaterra), o esquadrão com o fantástico goleiro dinamarquês Peter Schmeichel, o vigoroso zagueiro holandês Jaap Stam e o rápido lateral-esquerdo Denis Irwin na retaguarda segurando as pontas para os não tão brilhantes Gary Neville e Johnsen.

À frente da defesa, uma linha de meio histórica com Beckham, Paul Scholes, Roy Keane e Ryan Giggs. Todos técnicos, municiando a dupla Cole e Yorke, mas com boas noções de marcação e agrupando os jogadores para diminuir os espaços.

Olho Tático
Em 1999, a tríplice coroa com Beckham, Scholes, Keane e Giggs no meio-campo do 4-4-2, marcando e criando.
Em 1999, a tríplice coroa com Beckham, Scholes, Keane e Giggs no meio-campo do 4-4-2, marcando e criando.

Na final do torneio continental diante do Bayern de Munique no Camp Nou, uma equipe muito mexida no meio-campo, com Beckham centralizado, Giggs à direita e Butt e Blomqvist completando o setor, que saiu atrás e só conseguiu a lendária virada em um “abafa” inacreditável já nos acréscimos com gols dos reservas Sheringham e o norueguês Solksjaer.

Em dezembro, a confirmação da força da equipe com o 1 a 0 sobre o Palmeiras de Felipão, gol de Roy Keane em falha do goleiro Marcos, pelo intercontinental em Tóquio.

Nove anos depois, Ferguson voltaria a ganhar a Europa. No mesmo 4-4-2 de quase sempre. Porém muito mais ofensivo e móvel. Cristiano Ronaldo, Rooney, Tevez e Giggs promoviam intensa movimentação na frente, com as diagonais a partir da direita do português e a dinâmica habitual de Tevez.

Também o sacrifício tático de Rooney, que recuava para armar ou abria pelos flancos para permitir que os “wingers” entrassem por dentro. Ronaldo atacando e Giggs articulando.

Na defesa, a segurança da dupla Ferdinand e Vidic à frente do fantástico Van der Sar e Evra apoiando pela esquerda com Wes Brown improvisado como lateral-zagueiro à direita.

Olho Tático
As mesmas duas linhas de quatro em 2008, mas muito mais ofensiva e móvel com o quarteto Ronaldo, Rooney, Tevez e Giggs.
As mesmas duas linhas de quatro em 2008, mas muito mais ofensiva e móvel com o quarteto Ronaldo, Rooney, Tevez e Giggs.

O bicampeonato nacional, que seria tri no ano seguinte, foi conquistado com tranquilidade. Mas o triunfo europeu em Moscou na final inglesa contra o Chelsea só veio nos pênaltis. Ferguson deixou Giggs no banco e lançou Hargreaves pela direita para conter o sempre ofensivo Ashley Cole.

Do lado oposto, Cristiano Ronaldo apareceu para marcar de cabeça o gol dos Diabos Vermelhos. Lampard empatou e o luso desperdiçou sua cobrança depois de tensos 120 minutos. O melhor do mundo naquela temporada, porém, foi “salvo” por Terry, que escorregou no chute que daria o título aos Blues. Anelka parou em Van der Sar e a taça foi para Manchester.

Ferguson teve duas outras oportunidades de vencer a Champions, mas sucumbiu diante do melhor time que enfrentou em sua longa carreira: o Barcelona de Guardiola, campeão em 2009 e 2011. Em ambas, a humildade de reconhecer a superioridade absoluta do rival e a inteligência para aprender, renovar convicções, aproveitar a base e mudar pontualmente para seguir forte e absoluto na Inglaterra.

A vida segue para o United. David Moyes tem a enorme responsabilidade de manter a equipe entre as mais poderosas do mundo seguindo a filosofia mais que assimilada que o clube não trocou por uma grife como José Mourinho, por exemplo.

Sir Alex Ferguson vai para casa desfrutar do melhor dos descansos: aquele que vem com a sensação do dever cumprido e a certeza de que deixou um legado que nunca será esquecido.



Getty
Foi com Sir Alex também que o United superou o Liverpool e passou a ser o maior campeão inglês, com 20 títulos
Alex Ferguson comandou o Manchester United durante 27 temporadas.